Entre a turba grosseira e fútil
um Pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
Feira de sonho e de desgraça...
O seu delírio manso agrupa
Atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro o apupa...
Indiferente a tais ataques,
Nublada a vista em pranto inútil,
Dolorosamente ele passa.
Veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonhos e de desgraça...
EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Paisagem - VINICIUS DE MORAES
Subi a alta colina
Para encontrar a tarde
Entre os rios cativos
A sombra sepultava o silêncio.
Assim entrei no pensamento
Da morte minha amiga
Ao pé de grande montanha
Do outro lado do poente.
Como tudo nesse momento
Me pareceu plácido e sem memória
Foi quando de repente uma menina
De vermelho surgiu no vale correndo, correndo...
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
Para encontrar a tarde
Entre os rios cativos
A sombra sepultava o silêncio.
Assim entrei no pensamento
Da morte minha amiga
Ao pé de grande montanha
Do outro lado do poente.
Como tudo nesse momento
Me pareceu plácido e sem memória
Foi quando de repente uma menina
De vermelho surgiu no vale correndo, correndo...
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
no meio do caminho - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
domingo, 28 de outubro de 2012
Leveza - CECÍLIA MEIRELES
Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.
E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.
E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.
E o desejo rápido
desse antigo instante,
mais leve.
E a fuga invisível
do amargo passante
mais leve.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
e a sua sombra voante,
mais leve.
E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.
E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.
E o desejo rápido
desse antigo instante,
mais leve.
E a fuga invisível
do amargo passante
mais leve.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
sábado, 27 de outubro de 2012
Dá-me a tua mão * - JOSÉ GOMES FERREIRA
Dá-me a tua mão.
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua mão, companheira,
até ao Abismo da Ternura Derradeira.
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua mão, companheira,
até ao Abismo da Ternura Derradeira.
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Salvo erro - PEDRO MEXIA
Uma evocação pontuada por um
«salvo erro»,
função correctiva da linguagem,
desculpabilizadora,
mas tudo o que lembramos
é «salvo erro»
porque recordar já é quase
um erro uma vez
que nada, nem em filme,
acontece de novo
e só sabendo isso dos erros
nos podem salvar.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
«salvo erro»,
função correctiva da linguagem,
desculpabilizadora,
mas tudo o que lembramos
é «salvo erro»
porque recordar já é quase
um erro uma vez
que nada, nem em filme,
acontece de novo
e só sabendo isso dos erros
nos podem salvar.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Noite - MARIA TERESA HORTA
De noite só quero vestido
e tecido dos teus dedos
e sobre os ombros a franja
do final dos cabelos
Sobre os seios quero a marca
do sinal dos teus dentes
e a vergasta dos teus lábios
a doer-me sobre o ventre
Nas pernas e no pescoço
quero a pressão mais ardente
e da saliva o chicote
da tua língua dormente
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
e tecido dos teus dedos
e sobre os ombros a franja
do final dos cabelos
Sobre os seios quero a marca
do sinal dos teus dentes
e a vergasta dos teus lábios
a doer-me sobre o ventre
Nas pernas e no pescoço
quero a pressão mais ardente
e da saliva o chicote
da tua língua dormente
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Breve sonata em sol[um] (menor, claro) - RUY BELO
A solidão da árvore sozinha
no campo do verão alentejano
é só mais solitária do que a minha
e teima ali na terra todo o ano
quando nem a chuva ou vento já lhe fazem companhia
e o calor é tão triste como o é somente a alegria
Eu passo e passo muito mais que o próprio dia
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
no campo do verão alentejano
é só mais solitária do que a minha
e teima ali na terra todo o ano
quando nem a chuva ou vento já lhe fazem companhia
e o calor é tão triste como o é somente a alegria
Eu passo e passo muito mais que o próprio dia
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Última estrela...* - ALBERTO CAEIRO
Última estrela a desaparecer antes do dia,
Pouso no teu trémulo azular branco os meus olhos calmos,
E vejo-te independentemente de mim,
Alegre pela vitória que tenho em poder ver-te
Sem «estado de alma» nenhum, salvo ver-te.
A tua beleza para mim está em existires.
A tua grandeza está em existires inteiramente fora de mim.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
Pouso no teu trémulo azular branco os meus olhos calmos,
E vejo-te independentemente de mim,
Alegre pela vitória que tenho em poder ver-te
Sem «estado de alma» nenhum, salvo ver-te.
A tua beleza para mim está em existires.
A tua grandeza está em existires inteiramente fora de mim.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
Torpor - MIGUEL TORGA
Voga,
À tona do mar,
A tarde calma.
Sem alma,
Um corpo
Alonga-se na areia...
O sol, cadente, enleia
A luz cansada
À placidez das ondas...
Musa, se eu te chamar,
Deixa o som perpassar,
Não me respondas!
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
À tona do mar,
A tarde calma.
Sem alma,
Um corpo
Alonga-se na areia...
O sol, cadente, enleia
A luz cansada
À placidez das ondas...
Musa, se eu te chamar,
Deixa o som perpassar,
Não me respondas!
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
domingo, 21 de outubro de 2012
Toante - MANUEL BANDEIRA
Molha em teu pranto de aurora as minhas mãos pálidas.
Molha-as. Assim eu as quero à boca,
Em espírito de humildade, como um cálice
De penitência em que a minhalma se faz boa...
Foi assim que Teresa de Jesus amou...
Molha em teu pranto de aurora as minhas mãos pálidas.
O espasmo é como um êxtase religioso...
E o teu amor tem o sabor das tuas lágrimas...
EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA
Molha-as. Assim eu as quero à boca,
Em espírito de humildade, como um cálice
De penitência em que a minhalma se faz boa...
Foi assim que Teresa de Jesus amou...
Molha em teu pranto de aurora as minhas mãos pálidas.
O espasmo é como um êxtase religioso...
E o teu amor tem o sabor das tuas lágrimas...
EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA
sábado, 20 de outubro de 2012
Marinha - VINICIUS DE MORAES
Na praia de coisas brancas
Abrem-se às ondas cativas
Conchas brancas, coxas brancas
Águas-vivas.
Ao mergulhares do bando
Afloram perspectivas
Redondas, se aglutinando
Volitivas.
E as ondas de pontas roxas
Vão e vêm, verdes e esquivas
Vagabundas, como frouxas
Entre vivas!
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
Abrem-se às ondas cativas
Conchas brancas, coxas brancas
Águas-vivas.
Ao mergulhares do bando
Afloram perspectivas
Redondas, se aglutinando
Volitivas.
E as ondas de pontas roxas
Vão e vêm, verdes e esquivas
Vagabundas, como frouxas
Entre vivas!
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
Conclusão - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Os impactos de amor não são poesia
(tentaram ser: aspiração nocturna).
A memória infantil e o outono pobre
vazam no verso da nossa urna diurna.
Que é poesia, o belo? Não é poesia,
e o que não é poesia não tem fala.
Nem o mistério em si nem velhos nomes
poesia são: coxa, furta, cabala.
Então, desanimamos. Adeus, tudo!
A mala pronta, o corpo desprendido,
resta a alegria de estar só, e mudo.
De que se formam nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado lhes responde,
se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
(tentaram ser: aspiração nocturna).
A memória infantil e o outono pobre
vazam no verso da nossa urna diurna.
Que é poesia, o belo? Não é poesia,
e o que não é poesia não tem fala.
Nem o mistério em si nem velhos nomes
poesia são: coxa, furta, cabala.
Então, desanimamos. Adeus, tudo!
A mala pronta, o corpo desprendido,
resta a alegria de estar só, e mudo.
De que se formam nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado lhes responde,
se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Explicação - CECÍLIA MEIRELES
O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.
Deus não fala comigo - e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce...
- espero a minha própria vinda.
(Navego pela memória
sem margens.
Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.
Deus não fala comigo - e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce...
- espero a minha própria vinda.
(Navego pela memória
sem margens.
Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Na rua - MANUEL LARANJEIRA
Ninguém por certo adivinha
como essa Desconhecida,
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha...
Minha sempre! - E em voz baixinha:
- «Tua ainda além da vida!...»
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.
Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco...
E o grande amor, afinal,
(Com que desprezo me lembro!)
foi morrendo pouco a pouco,
- como uma tarde de Setembro...
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
como essa Desconhecida,
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha...
Minha sempre! - E em voz baixinha:
- «Tua ainda além da vida!...»
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.
Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco...
E o grande amor, afinal,
(Com que desprezo me lembro!)
foi morrendo pouco a pouco,
- como uma tarde de Setembro...
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
terça-feira, 16 de outubro de 2012
Save - PEDRO MEXIA
Nada fica, a própria memória
é uma mitologia, tenho-me
como testemunha mas nada
garante que um dia não negue
tudo, então haverá este processo
verbal, museu portátil que com
um gesto, dizem, está salvo.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
é uma mitologia, tenho-me
como testemunha mas nada
garante que um dia não negue
tudo, então haverá este processo
verbal, museu portátil que com
um gesto, dizem, está salvo.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
Memória - MARIA TERESA HORTA
Retenho com os meus
dentes
a tua boca entreaberta
e as palmas das mãos
dormentes
resvalam brandas e certas
as tuas mãos no meu peito
a ao longo
das minhas pernas
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
dentes
a tua boca entreaberta
e as palmas das mãos
dormentes
resvalam brandas e certas
as tuas mãos no meu peito
a ao longo
das minhas pernas
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
domingo, 14 de outubro de 2012
Das coisas que competem aos poetas - RUY BELO
Nas terras onde os sinos andam pelas ruas
há horas surdas sós e sem cuidados
há mar condicionado ao possível verão
e vendem-se manhãs e mães por três ideias
Nas terras onde a música é o fogo de artifício
a camioneta curva a carga sob os plátanos
e à sombra dos lacrimejantes carros
o gato dorme a trepadeira sobe
o soba grita nunca ninguém sabe
a erva cresce e as crianças morrem
O mar aceita chão a mão do sol
Que plural deplorável o da magna agência mogno
E nas tílias há riscos dos vestidos do retintas raparigas
e o dente resistente número quarenta cheira a pepsodent
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
há horas surdas sós e sem cuidados
há mar condicionado ao possível verão
e vendem-se manhãs e mães por três ideias
Nas terras onde a música é o fogo de artifício
a camioneta curva a carga sob os plátanos
e à sombra dos lacrimejantes carros
o gato dorme a trepadeira sobe
o soba grita nunca ninguém sabe
a erva cresce e as crianças morrem
O mar aceita chão a mão do sol
Que plural deplorável o da magna agência mogno
E nas tílias há riscos dos vestidos do retintas raparigas
e o dente resistente número quarenta cheira a pepsodent
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 13 de outubro de 2012
Sempre que penso...* - ALBERTO CAEIRO
Sempre que penso uma cousa, traio-a.
Só tendo-a diante de mim devo pensar nela,
Não pensando, mas vendo,
Não com o pensamento, mas com os olhos.
Uma cousa que é visível existe para se ver,
E o que existe para os olhos não tem que existir para o pensamento;
Só existe directamente para os olhos e não para o pensamento.
Olho, e as cousas existem.
Penso e existo só eu.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
Só tendo-a diante de mim devo pensar nela,
Não pensando, mas vendo,
Não com o pensamento, mas com os olhos.
Uma cousa que é visível existe para se ver,
E o que existe para os olhos não tem que existir para o pensamento;
Só existe directamente para os olhos e não para o pensamento.
Olho, e as cousas existem.
Penso e existo só eu.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
Écloga - MIGUEL TORGA
Acaricio a relva
Dos teus cabelos...
É o bucolismo
Que me apetece:
Pousar a mão
Numa loira cabeça de criança,
E fruir esta tenra sensação
De bem-aventurança.
Paz sem remorsos, num vergel humano.
A verdura
E a frescura
Da inocência
Colhidas como os frutos, por um gesto.
E adiados, mudos de ternura,
Os versos de amargura
E de protesto.
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Dos teus cabelos...
É o bucolismo
Que me apetece:
Pousar a mão
Numa loira cabeça de criança,
E fruir esta tenra sensação
De bem-aventurança.
Paz sem remorsos, num vergel humano.
A verdura
E a frescura
Da inocência
Colhidas como os frutos, por um gesto.
E adiados, mudos de ternura,
Os versos de amargura
E de protesto.
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Hiato - MANUEL BANDEIRA
És na minha vida como um luminoso
Poema que se lê comovidamente
Entre sorrisos e lágrimas de gozo...
A cada imagem, outra alma, outro ente
Parece entrar em nós e manso enlaçar
A velha alma arruinada e doente...
- Um poema luminoso como o mar,
Aberto em sorrisos de espuma, onde as velas
Fogem como garças longínquas no ar...
EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA
Poema que se lê comovidamente
Entre sorrisos e lágrimas de gozo...
A cada imagem, outra alma, outro ente
Parece entrar em nós e manso enlaçar
A velha alma arruinada e doente...
- Um poema luminoso como o mar,
Aberto em sorrisos de espuma, onde as velas
Fogem como garças longínquas no ar...
EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Soneto da fidelidade - VINICIUS DE MORAES
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
O seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
O seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Brinde no banquete das musas - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Poesia, marulho e náusea,
poesia, canção suicida,
poesia, que recomeças
de outro mundo, noutra vida.
Deixaste-nos mais famintos,
poesia, comida estranha,
se nenhum pão te equivale:
a mosca deglute a aranha.
Poesia, sobre os princípios
e os vagos dons do universo:
em teu regaço incestuoso,
o belo câncer do verso.
Azul, em chama, o telúrio
reintrega a essência do poeta,
e o que é perdido se salva
poesia, morte secreta.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
poesia, canção suicida,
poesia, que recomeças
de outro mundo, noutra vida.
Deixaste-nos mais famintos,
poesia, comida estranha,
se nenhum pão te equivale:
a mosca deglute a aranha.
Poesia, sobre os princípios
e os vagos dons do universo:
em teu regaço incestuoso,
o belo câncer do verso.
Azul, em chama, o telúrio
reintrega a essência do poeta,
e o que é perdido se salva
poesia, morte secreta.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
Encomenda - CECÍLIA MEIRELES
Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.
Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.
Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.
Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.
Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
domingo, 7 de outubro de 2012
Eu ontem vi-te..* - ÂNGELO DE LIMA
Eu ontem vi-te...
Andava a luz
Do teu olhar,
Que me seduz
A divagar
Em torno a mim.
E então pedi-te,
Não que me olhasses,
Mas que afastasses,
Um poucochinho,
Do meu caminho,
Um tal fulgor
De medo, amor,
Que me cegasse,
Me deslumbrasse
Fulgor assim.
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
Andava a luz
Do teu olhar,
Que me seduz
A divagar
Em torno a mim.
E então pedi-te,
Não que me olhasses,
Mas que afastasses,
Um poucochinho,
Do meu caminho,
Um tal fulgor
De medo, amor,
Que me cegasse,
Me deslumbrasse
Fulgor assim.
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
sábado, 6 de outubro de 2012
Marco - PEDRO MEXIA
Na rua escondida
o marco do correio
há muitos anos recebe
as escassas cartas
que mudam a vida.
Há muito que está
fora de serviço
mas a companhia
não informou ninguém.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
o marco do correio
há muitos anos recebe
as escassas cartas
que mudam a vida.
Há muito que está
fora de serviço
mas a companhia
não informou ninguém.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
Intervalo - MARIA TERESA HORTA
no silêncio que guardo
quando partes
que escondo sob
os dedos
que se prende
que me deixa no corpo
este calor
da falta do teu corpo como sempre
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
quando partes
que escondo sob
os dedos
que se prende
que me deixa no corpo
este calor
da falta do teu corpo como sempre
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Na praia - RUY BELO
Raça de marinheiros que outra coisa vos chamar
senhoras que com tanta dignidade
à hora que o calor mais apertar
coroadas de graça e majestade
entrais pela água dentro e fazeis chichi no mar?
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
senhoras que com tanta dignidade
à hora que o calor mais apertar
coroadas de graça e majestade
entrais pela água dentro e fazeis chichi no mar?
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Medo da morte? - ALBERTO CAEIRO
Medo da morte?
Acordarei de outra maneira,
Talvez corpo, talvez continuidade, talvez renovado,
Mas acordarei.
Se até os átomos não dormem, por que hei-de ser eu a dormir?
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
Acordarei de outra maneira,
Talvez corpo, talvez continuidade, talvez renovado,
Mas acordarei.
Se até os átomos não dormem, por que hei-de ser eu a dormir?
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Comunicado - MIGUEL TORGA
Na frente ocidental nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
Folhas caídas - MARIA JOSÉ LACERDA
tronco despido de folhas
folhas soltas e perdidas
sem saberem de seu dono
folhas caídas no Outono
folhas feitas de tristezas
de vividas incertezas
de esperanças já esquecidas
pelo Outono sentidas
folhas que cobrem o corpo
folhas que abrigam em conforto
folhas disfarçando o desgosto
folhas que cobrem o rosto
folhas vinde dar guarida
aconchegar minha vida
dar alento ao meu sentir
vinde fazer-me sorrir
porque me sinto perdida
EM - DANÇA DE PALAVRAS - MARIA JOSÉ LACERDA - TEMAS ORIGINAIS
folhas soltas e perdidas
sem saberem de seu dono
folhas caídas no Outono
folhas feitas de tristezas
de vividas incertezas
de esperanças já esquecidas
pelo Outono sentidas
folhas que cobrem o corpo
folhas que abrigam em conforto
folhas disfarçando o desgosto
folhas que cobrem o rosto
folhas vinde dar guarida
aconchegar minha vida
dar alento ao meu sentir
vinde fazer-me sorrir
porque me sinto perdida
EM - DANÇA DE PALAVRAS - MARIA JOSÉ LACERDA - TEMAS ORIGINAIS
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