Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.
Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
Essa mulher é um mundo! - uma cadela
Talvez... - mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
domingo, 30 de setembro de 2012
sábado, 29 de setembro de 2012
Rapto - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Se uma águia fende os ares e arrebata
esse que é forma pura e que é suspiro
de terrenas delícias combinadas,
e se essa forma pura, degradando-se,
mais perfeita se eleva, pois atinge
a tortura do embate, no arremate
de uma exaustão suavíssima, tributo
com que se paga o voo mais cortante;
se, por amor de uma ave, ei-la recusa
o pasto natural aberto aos homens,
e pela via hermética e defesa
vai demandando o cândido alimento
que a alma faminta implora até ao extremo;
se esses raptos terríveis se repetem
já nos campos e já pelas nocturnas
portas de pérola dúbia das boates;
e se há no beijo estéril um soluço
esquivo e refolhado, cinza em núpcias,
e tudo é triste sob o céu flamante
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia),
baixemos nossos olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
esse que é forma pura e que é suspiro
de terrenas delícias combinadas,
e se essa forma pura, degradando-se,
mais perfeita se eleva, pois atinge
a tortura do embate, no arremate
de uma exaustão suavíssima, tributo
com que se paga o voo mais cortante;
se, por amor de uma ave, ei-la recusa
o pasto natural aberto aos homens,
e pela via hermética e defesa
vai demandando o cândido alimento
que a alma faminta implora até ao extremo;
se esses raptos terríveis se repetem
já nos campos e já pelas nocturnas
portas de pérola dúbia das boates;
e se há no beijo estéril um soluço
esquivo e refolhado, cinza em núpcias,
e tudo é triste sob o céu flamante
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia),
baixemos nossos olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
Para uma cigarra - CECÍLIA MEIRELES
Cigarra de ouro, fogo que arde,
queimando, na imensa tarde,
meu nome, sussurrante flor.
(Estudei amor.)
Cigarra de ouro, por que me chamas,
se, quando eu for,
bem sei que foges por entre as ramas?
(Estudei amor.)
Cigarra de ouro, eu nem levanto
meus olhos pata teu canto.
(Estudei amor.)
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
queimando, na imensa tarde,
meu nome, sussurrante flor.
(Estudei amor.)
Cigarra de ouro, por que me chamas,
se, quando eu for,
bem sei que foges por entre as ramas?
(Estudei amor.)
Cigarra de ouro, eu nem levanto
meus olhos pata teu canto.
(Estudei amor.)
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
Floriram por engano...* - CAMILO PESSANHA
Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? teus olhos, que num momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!
E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...
Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze - quanto flor! - do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? teus olhos, que num momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!
E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...
Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze - quanto flor! - do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
Os dez mil - PEDRO MEXIA
Os dez mil de Xenofonte,
em retirada, procuravam
o mar. Mas, na retirada,
existe mar? Talvez um batedor,
um porta-estandarte, grite que o vê,
azul e inequívoco, ao fundo.
Talvez depois de uma derrota
dez mil homens presos entre
canções tristes e poemas épicos
regressem a casa, e digam
que é o mar. mas não é o mar.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
em retirada, procuravam
o mar. Mas, na retirada,
existe mar? Talvez um batedor,
um porta-estandarte, grite que o vê,
azul e inequívoco, ao fundo.
Talvez depois de uma derrota
dez mil homens presos entre
canções tristes e poemas épicos
regressem a casa, e digam
que é o mar. mas não é o mar.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
terça-feira, 25 de setembro de 2012
Lã - MARIA TERESA HORTA
A única diferença
que une a tarde à manhã
é das tuas mãos espessas
a memória
o rasto
a lã
não a lã da camisola
que usas rasando o peito
mas aquela das palavras
que deixas cair a meio
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
que une a tarde à manhã
é das tuas mãos espessas
a memória
o rasto
a lã
não a lã da camisola
que usas rasando o peito
mas aquela das palavras
que deixas cair a meio
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
O valor do vento - RUY BELO
Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 23 de setembro de 2012
Todas as teorias...* - ALBERTO CAEIRO
Todas as teorias, todos os poemas
Duram mais que esta flor,
Mas isso é como o nevoeiro, que é desagradável e húmido,
E mais que esta flor...
O tamanho ou duração não têm importância nenhuma...
São apenas tamanho e duração...
O que importa é aquilo que dura e tem dimensão
(Se verdadeira dimensão é a realidade)...
Ser real é a cousa mais nobre do mundo.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
Duram mais que esta flor,
Mas isso é como o nevoeiro, que é desagradável e húmido,
E mais que esta flor...
O tamanho ou duração não têm importância nenhuma...
São apenas tamanho e duração...
O que importa é aquilo que dura e tem dimensão
(Se verdadeira dimensão é a realidade)...
Ser real é a cousa mais nobre do mundo.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 22 de setembro de 2012
Alvorada - MIGUEL TORGA
Amanhece...
E amanhece o desespero...
Dura condenação
Da vida humana!
Angústias a oprimir o coração,
Seguidas como os dias da semana.
Mais vinte e quatro horas
De negrura,
Que o sol nem há-de ver, na sua pressa.
Em vez dum claro apelo,
Dum sonho mau, que apenas recomeça.
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
E amanhece o desespero...
Dura condenação
Da vida humana!
Angústias a oprimir o coração,
Seguidas como os dias da semana.
Mais vinte e quatro horas
De negrura,
Que o sol nem há-de ver, na sua pressa.
Em vez dum claro apelo,
Dum sonho mau, que apenas recomeça.
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
Debussy - MANUEL BANDEIRA
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
- Psio... -
Para cá, para lá...
Para cá e...
- O novelozinho caiu.
EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA
Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
- Psio... -
Para cá, para lá...
Para cá e...
- O novelozinho caiu.
EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
Soneto de contrição - VINICIUS DE MORAES
Eu te amo, Maria, te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
Quadrilha - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
terça-feira, 18 de setembro de 2012
Mar em redor - CECÍLIA MEIRELES
Meus ouvidos estão como as conchas sonoras:
música perdida no meu pensamento,
na espuma da vida, na areia das horas...
Esqueceste a sombra do vento.
Por isso, ficaste e partiste,
e há finos deltas de felicidade
abrindo os braços num oceano triste.
Soltei meus anéis nos aléns da saudade.
Entre algas e peixes vou flutuando a noite inteira.
Almas de todos os afogados
chamam para diversos lados
esta singular companheira.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
música perdida no meu pensamento,
na espuma da vida, na areia das horas...
Esqueceste a sombra do vento.
Por isso, ficaste e partiste,
e há finos deltas de felicidade
abrindo os braços num oceano triste.
Soltei meus anéis nos aléns da saudade.
Entre algas e peixes vou flutuando a noite inteira.
Almas de todos os afogados
chamam para diversos lados
esta singular companheira.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
O teu retrato - ANTÓNIO NOBRE
Deus fez a noite com o teu olhar,
Deus fez as ondas com os teus cabelos;
Com a tua coragem fez castelos
Que pôs, como defesa, à beira-mar.
Com um sorriso teu, fez o luar
(Que é sorriso de noite, ao viadante)
E eu que andava pelo mundo, errante,
Já não ando perdido em alto-mar!
Do céu de Portugal fez a tua alma!
E ao ver-te sempre assim, tão pura e calma,
Da minha Noite, eu fiz a Claridade!
Ó meu anjo de luz e de esperança,
Será em ti afinal que descansa
O triste fim da minha mocidade!
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
Deus fez as ondas com os teus cabelos;
Com a tua coragem fez castelos
Que pôs, como defesa, à beira-mar.
Com um sorriso teu, fez o luar
(Que é sorriso de noite, ao viadante)
E eu que andava pelo mundo, errante,
Já não ando perdido em alto-mar!
Do céu de Portugal fez a tua alma!
E ao ver-te sempre assim, tão pura e calma,
Da minha Noite, eu fiz a Claridade!
Ó meu anjo de luz e de esperança,
Será em ti afinal que descansa
O triste fim da minha mocidade!
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
domingo, 16 de setembro de 2012
Não é preciso - PEDRO MEXIA
Não é preciso que a realidade exista
para acreditarmos nela. Na verdade,
se não existir tudo é mais luminoso.
Mundo, evidência submissa e soberana.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
para acreditarmos nela. Na verdade,
se não existir tudo é mais luminoso.
Mundo, evidência submissa e soberana.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
sábado, 15 de setembro de 2012
O espaço - MARIA TERESA HORTA
O espaço que vai
das mãos
ao cimo dos meus joelhos
Das tuas mãos
aos meus lábios
Dos teus lábios
aos meus seios
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
das mãos
ao cimo dos meus joelhos
Das tuas mãos
aos meus lábios
Dos teus lábios
aos meus seios
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
Aos homens do cais - RUY BELO
Plantados como árvores no chão
ao alto ergueis os vossos troncos nus
e o fruto que produz a vossa mão
vem do trabalho e transparece luz
Nenhum passado vale o dia-a-dia
Sonho só o que vós me consentis
Verdade a que de vós só irradia
- Portugal não é pátria mas país
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
ao alto ergueis os vossos troncos nus
e o fruto que produz a vossa mão
vem do trabalho e transparece luz
Nenhum passado vale o dia-a-dia
Sonho só o que vós me consentis
Verdade a que de vós só irradia
- Portugal não é pátria mas país
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
Quando tornar...* - ALBERTO CAEIRO
Quando tornar a vir a primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a primavera nem sequer é uma coisa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a primavera nem sequer é uma coisa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
Escolta - MIGUEL TORGA
Viandante aterrado no caminho,
Canto a enganar o medo.
Parti cedo
Demais
À procura da vida;
E perdi-me nos densos matagais
Que cercam toda a infância interrompida.
Pus-me então a entoar este Bendito
De lágrimas sonoras,
Que arremesso a fantasmas invisíveis,
Disfarçados nas sombras que tacteio;
E chego a ter às vezes a ilusão
De que vou na divina protecção
Das notas de beleza que semeio.
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Canto a enganar o medo.
Parti cedo
Demais
À procura da vida;
E perdi-me nos densos matagais
Que cercam toda a infância interrompida.
Pus-me então a entoar este Bendito
De lágrimas sonoras,
Que arremesso a fantasmas invisíveis,
Disfarçados nas sombras que tacteio;
E chego a ter às vezes a ilusão
De que vou na divina protecção
Das notas de beleza que semeio.
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
terça-feira, 11 de setembro de 2012
Renúncia - MANUEL BANDEIRA
Chora de manso e no íntimo... Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.
Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura.
A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.
Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira...
EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.
Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura.
A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.
Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira...
EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Soneto à lua - VINICIUS DE MORAES
Por que tens, por que tens olhos escuros
E mãos lânguidas, loucas e sem fim
Quem és, que és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros?
Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?
Fugaz, com que direito tens-me presa
A alma que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:
E és tão pouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética, indefesa
Ó minha branca e pequenina lua!
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
E mãos lânguidas, loucas e sem fim
Quem és, que és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros?
Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?
Fugaz, com que direito tens-me presa
A alma que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:
E és tão pouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética, indefesa
Ó minha branca e pequenina lua!
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE
domingo, 9 de setembro de 2012
Lembrança do mundo antigo - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Clara passeava no jardim com as crianças.
O céu era verde sobre o gramado,
a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranquilo em redor de Clara.
As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temiam eram a gripe, o calor, os insectos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, pela manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
O céu era verde sobre o gramado,
a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranquilo em redor de Clara.
As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temiam eram a gripe, o calor, os insectos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, pela manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA
sábado, 8 de setembro de 2012
Epigrama nº 12 - CECÍLIA MEIRELES
A engrenagem trincou pobre e pequeno insecto.
E a hora certa bateu, grande e exacta, em seguida.
Mas o toque daquele alto e imenso relógio
dependia daquela exígua e obscura vida?
Ou percebeu sequer, enquanto o som vibrava,
que ela ficava ali, calada mas partida?
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
E a hora certa bateu, grande e exacta, em seguida.
Mas o toque daquele alto e imenso relógio
dependia daquela exígua e obscura vida?
Ou percebeu sequer, enquanto o som vibrava,
que ela ficava ali, calada mas partida?
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Nascemos para amar...* - MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE
Nascemos para amar; a humanidade
Vai tarde ou cedo aos laços da ternura:
Tu és doce atractivo, ó formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão n'alma se apura
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.
Qual se abismou nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre;
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
Vai tarde ou cedo aos laços da ternura:
Tu és doce atractivo, ó formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão n'alma se apura
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.
Qual se abismou nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre;
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.
EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
origem - PEDRO MEXIA
Por detrás do teatro de sombras
há um corpo, dentro dos fantoches
existem mãos, o falcão regressa
ao falcoeiro, os bonecreiros seguram
bonecos de madeira, as paredes brancas
alguém as caiou, as nuvens preexistem
ao desenho das nuvens, mas não podemos
retroceder tanto, basta-nos a história
em si mesma e não a sua origem.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
há um corpo, dentro dos fantoches
existem mãos, o falcão regressa
ao falcoeiro, os bonecreiros seguram
bonecos de madeira, as paredes brancas
alguém as caiou, as nuvens preexistem
ao desenho das nuvens, mas não podemos
retroceder tanto, basta-nos a história
em si mesma e não a sua origem.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Saliva - MARIA TERESA HORTA
Situando-te no meio
desta frase
que se equilibra morna
de saliva
distingo a cor do verão
entre este inverno
que é o teu sabor
na minha língua
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
desta frase
que se equilibra morna
de saliva
distingo a cor do verão
entre este inverno
que é o teu sabor
na minha língua
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
terça-feira, 4 de setembro de 2012
Gaivota I - RUY BELO
A tão difícil paz facilmente alcançada
a máxima inquietação ao fim e ao cabo queda
a serenidade em duas curtas asas resumida
em corpo tão pequeno a vida toda
a voz da ambição afinal muda
perfeitíssima obra onde tudo se equilibra
- que assim se cubra quanto tanto se celebra
e uma chave só tal mundo abra a ninguém lembra
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
a máxima inquietação ao fim e ao cabo queda
a serenidade em duas curtas asas resumida
em corpo tão pequeno a vida toda
a voz da ambição afinal muda
perfeitíssima obra onde tudo se equilibra
- que assim se cubra quanto tanto se celebra
e uma chave só tal mundo abra a ninguém lembra
EM - TODOS OS POEMAS II - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
XXXIII - ALBERTO CAEIRO
Pobres das flores nos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
E têm o mesmo sorriso antigo
Que tiveram à solta para o primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente
Para ver se elas falavam...
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
E têm o mesmo sorriso antigo
Que tiveram à solta para o primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente
Para ver se elas falavam...
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 2 de setembro de 2012
Medida - MIGUEL TORGA
Jogo contra o destino.
Cada minuto, cada desafio.
Livre neste baldio
Da liberdade humana,
Arrisco a consciência dos meus actos
Na roleta da sorte.
O triunfo e a derrota não me importam.
Nenhum triunfo vale o sol que o doira,
E nenhuma derrota o é na morte
Que temos certa.
Quero apenas fazer a descoberta
Do que posso e não posso
Sem poder nada.
Aprendo a conhecer o meu tamanho
Pela maneira como perco ou ganho.
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Cada minuto, cada desafio.
Livre neste baldio
Da liberdade humana,
Arrisco a consciência dos meus actos
Na roleta da sorte.
O triunfo e a derrota não me importam.
Nenhum triunfo vale o sol que o doira,
E nenhuma derrota o é na morte
Que temos certa.
Quero apenas fazer a descoberta
Do que posso e não posso
Sem poder nada.
Aprendo a conhecer o meu tamanho
Pela maneira como perco ou ganho.
EM - POESIA COMPLETA VOL. II - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
sábado, 1 de setembro de 2012
Mesma chama - MARIA JOSÉ LACERDA
Olho-te e quero o teu abraço,
e teu carinho no afago desejado,
o teu tudo,
meu amado.
Os teus olhos!
(sou apaixonada pelo teu olhar)
Sem palavras,
no doce contemplar,
dizem mais que qualquer falar.
Se dúvidas houvera,
noutro tempo,
neste exacto momento,
amo-te conscientemente,
no todo do meu presente.
Homem de mim,
que ao chegar,
ou ao partir,
sabes sempre,
como fazer-me sorrir.
Tu não tens idade,
dentro de ti vi,
descobri,
que tens o adolescente,
de sempre,
que me beija,
e,
ama,
com a mesma chama.
EM - DANÇA DE PALAVRAS - MARIA JOSÉ LACERDA - TEMAS ORIGINAIS
e teu carinho no afago desejado,
o teu tudo,
meu amado.
Os teus olhos!
(sou apaixonada pelo teu olhar)
Sem palavras,
no doce contemplar,
dizem mais que qualquer falar.
Se dúvidas houvera,
noutro tempo,
neste exacto momento,
amo-te conscientemente,
no todo do meu presente.
Homem de mim,
que ao chegar,
ou ao partir,
sabes sempre,
como fazer-me sorrir.
Tu não tens idade,
dentro de ti vi,
descobri,
que tens o adolescente,
de sempre,
que me beija,
e,
ama,
com a mesma chama.
EM - DANÇA DE PALAVRAS - MARIA JOSÉ LACERDA - TEMAS ORIGINAIS
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