terça-feira, 30 de novembro de 2010
Certa voz na noite, ruivamente - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
Esquivo sortilégioo dessa voz, opiada
Em sons cor de amaranto, às noites de incerteza.
Que eu lembro não sei de Onde - a voz duma Princesa
Bailando meia nua entre clarões de espada.
Leonina, ela arremessa a carne arroxeada;
E bêbeda de Si, arfante de Beleza.
Acera os seios nus, descobre o sexo... Reza
O espasmo que a estrebucha em Alma copulada...
Entanto nunca a vi mesmo em visão. Somente
A sua voz a fulcra ao meu lembrar-me. Assim
Não lhe desejo a carne - a carne inexistente...
É só de voz-em-cio a bailadeira astral -
E nessa voz-Estátua, ah! nessa voz-total,
É que eu sonho esvair-me em vícios de marfim...
in... Poesias - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO - Verbo
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
O outro lado do olhar - LUIS FERREIRA
As minhas palavras,
não têm porto,
Nem caminho...
São minhas... tuas no destino,
São conchas na praia deserta
Que brincam e riem
Pintando em traços e rabiscos
O olhar do poeta.
Alimentam-se da minha alma
Vagueiam em meus sonhos
E partem...
Rasgando os céus como pássaros
Nas asas que eu liberto
Partem sem rumo certo...
Para que o teu olhar as acolha.
As minhas palavras,
Transportam sorrisos e sentimentos,
São pedaços de momentos
De um tempo sem rosto
Escritas numa folha despida
Com quem fazem amor.
Sacio a minha sede,
Quando as escrevo e nelas navego
Libertando o que há em mim,
Mas esta é a minha visão,
Pois as minhas palavras afinal são...
Aquilo que os outros lerem.
in... Rosas & Espinhos - LUIS FERREIRA - Temas Originais
domingo, 28 de novembro de 2010
O horror e o mistério de haver ser* - ÁLVARO DE CAMPOS**
O horror e o mistério de haver ser,
Ser vida, ladearem-me outras vidas,
Haver casas e coisas em meu torno -
A mesa a que me encosto, a luz do sol
No livro em que não leio por alheio -
São fantasmas de haver... são ser absurdo
São o mistério inteiro cada coisa.
Haver passado, com gente nele, e outros
Presentes, e o futuro imaginado -
Tudo me pesa com o mistério dele,
E me apavora.
O que em mim vê tudo isto é o próprio isto!
in... Poesia - ÁLVARO DE CAMPOS - Assírio & Alvim
* Este poema não é titulado. Usei o 1º verso como titulo por questões logísticas.
**Álvaro de Campos é um dos heterónimos de Fernando Pessoa
sábado, 27 de novembro de 2010
Lixeiras - CARLOS TEIXEIRA LUIS
Éden das lixeiras.
Com jazz de hipermercado.
Ritos abusados. O que quer que seja.
Homens com ventres salientes.
Mulheres com muita gordura nas ancas.
Com seios desmaiados e sorrisos de mar revolto.
A praia. Suja de lixo eterno.
Praia. Lá fora.
Um país manchado pelos despejos do colectivo.
Colectivo egoísta.
Cães procuram sabe-se lá o quê.
Cheiros diversos confundidos.
Terra de sujos jardins cimentados.
Mau gosto, arte do lixo.
Quem anda a pé no jardim?
Uma favela de dez milhões.
in... Histórias do deserto - CARLOS TEIXEIRA LUIS - Temas Originais
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Paixão - LUIS MIGUEL NAVA
Ficávamos no quarto até anoitecer, ao conseguirmos
situar num mesmo poema o coração e a pele quase podíamos
erguer entre eles uma parede e abrir
depois caminho à água.
Quem pelo seu sorriso então se aventurasse achar-se-ia
de súbito em profundas minas, a memória
das suas mais longínquas galerias
extrai aquilo de que é feito o coração.
Ficávamos no quarto, onde por vezes
o mar vinha irromper. É sem dúvida em dias de maior
paixão que pelo coração se chega à pele.
Não há então entre eles nenhum desnível.
in... Poemas de amor - ANTOLOGIA - Dom Quixote
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
A ave do paraíso - TIAGO PATRÍCIO
O livro das aves, dos peixes e das pedras
tem uma pena a marcar a página do infinito
que um mestre desenhou na mão sob a sombra
A chegada desta ave é o presságio
de um paraíso paraíso
e o reencontro dos rios à nascente
Pode dormeditar sobre a direcção da terra
ou reaparecer árvore e templo sem corpo
inventariar os nomes dos deuses
e antecipar o final da descendência
in... O livro das aves - TIAGO PATRÍCIO - QUASI
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Literatura - TOMAZ KIM
Lábil, embora, avulsa e adensa
O mais que pressinto:
Eis, portanto, o limiar que transpõe
A dádiva consentida
E três vezes negada (como convém)
Na ausência do canto do galo
Pela madrugada.
Vêm depois os dias:
O horário a cumprir, a torpeza, a mesura;
O pão nosso, ganhado à sorte:
Que a sorte é de quem a diz negar
E sábio a tece.
Não importa o que se esquece:
Fingida estratégia imposta
A peregrinação pelos cafés:
O sim e o não e o resto,
E tudo mais
E mais
Que a glória proclama.
in... Obra poética - TOMAZ KIM - INCM
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Um tempo - LUIS FERREIRA
Hoje...
Ninguém ouse dizer-me palavras,
Nem escrever o meu nome,
Encontro-me naquele espaço
Debruçado sobre a lua
Nos intervalos da sua face
Entre silêncios adormecidos.
Hoje...
Sonhos iludidos vestiram o meu dorso
No coalhar das cores, que velejaram comigo
Abrindo clareiras nos mares
Na sede de liberdade em traços de destino
Formas voluptuosas de um corpo de mulher
Onde recebi abraços e carinhos.
Hoje...
Estou, onde ousei estar
Suspenso nas estrelas entre afagos e caminhos
Soprando ventos nos búzios escondidos
Afirmo todas as vontades...
Nos desejos imaginados,
Na aurora de um amanhecer.
in... Rosas & Espinhos - LUIS FERREIRA - Temas Originais
COMO ADQUIRIR O LIVRO: AQUI
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Dedicatória - LILI LARANJO
Mulher...
Pequena
Franzina
Aspecto frágil de menina
Num corpo de mulher...
Mulher segura
Corajosa,
Forte,
Perseverante,
Valente...
Amiga de toda a gente...
Na boca a palavra certa...
No momento certo,
P'ro amigo carente
E doente...
Atrevida,
Irrequieta,
Criativa,
Que imagina sem fim
E a tudo diz sim...
in... O Sporting em poesia - LILI LARANJO - Fronteira do caos
domingo, 21 de novembro de 2010
Eu me confesso - LUIS FERREIRA
Coso os meus lábios,
Com fino fio de mel dos teus cabelos
Guardando assim no silêncio...
O segredo,
Do sabor dos nossos beijos.
Deixo-me levar nas pétalas da rosa,
Que deslizam na tua face
Invadindo o nosso ninho...
Onde crescem as raízes do tempo
De um amor que se sente
Forjado em alianças de ouro.
A música do teu sorriso...
É o vício, que me alimenta
Nos delírios doces que me arrepiam
Entre os suspiros da noite vivida
Acordando na alvorada do teu olhar.
Os nossos corpos ondulam...
Num pulsar escaldante,
Que acendem as estrelas do céu,
No tecto que a noite acolhe...
E me fazes acreditar
Nesse amor eterno.
Amo... grito num sopro ao vento
Os meus olhos, um brilho sereno
Da felicidade plena que há em mim,
Amo... meu amor, assim saberás
O valor deste amor que por ti é cego
Na loucura do sentimento que me invade.
Flor doce que afoga a minha sede,
Sem ti, nunca existirá NADA
Por isso CANTO, DECLAMO... GRITO ao mundo
Utilizo sem fim o verbo AMAR,
Só a ti pertenço...
Assim o digo,
Assim me confesso.
in... Rosas & espinhos - LUIS FERREIRA - Temas Originais
sábado, 20 de novembro de 2010
Fala da amada* - PAULA TAVARES
Fala da amada
Fecho agora as portas de sombra
Que me dividiram a vida
Com a ponta do fio
Dou-me à luz de coração limpo
E agora aberto
Eu te me entrego
Minha vida meu corpo
Minha fala e meu lugar.
Fala do amado
Guardião do silêncio
Guardei a pérola
Para te dizer
Noites de nardos coração mais puro
Agora e todos os dias
Do meu amor
Para receber na minha mão a tua mão
in... Como veias finas na terra - PAULA TAVARES - Caminho
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Fica comigo - LUIS FERREIRA
Quando alguém parte,
Um olhar vazio acende-se,
Uma luz apaga-se, tornando as noites vazias...
Corpos se separam...
Mãos que já não se agarram, em distâncias cruéis...
Com lágrimas que correm em rostos,
Num lento morrer todos os dias.
Chamas que viram cinzas, em fogueiras de outrora,
Acesas com labaredas vivas.
Sentimentos esquecidos, lembranças dum passado recente,
Gestos de mãos vazias, uma dor que se sente no peito...
Sorrisos fechados, perdidos... olhando para o infinito,
Chega sempre o momento em que é preciso dizer adeus...
Aquele em que o tempo chega depressa demais...
Surgem feridas que tentamos cicatrizar...
Palavras que voam ao vento... e que querem dizer apenas
Não partas, nunca mais...
in... Mar de sonhos - LUIS FERREIRA - Corpos
ATENÇÃO
Obra e autor serão apresentados pelo Escritor e Jornalista, Alfredo Vieira.
Apareçam, a entrada é livre.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Árvore seca - CARLOS TEIXEIRA LUIS
Sou uma árvore seca.
Seca de poeira e sol.
Ardente de pedra.
Sou uma árvore seca
Jazendo no caminho dos
caminhantes.
Onde a minha sombra arde.
Aqueço-me
Com o respirar dos cactos
Castanhos,
Com o olho atroz
Do lagarto fugitivo.
Cobra do sonho de gelo,
Vinde à toca curvilínea
Alimentai-vos por meses.
Debaixo da árvore seca.
Seco é o sol
Dos passos de quem aqui morre.
in... Histórias do deserto - CARLOS TEIXEIRA LUIS - Atelier
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Leviana - DIOGO GODINHO
Vem,
Senta-te à minha beira,
Pactuemos por esta noite inteira
A chama ávida de nossos olhares
Fica,
Juntemos nossos corpos inocentes
Como as vimes sedas decadentes
E a lúria fresca das nossas leviandades
Parte,
No âmago desta oração
Sagrado momento de saudação
Aurora sublime dos nossos anseios
in... Opala sobre nós - DIOGO GODINHO - Temas Originais
terça-feira, 16 de novembro de 2010
desperta* - XAVIER ZARCO
desperta
o gesto
desprende
as palavras
a música
das sílabas
por onde aves
simulam
a queda
o silêncio
in... O livro do murmúrios - XAVIER ZARCO - Palimage
* Os poemas deste livro não são titulados. Usei o 1º verso como titulo por questões logísticas.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
DALI - LITA LISBOA
Amo tua pintura.
Obra feita genial,
Fruto da tua loucura.
De lírios brancos
E polémicas negras te vestias.
Egocêntrico, excêntrico
Coroado de fantasias,
Pintavas sonhos,
Em busca da "Quarta Dimensão"
Numa "Alucinação Parcial",
Que para mim era total...
Do teu Surreal, só Gala era real.
Não era disfarce, era obsessão,
Pelo "Espectro do Sex-Appeal",
Êxito dos teus delírios
De "O Cavaleiro da Morte"
Que te levou à "Galáxia das Esferas",
Onde Gala sempre te esperava
Na "Estação de Perpignan".
Só mesmo Deus na "Crucificação",
Perdoou tuas loucuras,
Porque admirou tua Arte,
E muitas outras pinturas!
in... Fragmentos de mim - LITA LISBOA - Temas Originais
domingo, 14 de novembro de 2010
Hás-de ser velho* - FRANCISCO JOSÉ VIEGAS
Hás-de ser velho e nessa altura talvez não sofras
das dores de hoje; os males de amor cura-os o tempo,
a maledicência, os passeios pelos bosques a meio
da manhã. Aprende-se devagar a dominar
a tristeza. Nem lhe dás esse nome, quando excede
os teus dias e os transforma em tempestades.
Hás-de ser velho de todas as vezes que o tempo
te arrasta às fontes onde procuras o silêncio.
A margem dos lagos, por exemplo, é outra coisa
triste, a água assemelha-se a um deserto, pequenas
ondas iludem o seu torpor. Sentas-te num muro
sobre a praia, hás-de ser velho um dia, é o que pensas.
Hás-de ter a tua idade, o teu nome e a tua casa,
hás-de esquecer esse dia, silencioso, entre os dedos.
in... O puro e o impuro - FRANCISCO JOSÉ VIEGAS - Quasi
* Este poema não é titulado. Usei parte do 1º verso como titulo por questões logísticas
sábado, 13 de novembro de 2010
Teus olhos - FLORBELA ESPANCA
Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.
Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d'Além-Mundos ignorados!
Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas...
Enigmáticas campas medievais...
Jardins de Espanha... catedrais eternas...
Berço vindo do Céu à minha porta...
Ó meu leito de núpcias irreais!...
Meu sumptuoso túmulo de morta!...
in... Sonetos - FLORBELA ESPANCA - Bertrand
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sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Por vezes - NUNO GUIMARÃES
por vezes eu também choro
dá-me na alma a revolta
de não estar sempre a teu lado
por vezes eu também tremo
sinto frio, dor e medo
de me encontrar no abismo
e só ser este o meu fado
no auge do sofrimento
transformo isto num sonho!
viajo célere no tempo
exorcizo o teu passado
ludribrio o teu presente
com futuro antecipado...
in... Rio que corre indiferente - NUNO GUIMARÃES - Temas Originais
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AVISO
Obra e autor serão apresentados pelo poeta Xavier Zarco
E AINDA
Obra e autora serão apresentados por Maria João Cantinho
A entrada é livre, apareça!
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Não sai de mim afinal* - PEDRO TAMEN
Não sai de mim afinal
outra coisa além do jeito
com que modelo e aceito
o que resulta do sal
com que tempero a natura
que em minha mão se aceitou.
Ela me faz o que sou
e ao fazer-me a faço impura.
Deste bico do sapato
bebo eu a vida inteira:
aqui fechado reato
caminhos de que ribeira,
montes e flores onde exacto
encontro a minha maneira.
in... O livro do sapateiro - PEDRO TAMEN - Dom Quixote
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* Os poemas deste livro não são titulados. Usei o 1º verso como titulo por questões logísticas.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Consulta - ANTERO DE QUENTAL
Chamei em volta do meu frio leito
As memórias melhores de outra idade,
Formas vagas, que às noites, com piedade,
Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito...
E disse-lhes: - No mundo imenso e estreito
Valia a pena, acaso, em ansiedade
Ter nascido? dizei-mo com verdade,
Pobres memórias que eu ao seio estreito...
Mas elas perturbaram-se - coitadas!
E empalideceram, contristadas
Ainda a mais feliz, a mais serena...
E cada uma delas, lentamente
Com um sorriso mórbido, pungente,
Me respondeu: - Não, não valia a pena!
in... Sonetos - ANTERO DE QUENTAL - Ulmeiro
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terça-feira, 9 de novembro de 2010
Almas - INÊS LOURENÇO
Sempre admirei dos bichos
a magnífica destreza. Mesmo sem
alma, filosofia ou pátria,
defendem os limites
da pele e dos ameaçados territórios
onde se ocultam, no auge vital dos parcos anos.
Sempre admirei o desinteresse
soberano com que as fêmeas assistem
às competições masculinas e como
se mantêm independentes
e mestras na arte da caça
e sustento das crias, sem pensão
de alimentos ou outras demandas.
A sua maior tragédia
é serem tantas vezes criados
para serviço e digestão de bípedes
com alma. pátria e filosofia.
in... Coisas que nunca - INÊS LOURENÇO - &etc
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segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Viver? Para quê, viver? - HENRIQUE PEDRO
Viver?
Para quê, viver?
Para descobrir o Amor
E aprender a amar
Para descobrir a Verdade
E aprender a não mentir
Viver
Para afeiçoar o espírito
À glória do Universo
Não para submeter o Cosmos
À medida do nosso corpo
Ninguém vive por viver
Ou vive para morrer
Se assim não fosse
A morte seria fútil
E a vida um sopro
Inútil
in... Angústia, Razão e Nada - HENRIQUE PEDRO - Temas Originais
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domingo, 7 de novembro de 2010
Ah, como outrora...* - ÁLVARO DE CAMPOS**
Ah, como outrora era outra a que eu não tinha!
Como amei quando amei! Ah, como eu ria.
Como com olhos de quem nunca via
Tinha o trono onde ter uma rainha.
Sob os pés seus a vida me espezinha
Reclinas-te tão bem! A tarde esfria...
Ó mar sem cais nem lodo ou maresia,
Que tens comigo, cuja alma é a minha?
Sob uma umbrela de chá em baixo estamos
E é subita a lembrança opositória
Da velha quinta e do espalmar dos ramos
Sob os quais a merenda... Oh amor, oh glória!
Fechem-me os olhos para toda a história!
Como sapos saltamos e erramos...
in... Poesia - ÁLVARO DE CAMPOS - Assírio & Alvim
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* Este poema não é titulado. Usei parte do 1º verso como titulo por questões logísticas.
** Álvaro de Campos é um dos heterónimos de Fernando Pessoa
sábado, 6 de novembro de 2010
Pétalas - ONDJAKI
aprecio muito a redondez do mundo,
flores e pétalas
apontadas numa direcção amarela
verdades doces como mangas
(gosto de mangas com fio - dão sorrisos amarelos).
um dia veio o vento e as pétalas esvoaçaram.
ficou triste a flor
ficaram livres as pétalas.
in... Materiais para construção de um espanador de tristezas - ONDJAKI - Caminho
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sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Porto - FERNANDO MORAIS
Aqui o silvo do comboio velho
ali o prédio acocorado à tarde
ouvem-se passos no lume do poente
é a mulher de xaile que vem de balde
ouvem-se vozes junto ao rio cinza
que o nevoeiro deixa tremeluzir a luz
mais outros passos esgueiram-se no leve
rodopiar das folhas... soma e segue...
o surdo mundo, pouco a pouco fala
nos rumores do voo de andorinhas
são as minhas mãos frias que apetece
meter nas ruas para alcançar o tempo
mas o tempo não passa como acontece ao dia
somos nós que passamos pelo tempo
e o Porto ajeita-se e estica as pernas
enquanto o sotaque, lindo, permanece.
in... Ao povo do mundo - FERNANDO MORAIS - Temas Originais
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010
As perguntas - FRANCISCO JOSÉ VIEGAS
Não tem rosto, o Deus dos perplexos. Nem voz.
Nem arrependimento. Nem a alegria dos alegres
ou o medo da escuridão. Não posso dizer-vos como
se encontram os seus caminhos, se o melro poisa
nas hortas junto do rio, ao adivinhar a tempestade.
Deus predador, o nosso, prudente, interdito,
que desagrada ao canto mais simples. As nossas
pegadas ficam no deserto, aguardam a passagem
como um fantasma que se desprende da chuva.
Esta luz é incerta, balança sobre as varandas, ameaça
os dias, converte ou desarma todas as palavras certas,
todos os olhos abertos. Não tem rosto, o Deus dos
perplexos, não caminha nos precipícios, não arde
como a urze fitando o céu, não o comove a morte.
in... O puro e o impuro - FRANCISCO JOSÉ VIEGAS - Quasi
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Queria criar uma janela* - CARLOS FERREIRA
Queria criar uma janela
Uma fresta que fosse grande o suficiente
Para deixar o vento entrar
Uma janela que nunca fechasse
Não tivesse cortinados nem persianas nem vidros
O vento entraria livre
Como uma canção de Agosto
Queria criar essa janela
E o vento partilhar.
in... Reflexos do corpo e da alma - CARLOS FERREIRA - Temas Originais
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terça-feira, 2 de novembro de 2010
O Canto do Corpo - RODRIGO CAMELO
Os meus olhos filtram a realidade
E o que de real em mim vê,
Conduz a luz do entendimento.
Aqui estamos sós de verdade,
Eu e tu - meu pensamento.
E penso nesse outro sol de um Blues
Onde arde, provavelmente meu sentimento
Em sua própria diversidade...
Antigos ou novos. Destila uma canção emocionada
Ou vejo isto, ou reina ingenuidade!
O mundo não te completa
Mas também não concluo o mundo
Nem sou acaso de complemento.
Mais que a dor, vejo a alegria selecta;
Que destrói o arco de onde brota o sofrimento.
Quero embriagar-me em London,
Preservar-me em Whitman,
Dentro da alma de um canto de mim
O mesmo que vive no corpo que sobra
E sóbrio no ventre que mira o fim.
in... Máquinas sem rosto - RODRIGO CAMELO - DG Edições
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
PALHAÇO - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA
Eu sou aquele
Que brinca, canta e toca...
Que dá e leva estalada,
P'ra fazer rir a pequenada...
Eu sou aquele
Que faz de pobre e de rico...
Que pula, ri e salta,
Para animar toda a malta...
Eu sou aquele
Que se preciso for,
Não só dá cambalhota,
Como até anda de mota...
Eu sou aquele
Que faz todo o mundo feliz,
Que faz rir a criançada,
Com a sua palhaçada...
Eu sou o tal fugaço...
O brincalhão palhaço!...
in... Trago-te um sonho nas mãos - ANTOLOGIA - Temas Originais
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