Naveguei
na suave brisa
do Oceano sem fim
até te encontrar.
Como loucos amantes
vislumbrámos o céu
por entre algas e anémonas
que os peixes ofertaram.
Ignorámos
o chamamento
dos Homens
e... alcançámos o Paraíso.
EM - INSUBMISSÃO DOS SENTIDOS - ALEXANDRINA PEREIRA - TEMAS ORIGINAIS
terça-feira, 31 de maio de 2011
segunda-feira, 30 de maio de 2011
Vertigem - TERESA M. G. JARDIM
Acima do chão
volta e meia
tomo chá com um anjo.
Não perdi ainda as vertigens
mas ganhei o hábito
de manter as costas direitas
à mesa; a capacidade de ouvir
e conversar, demoradamente, já a tinha.
EM - JOGOS RADICAIS - TERESA M. G. JARDIM . ASSÍRIO & ALVIM
volta e meia
tomo chá com um anjo.
Não perdi ainda as vertigens
mas ganhei o hábito
de manter as costas direitas
à mesa; a capacidade de ouvir
e conversar, demoradamente, já a tinha.
EM - JOGOS RADICAIS - TERESA M. G. JARDIM . ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 29 de maio de 2011
O fruto 1 - CASIMIRO DE BRITO
O fruto rasgado pela recuso
do amor
encostado ao vento
- arco-íris queimado
por dentro
A fronteira do fruto
as balas a criaram
Mas não destruíram
a primeira haste
EM - JARDINS DE GUERRA - CASIMIRO DE BRITO - ASSÍRIO & ALVIM
do amor
encostado ao vento
- arco-íris queimado
por dentro
A fronteira do fruto
as balas a criaram
Mas não destruíram
a primeira haste
EM - JARDINS DE GUERRA - CASIMIRO DE BRITO - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 28 de maio de 2011
o decassílabo - VASCO GRAÇA MOURA
o decassílabo menos ouvido
na quarta e sétima leva o acento:
possível é, todavia é fodido
em português ir-lhe dando andamento.
com solidão, natural sentimento,
fica erodido, doído, delido:
entre silêncio e ruído é roído
e um solavanco lhe dá o sustento.
EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL
na quarta e sétima leva o acento:
possível é, todavia é fodido
em português ir-lhe dando andamento.
com solidão, natural sentimento,
fica erodido, doído, delido:
entre silêncio e ruído é roído
e um solavanco lhe dá o sustento.
EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL
sexta-feira, 27 de maio de 2011
Deve e haver - TOMAZ KIM
Que rosto procuramos no papel pautado
Enquanto o aparo range na tarde sem fim
E as moscas zumbem e a modorra cai;
Que corpo procuramos no escuro da noite
Envolvendo o silêncio do quarto alugado
E na repulsa de um leito solitário;
Que voz procuramos ouvir dia após noite
Nas ruas e casa e becos e praças e jardins...
Não sabemos,
Senão depois de os termos ignorado.
EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM
Enquanto o aparo range na tarde sem fim
E as moscas zumbem e a modorra cai;
Que corpo procuramos no escuro da noite
Envolvendo o silêncio do quarto alugado
E na repulsa de um leito solitário;
Que voz procuramos ouvir dia após noite
Nas ruas e casa e becos e praças e jardins...
Não sabemos,
Senão depois de os termos ignorado.
EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM
quinta-feira, 26 de maio de 2011
Melodia nocturna - JAIME CORTESÃO
Pudessem minhas lágrimas caindo,
Quando a minha Alma no silêncio chora
E enquanto, meu Amor, estás dormindo,
Dar-te um sonho tranquilo, noite fora;
Pudesse eu ir chorando e tu sorrindo,
Toda a noite eu chorava até à hora,
Em que, o exausto corpo descaindo,
Meu rosto desmaiasse à luz da Aurora.
Secara então as lágrimas... só quando
Se apagam as estrelas moribundas,
A voz dos rouxinóis vai desmaiando,
- Já o nocturno encanto se desfez -
E as almas silenciosas e profundas
Voltam à melindrosa timidez...
EM - POESIA - JAIME CORTESÃO - INCM
Quando a minha Alma no silêncio chora
E enquanto, meu Amor, estás dormindo,
Dar-te um sonho tranquilo, noite fora;
Pudesse eu ir chorando e tu sorrindo,
Toda a noite eu chorava até à hora,
Em que, o exausto corpo descaindo,
Meu rosto desmaiasse à luz da Aurora.
Secara então as lágrimas... só quando
Se apagam as estrelas moribundas,
A voz dos rouxinóis vai desmaiando,
- Já o nocturno encanto se desfez -
E as almas silenciosas e profundas
Voltam à melindrosa timidez...
EM - POESIA - JAIME CORTESÃO - INCM
quarta-feira, 25 de maio de 2011
Alvorada II - DOMINGOS MONTEIRO
Vai para os campos, para trabalhar,
Que já nasceu o dia, o cavador,
Levando n'alma a mansidão do lar,
Da madrugada ao cândido palor.
A luz parece um trémulo luar
De beleza balsâmica e d'amor.
E ao longe os pinheirais a murmurar
Soltam cantigas d'amargura e dor.
Pla estrada coleante, de longada,
Uns bois vão a passar, com a carrada,
Num clamoroso anunciar da vida.
E no cimo do monte verdejante,
Num lampejo de luz, esfuziante,
A branquejar ao sol, vê-se uma ermida.
EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM
Que já nasceu o dia, o cavador,
Levando n'alma a mansidão do lar,
Da madrugada ao cândido palor.
A luz parece um trémulo luar
De beleza balsâmica e d'amor.
E ao longe os pinheirais a murmurar
Soltam cantigas d'amargura e dor.
Pla estrada coleante, de longada,
Uns bois vão a passar, com a carrada,
Num clamoroso anunciar da vida.
E no cimo do monte verdejante,
Num lampejo de luz, esfuziante,
A branquejar ao sol, vê-se uma ermida.
EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM
terça-feira, 24 de maio de 2011
Pé-de-vento - ANTÓNIO MEGA FERREIRA
De vez em quando, o vento finge
que não está; amaina, dizem
os cegos, e fica-se sem saber
o que mais dói, se a gelada
combustão dos dedos,
se os lábios despedaçados
no recorre
da manhã. O vento
retoma então o seu mistério,
as dunas engolem os presságios,
como as casas as suas sombras,
cada coisa deposita
a sua lágrima de sono
na memória cintilante da noite.
De súbito, o vento reaparece:
é como se a luz
ardesse no olhar dos cegos,
ou alguma criança
morresse
nos braços da manhã.
EM - O TEMPO QUE NOS CABE - ANTÓNIO MEGA FERREIRA - ASSÍRIO & ALVIM
que não está; amaina, dizem
os cegos, e fica-se sem saber
o que mais dói, se a gelada
combustão dos dedos,
se os lábios despedaçados
no recorre
da manhã. O vento
retoma então o seu mistério,
as dunas engolem os presságios,
como as casas as suas sombras,
cada coisa deposita
a sua lágrima de sono
na memória cintilante da noite.
De súbito, o vento reaparece:
é como se a luz
ardesse no olhar dos cegos,
ou alguma criança
morresse
nos braços da manhã.
EM - O TEMPO QUE NOS CABE - ANTÓNIO MEGA FERREIRA - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Fruta de verão - NUNO JÚDICE
No pequeno campo, de laranjas maduras
caídas por terra, os que preferem os insectos
afastam as folhas, por entre as ervas,
e procuram o mais pequeno dos movimentos.
No entanto, é na matéria podre, por dentro
do fruto, que as lavras se agitam, num trabalho
incessante que não convém interromper,
sobretudo quando a tarde começa a cair.
E se ouvimos, à noite, um eco de gestos
no interior da memória, talvez possamos pensar
que a cabeça pousada no travesseiro se
confunde, por instantes, com a laranja caída.
EM - A MATÉRIA DO POEMA - NUNO JÚDICE - DOM QUIXOTE
caídas por terra, os que preferem os insectos
afastam as folhas, por entre as ervas,
e procuram o mais pequeno dos movimentos.
No entanto, é na matéria podre, por dentro
do fruto, que as lavras se agitam, num trabalho
incessante que não convém interromper,
sobretudo quando a tarde começa a cair.
E se ouvimos, à noite, um eco de gestos
no interior da memória, talvez possamos pensar
que a cabeça pousada no travesseiro se
confunde, por instantes, com a laranja caída.
EM - A MATÉRIA DO POEMA - NUNO JÚDICE - DOM QUIXOTE
domingo, 22 de maio de 2011
A lei de Lavoisier - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA
Visitei a casa onde,
segundo a versão
mais verídica,
deixei as quatro
cavidades do coração
e o princípio do fim
de vários brônquios.
Cheirava a couves de véspera,
a papéis velhos,
a mijo de gatos.
EM - NADA TÃO IMPORTANTE QUE NÃO POSSA SER DITO - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA - ASSÍRIO & ALVIM
segundo a versão
mais verídica,
deixei as quatro
cavidades do coração
e o princípio do fim
de vários brônquios.
Cheirava a couves de véspera,
a papéis velhos,
a mijo de gatos.
EM - NADA TÃO IMPORTANTE QUE NÃO POSSA SER DITO - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 21 de maio de 2011
Quando a noite* - ALEXANDRINA PEREIRA
Quando a noite
entrelaça o dia
surge a madrugada
repleta de sons.
Quimera da vida
ao alvorecer.
Subtilezas ausentes
para quem dorme
não raro imerecido sono
perdendo
como borboleta
sem asas
o beijo da madrugada
... por um sonho.
EM - INSUBMISSÃO DOS SENTIDOS - ALEXANDRINA PEREIRA - TEMAS ORIGINAIS
entrelaça o dia
surge a madrugada
repleta de sons.
Quimera da vida
ao alvorecer.
Subtilezas ausentes
para quem dorme
não raro imerecido sono
perdendo
como borboleta
sem asas
o beijo da madrugada
... por um sonho.
EM - INSUBMISSÃO DOS SENTIDOS - ALEXANDRINA PEREIRA - TEMAS ORIGINAIS
sexta-feira, 20 de maio de 2011
Pão para a boca - TERESA M. G. JARDIM
Livros
e doce de amora - o teu pão
para a boca,
não é o meu:
o meu pão é seco,
soco,
na cara
as palavras
escritas, um pouco antes.
EM - JOGOS RADICAIS - TERESA M. G. JARDIM - ASSÍRIO & ALVIM
e doce de amora - o teu pão
para a boca,
não é o meu:
o meu pão é seco,
soco,
na cara
as palavras
escritas, um pouco antes.
EM - JOGOS RADICAIS - TERESA M. G. JARDIM - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 19 de maio de 2011
A terra - CASIMIRO DE BRITO
A terra
na guerra
é nossa
- do povo.
Na paz
a terra
é vossa.
E o povo?
Na terra jaz
nas grades
do ovo -
sem guerra,
nem paz
nem renovo.
EM - JARDINS DE GUERRA - CASIMIRO DE BRITO - ASSÍRIO & ALVIM
na guerra
é nossa
- do povo.
Na paz
a terra
é vossa.
E o povo?
Na terra jaz
nas grades
do ovo -
sem guerra,
nem paz
nem renovo.
EM - JARDINS DE GUERRA - CASIMIRO DE BRITO - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 18 de maio de 2011
fragmento - VASCO GRAÇA MOURA
são asas de alvoroço ou são sinais?
são sombras agitadas na descida?
são palavras aladas junto ao cais?
são um rumor no vento? ou repetida
animação do instante nas manhãs
quando ao passar da gente passa a vida
e alguém espera olhando as horas vãs?
EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL
são sombras agitadas na descida?
são palavras aladas junto ao cais?
são um rumor no vento? ou repetida
animação do instante nas manhãs
quando ao passar da gente passa a vida
e alguém espera olhando as horas vãs?
EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL
terça-feira, 17 de maio de 2011
Dedicatória - TOMAZ KIM
Quem és tu,
tu que sinto no meu sangue
lamentando o que reneguei!'
Quem és tu,
tu que me deste estas mãos
escrevas de tudo que me fere!?
Tu que és tudo e eco!
Tu, tu que me trouxeste
a bíblica nostalgia
do que jamais alcancei!...
Tu que és tudo e eco,
responde:
«Agora que estou só,
para onde corre o meu sangue!?»
EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM
tu que sinto no meu sangue
lamentando o que reneguei!'
Quem és tu,
tu que me deste estas mãos
escrevas de tudo que me fere!?
Tu que és tudo e eco!
Tu, tu que me trouxeste
a bíblica nostalgia
do que jamais alcancei!...
Tu que és tudo e eco,
responde:
«Agora que estou só,
para onde corre o meu sangue!?»
EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Pérolas ocultas - JAIME CORTESÃO
Eu distingo na forma a oculta graça,
No lábio mudo e frémito do amor;
Para mim a crisálida esvoaça,
O gomo é árvore e o botão é flor.
Sei que há em tudo vida interior,
Que há fontes vivas numa rocha escassa,
Que a treva vai fundir-se no esplendor
E o riso já exulta na desgraça.
Assim, eu, através da ganga escura
Virgem de todo o olhar,
Fitei o diamante que fulgura;
E, em certas conchas que há sepultas
No túmulo do mar,
Vi o raiar das pérolas ocultas.
EM - POESIA - JAIME CORTESÃO - INCM
No lábio mudo e frémito do amor;
Para mim a crisálida esvoaça,
O gomo é árvore e o botão é flor.
Sei que há em tudo vida interior,
Que há fontes vivas numa rocha escassa,
Que a treva vai fundir-se no esplendor
E o riso já exulta na desgraça.
Assim, eu, através da ganga escura
Virgem de todo o olhar,
Fitei o diamante que fulgura;
E, em certas conchas que há sepultas
No túmulo do mar,
Vi o raiar das pérolas ocultas.
EM - POESIA - JAIME CORTESÃO - INCM
domingo, 15 de maio de 2011
Alvorada I - DOMINGOS MONTEIRO
Quando rompe a manhã, a cotovia,
Alma de luz, d'amor extasiada,
Vai pelos ares a anunciar o dia
Numa oração de crente afervorada.
Tão linda, a estrela d'alva inda alumia,
Com luz suave, a lânguida balada,
Tristíssima, cantante litania
Na grande paz risonha d'alvorada.
Nasceu agora o sol - moeda d'oiro,
Senhor Deus, do enormíssimo tesoiro
Que vós acumulastes, lentamente.
Agora a cotovia já não canta;
Mas de todas as coisas se alevanta
Um cântico d'hossana, docemente.
EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM
Alma de luz, d'amor extasiada,
Vai pelos ares a anunciar o dia
Numa oração de crente afervorada.
Tão linda, a estrela d'alva inda alumia,
Com luz suave, a lânguida balada,
Tristíssima, cantante litania
Na grande paz risonha d'alvorada.
Nasceu agora o sol - moeda d'oiro,
Senhor Deus, do enormíssimo tesoiro
Que vós acumulastes, lentamente.
Agora a cotovia já não canta;
Mas de todas as coisas se alevanta
Um cântico d'hossana, docemente.
EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM
sábado, 14 de maio de 2011
Na palma da mãos - ANTÓNIO MEGA FERREIRA
Abro as mãos; nelas
podes ver
o que quiseres: apenas
o teu rosto
se não quiseres olhar
para as minhas
mãos
ou as rugas, pregas
finas
nos meus dedos,
outros sinais do tempo
que não foi teu.
Abro as mãos; repara
nelas, deita-lhes ao menos
um olhar
agora que uma estrela
rompeu os céus
no céu de Praga
e as minhas mãos já não cantam
nos teus lábios
para sempre rendidos
ao rasto da estrela
e à luz nocturna
do cristal.
EM - O TEMPO QUE NOS CABE - ANTÓNIO MEGA FERREIRA - ASSÍRIO & ALVIM
podes ver
o que quiseres: apenas
o teu rosto
se não quiseres olhar
para as minhas
mãos
ou as rugas, pregas
finas
nos meus dedos,
outros sinais do tempo
que não foi teu.
Abro as mãos; repara
nelas, deita-lhes ao menos
um olhar
agora que uma estrela
rompeu os céus
no céu de Praga
e as minhas mãos já não cantam
nos teus lábios
para sempre rendidos
ao rasto da estrela
e à luz nocturna
do cristal.
EM - O TEMPO QUE NOS CABE - ANTÓNIO MEGA FERREIRA - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 13 de maio de 2011
Colheita - NUNO JÚDICE
Juntei laranjas e limões no mesmo saco,
e o amarelo e o laranja juntaram-se sobre
o verde da erva. A primavera chega com
estas cores, diz o pássaro que se cruzou
com a pedra que a criança atirou para
acertar no céu; e a infância cai do outro
lado da estrada, onde começam as casa,
para dizer ao pássaro que o seu lugar
é onde fica a primavera, e não onde
falta o campo verde que as laranjas
e os limões pintam de amarelo e laranja.
EM - A MATÉRIA DO POEMA - NUNO JÚDICE - DOM QUIXOTE
e o amarelo e o laranja juntaram-se sobre
o verde da erva. A primavera chega com
estas cores, diz o pássaro que se cruzou
com a pedra que a criança atirou para
acertar no céu; e a infância cai do outro
lado da estrada, onde começam as casa,
para dizer ao pássaro que o seu lugar
é onde fica a primavera, e não onde
falta o campo verde que as laranjas
e os limões pintam de amarelo e laranja.
EM - A MATÉRIA DO POEMA - NUNO JÚDICE - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 12 de maio de 2011
Mercado negro - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA
Entro em casa.
Os animais estão inquietos.
Verifico: têm água,
comida. Deito-me
no chão, ouvindo
o rumor do mundo,
a máquina do silêncio
a mastigar a terra.
EM - NADA TÃO IMPORTANTE QUE NÃO POSSA SER DITO - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA - ASSÍRIO & ALVIM
Os animais estão inquietos.
Verifico: têm água,
comida. Deito-me
no chão, ouvindo
o rumor do mundo,
a máquina do silêncio
a mastigar a terra.
EM - NADA TÃO IMPORTANTE QUE NÃO POSSA SER DITO - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 11 de maio de 2011
A minha recusa* - ALEXANDRINA PEREIRA
A minha recusa
está vestida
de cumplicidades.
De poemas
manuscritos
com tempestades
inúteis
de versos extraviados
de quadros por pintar
e fonéticas distorcidas.
Recuso-me a um mundo
com os dias submersos.
EM - INSUBMISSÃO DOS SENTIDOS - ALEXANDRINA PEREIRA - TEMAS ORIGINAIS
está vestida
de cumplicidades.
De poemas
manuscritos
com tempestades
inúteis
de versos extraviados
de quadros por pintar
e fonéticas distorcidas.
Recuso-me a um mundo
com os dias submersos.
EM - INSUBMISSÃO DOS SENTIDOS - ALEXANDRINA PEREIRA - TEMAS ORIGINAIS
terça-feira, 10 de maio de 2011
Poema sem sal - TERESA M. G. JARDIM
Sempre que faço limpezas profundas no armário
da cozinha, estragam-se coisas; de mal arrumados
parti alguns pratos, não faz mal, neles não comerei
mais sopa, só, sem som, sem sal, sem sentido.
EM - JOGOS RADICAIS - TERESA M. G. JARDIM - ASSÍRIO & ALVIM
da cozinha, estragam-se coisas; de mal arrumados
parti alguns pratos, não faz mal, neles não comerei
mais sopa, só, sem som, sem sal, sem sentido.
EM - JOGOS RADICAIS - TERESA M. G. JARDIM - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 9 de maio de 2011
As sementes 3 - CASIMIRO DE BRITO
Terra desprendida, terra vermelha
mas não
morta: música rudimentar da
memória. Essa coisa viva de que falo,
esse rosto constelado
de frutos deformados (agudos). Terra
de fósseis, terra violenta
onde pousa o sangue, onde os dentes ouvem
o país da fábula. A
máquina.
EM - JARDINS DE GUERRA - CASIMIRO DE BRITO - ASSÍRIO & ALVIM
mas não
morta: música rudimentar da
memória. Essa coisa viva de que falo,
esse rosto constelado
de frutos deformados (agudos). Terra
de fósseis, terra violenta
onde pousa o sangue, onde os dentes ouvem
o país da fábula. A
máquina.
EM - JARDINS DE GUERRA - CASIMIRO DE BRITO - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 8 de maio de 2011
alexandra-anita brauner - VASCO GRAÇA MOURA
com pedaços de fita adesiva, cola-se
ao tapume este retrato de menina,
de luz contente nos olhos, quente enlevo
do afago dos pais, sorriso de olhar barcos
e de brincar na areia, ao sol, entre as palmeiras
balouçando ao vento. escrito à mão: "o
corpo foi encontrado." inútil
continuar a procurar alexandra-anita brauner.
menina e moça a levaram, de casa de seus pais,
para longes águas.
EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL
ao tapume este retrato de menina,
de luz contente nos olhos, quente enlevo
do afago dos pais, sorriso de olhar barcos
e de brincar na areia, ao sol, entre as palmeiras
balouçando ao vento. escrito à mão: "o
corpo foi encontrado." inútil
continuar a procurar alexandra-anita brauner.
menina e moça a levaram, de casa de seus pais,
para longes águas.
EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL
sábado, 7 de maio de 2011
Num bago de romã... - TOMAZ KIM
Num bago de romã
morre
um fogo-fátuo errante,
furando a rocha
à luz duma tocha
fumegante...
Num bago de romã
vejo macabras ortigas
de mim,
uma vez loiras espigas:
sombras de mim
e do que serei...
Um bago de romã encerra
tudo que na terra
semeei...
EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM
morre
um fogo-fátuo errante,
furando a rocha
à luz duma tocha
fumegante...
Num bago de romã
vejo macabras ortigas
de mim,
uma vez loiras espigas:
sombras de mim
e do que serei...
Um bago de romã encerra
tudo que na terra
semeei...
EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM
sexta-feira, 6 de maio de 2011
A beleza oculta - JAIME CORTESÃO
Eu distingo na forma a oculta graça,
No lábio mudo, o frémito do Amor;
Para mim a crisálida esvoaça,
O gomo é árvore e o botão é flor.
Sei que há em tudo vida interior,
Que há fontes vivas numa rocha escassa,
Que a treva vai remir-se no esplendor,
E já o riso exulta na desgraça.
Assim, o meu olhar abre as sepultas
Conchas no fundo Mar, e eis que uma Aurora
Se vê luzir das pérolas ocultas;
Raiam, à minha voz, milhões de sóis
E ouvem-se em todo o Mundo e a toda a hora
Cantar, ébrios de Amor, os rouxinóis!
EM - POESIA - JAIME CORTESÃO - INCM
No lábio mudo, o frémito do Amor;
Para mim a crisálida esvoaça,
O gomo é árvore e o botão é flor.
Sei que há em tudo vida interior,
Que há fontes vivas numa rocha escassa,
Que a treva vai remir-se no esplendor,
E já o riso exulta na desgraça.
Assim, o meu olhar abre as sepultas
Conchas no fundo Mar, e eis que uma Aurora
Se vê luzir das pérolas ocultas;
Raiam, à minha voz, milhões de sóis
E ouvem-se em todo o Mundo e a toda a hora
Cantar, ébrios de Amor, os rouxinóis!
EM - POESIA - JAIME CORTESÃO - INCM
quinta-feira, 5 de maio de 2011
A ti, lírio divino - DOMINGOS MONTEIRO
A ti, lírio divino do meu seio,
Hóstia de luz, d'amor doirado e lindo!
A ti, sagrada voz donde me veio
O sorriso de fé, que estou sorrindo;
A ti, profundo e doloroso anseio,
Alma e doçura lânguida florindo...
Meu livro pobrezinho; abençoei-o
Co'a tua graça sobre mim caindo.
Guarda-o na paz oculta do teu peito,
Virgem dorida, coração eleito,
Na sombra divinal dos olhos tristes.
E nunca o esqueças, nunca, meu amor,
Pois ele é o teu perfil talhado em dor;
Nele vives chorando, nele existes.
EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM
Hóstia de luz, d'amor doirado e lindo!
A ti, sagrada voz donde me veio
O sorriso de fé, que estou sorrindo;
A ti, profundo e doloroso anseio,
Alma e doçura lânguida florindo...
Meu livro pobrezinho; abençoei-o
Co'a tua graça sobre mim caindo.
Guarda-o na paz oculta do teu peito,
Virgem dorida, coração eleito,
Na sombra divinal dos olhos tristes.
E nunca o esqueças, nunca, meu amor,
Pois ele é o teu perfil talhado em dor;
Nele vives chorando, nele existes.
EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM
quarta-feira, 4 de maio de 2011
Glosas - ANTÓNIO MEGA FERREIRA
Traz-me um colar de jasmim
pra pôr à volta da alma,
flor imensa, imóvel e atenta,
que recolhe dos teus dedos
a gota de água
lenta.
Traz-me um colar de jasmim
pra enfeitar o coração,
água clara, rio clamor
que traz nos seus braços
prisioneiro
o teu rubor.
Dou-te um colar de jasmim
para te velar o olhar,
luz exausta, dor coberta,
que revela nos teus braços
a alma (inteira)
aberta.
EM - O TEMPO QUE NOS CABE - ANTÓNIO MEGA FERREIRA - ASSÍRIO & ALVIM
pra pôr à volta da alma,
flor imensa, imóvel e atenta,
que recolhe dos teus dedos
a gota de água
lenta.
Traz-me um colar de jasmim
pra enfeitar o coração,
água clara, rio clamor
que traz nos seus braços
prisioneiro
o teu rubor.
Dou-te um colar de jasmim
para te velar o olhar,
luz exausta, dor coberta,
que revela nos teus braços
a alma (inteira)
aberta.
EM - O TEMPO QUE NOS CABE - ANTÓNIO MEGA FERREIRA - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 3 de maio de 2011
Enigma ornitológico - NUNO JÚDICE
Um pássaro entrou numa nuvem.
Uma nuvem entrou num pássaro.
«Qual a verdade?», perguntou
o homem. «Está no pássaro? ou
está na nuvem?» E enquanto
o homem procurava a resposta,
o pássaro saiu da nuvem, fazendo
com que a verdade saísse do homem.
EM - A MATÉRIA DO POEMA - NUNO JÚDICE - DOM QUIXOTE
Uma nuvem entrou num pássaro.
«Qual a verdade?», perguntou
o homem. «Está no pássaro? ou
está na nuvem?» E enquanto
o homem procurava a resposta,
o pássaro saiu da nuvem, fazendo
com que a verdade saísse do homem.
EM - A MATÉRIA DO POEMA - NUNO JÚDICE - DOM QUIXOTE
segunda-feira, 2 de maio de 2011
A rota da seda - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA
Se deixares cair uma pedra,
num tanque,
numa noite de inverno,
em que o frio desenha
a lua
(um cão ladra)
é como se alguém partisse:
o som que mergulha
são os passos
de quem não olha para trás.
EM - NADA TÃO IMPORTANTE QUE NÃO POSSA SER DITO - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA - ASSÍRIO & ALVIM
num tanque,
numa noite de inverno,
em que o frio desenha
a lua
(um cão ladra)
é como se alguém partisse:
o som que mergulha
são os passos
de quem não olha para trás.
EM - NADA TÃO IMPORTANTE QUE NÃO POSSA SER DITO - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 1 de maio de 2011
Com que raiva* - ALEXANDRINA PEREIRA
Com que raiva
quebro as grades
que do mundo
me separam..
Com que infindáveis preces
me lamento.
As minhas euforias
são círculos
que me enlouquecem
como sílabas
a dançarem
no fulgor
de cada instante.
EM - INSUBMISSÃO DOS SENTIDOS - ALEXANDRINA PEREIRA - TEMAS ORIGINAIS
quebro as grades
que do mundo
me separam..
Com que infindáveis preces
me lamento.
As minhas euforias
são círculos
que me enlouquecem
como sílabas
a dançarem
no fulgor
de cada instante.
EM - INSUBMISSÃO DOS SENTIDOS - ALEXANDRINA PEREIRA - TEMAS ORIGINAIS
Subscrever:
Mensagens (Atom)