Escrevo para ti
em pautas de amor
com a clave do (teu) Sol.
Sempre presente
entoando uma ode,
sob o rufar
baixinho do tambor
de trompete asfixiado pela surdina
como que a calar uma dor
assobiando por ocarina
chorado por violino
com a voz mais melodiosa
que consigo entoar em Bemol
para em conjunto
em crescendo tropo
avistarmos e gritarmos
olhai vida, com o nascer do Sol.
EM - NÓS, POETAS, EDITAMOS III - ANTOLOGIA - NÓS, POETAS, EDITAMOS
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
se quiseres...* - GISELA RAMOS ROSA
se quiseres ser meu amigo não enxugues as mãos
abre os gestos e olha o centro dos mistérios
que de ti podem chegar a mim
sê pássaro peito e bússola
juntos cercaremos os montes e as flores
sem nos ausentarmos dessa imagem matriz
constrói um arco leve, um eixo de pólen
que dará amplitude ao voo
então, sem que nada nos falte, poderemos
falar sobre o mundo que somos
EM - TRADUÇÃO DAS MANHÃS - GISELA RAMOS ROSA - LUA DE MARFIM
abre os gestos e olha o centro dos mistérios
que de ti podem chegar a mim
sê pássaro peito e bússola
juntos cercaremos os montes e as flores
sem nos ausentarmos dessa imagem matriz
constrói um arco leve, um eixo de pólen
que dará amplitude ao voo
então, sem que nada nos falte, poderemos
falar sobre o mundo que somos
EM - TRADUÇÃO DAS MANHÃS - GISELA RAMOS ROSA - LUA DE MARFIM
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Incerteza - LÍLIA TAVARES
LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELA AUTORA
Incertos estes ventos
que fustigam e levam os meus cabelos
como incerta
a minha certeza de existir.
Bússola, percorro-me
sem encontrar o triângulo do meu norte.
Quase noite
neste entardecer incerto.
Esta incerteza de crepúsculo
trazido no gemido das aves tardias,
incertas estas horas,
gotas de tempo perdidas
em que sei que não vivo.
Busco-te naufraga de mim,
rochedo mudo e desejado
na praia da minha manhã.
EM - PARTO COM OS VENTOS - LÍLIA TAVARES - KREAMUS
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
O beijo do orvalho - JOÃO CARLOS ESTEVES
a tua diferença
floresce no seio da unanimidade monótona
mostras-te sem temor, em tonalidade distinta
porque o orvalho
não escolhe as pétalas que beija
EM - INVENTEI-TE AS MANHÃS - JOÃO CARLOS ESTEVES - CHIADO EDITORA
floresce no seio da unanimidade monótona
mostras-te sem temor, em tonalidade distinta
porque o orvalho
não escolhe as pétalas que beija
EM - INVENTEI-TE AS MANHÃS - JOÃO CARLOS ESTEVES - CHIADO EDITORA
domingo, 27 de outubro de 2013
Quando o poeta muda de ramo - JOSÉ JORGE LETRIA
Há poucos retratos de Rimbaud.
Nos da adolescência assemelha-se a um anjo
extasiado com o timbre das palavras.
Nos do fim da vida tem o olhar
de um condenado que a febre e a dor
não queriam nem podiam poupar.
Entre um tempo e o outro
ficou, como uma cratera de som,
como uma calamidade, o vazio da poesia.
Não foi Rimbaud que abandonou a poesia,
nem foi esta que o abandonou a ele.
Limitaram-se a seguir os seus caminhos,
sem compromissos nem estéreis cumplicidades,
sem depósitos a prazo na conta do futuro:
cada um para seu lado, e foi tudo.
O tempo da poesia foi também
o tempo da aflição, da morte ameaçadora
em cada esquina do amor impossível.
Ao menos entre negreiros e contrabandistas
de álcool e de armas, de corpos e luas,
ninguém lhe perguntava o que estava a escrever
e o que achava da última crítica a um livro seu.
Deixando a poesia, foi como se tivesse
mudado de ramo. Fechou a loja dos versos
e pediu alvará urgente para o esquecimento.
EM - NÃO HÁ POETAS FELIZES - JOSÉ JORGE LETRIA - INDÍCIOS DE OIRO
Nos da adolescência assemelha-se a um anjo
extasiado com o timbre das palavras.
Nos do fim da vida tem o olhar
de um condenado que a febre e a dor
não queriam nem podiam poupar.
Entre um tempo e o outro
ficou, como uma cratera de som,
como uma calamidade, o vazio da poesia.
Não foi Rimbaud que abandonou a poesia,
nem foi esta que o abandonou a ele.
Limitaram-se a seguir os seus caminhos,
sem compromissos nem estéreis cumplicidades,
sem depósitos a prazo na conta do futuro:
cada um para seu lado, e foi tudo.
O tempo da poesia foi também
o tempo da aflição, da morte ameaçadora
em cada esquina do amor impossível.
Ao menos entre negreiros e contrabandistas
de álcool e de armas, de corpos e luas,
ninguém lhe perguntava o que estava a escrever
e o que achava da última crítica a um livro seu.
Deixando a poesia, foi como se tivesse
mudado de ramo. Fechou a loja dos versos
e pediu alvará urgente para o esquecimento.
EM - NÃO HÁ POETAS FELIZES - JOSÉ JORGE LETRIA - INDÍCIOS DE OIRO
sábado, 26 de outubro de 2013
A miséria - VIRGÍLIO CARNEIRO
Como me lembro dos teus olhos tristes.
Negros, tão negros, mais tristes parecem
Nesse teu rosto onde os raios fenecem
Envergonhados tão só porque existes!
Assim marcada p'la vida madrasta
E de cabelos grisalhos, sem brio...
oh! Dura sorte num mundo tão frio
Onde a vontade é gritar : homens, basta!
E quando estendes a mão cai a lágrima,
Gota de um rio perdida no vento
Da tempestade duma alma exânime.
Mas que justiça a dos homens, meu Deus,
Toda enredada em int'resses banais,
que apaga tantos olhos como os teus!
EM - SONETOS SEM CHAVE E OUTRAS MÁGOAS - VIRGÍLIO CARNEIRO - EDITORIAL NOVEMBRO
Negros, tão negros, mais tristes parecem
Nesse teu rosto onde os raios fenecem
Envergonhados tão só porque existes!
Assim marcada p'la vida madrasta
E de cabelos grisalhos, sem brio...
oh! Dura sorte num mundo tão frio
Onde a vontade é gritar : homens, basta!
E quando estendes a mão cai a lágrima,
Gota de um rio perdida no vento
Da tempestade duma alma exânime.
Mas que justiça a dos homens, meu Deus,
Toda enredada em int'resses banais,
que apaga tantos olhos como os teus!
EM - SONETOS SEM CHAVE E OUTRAS MÁGOAS - VIRGÍLIO CARNEIRO - EDITORIAL NOVEMBRO
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
XXIV - VIEIRA CALADO
Aquecemos à chama do Sol
a nossa condição é a de ir arrefecendo
dilatando a chama do sol
até à redenção final
num grande amplexo irresolúvel
fim
do princípio
núcleos de hélio fino desbotado
o corpo do hidrogénio
ou a massa comprimida tanto
e de tão quente
que rebenta em cântaros de fumo sobre o muro
a frescura das palavras e do sémen.
EM - VIAGEM ATRAVÉS DA LUZ - VIEIRA CALADO - PAPIRO EDITORA
a nossa condição é a de ir arrefecendo
dilatando a chama do sol
até à redenção final
num grande amplexo irresolúvel
fim
do princípio
núcleos de hélio fino desbotado
o corpo do hidrogénio
ou a massa comprimida tanto
e de tão quente
que rebenta em cântaros de fumo sobre o muro
a frescura das palavras e do sémen.
EM - VIAGEM ATRAVÉS DA LUZ - VIEIRA CALADO - PAPIRO EDITORA
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
abro de noite a noite - VASCO GRAÇA MOURA
abro de noite a noite das mucosas
e o mundo se estonteia e sonambula
acetinadamente e toco as rosas
de sombra e fogo intenso e se estrangula
a vida com a morte e são porosas
as nossas línguas entre o mel e a gula
e as secreções são doces e viscosas
e o tempo tem um tempo em que se anula
e o espaço ora é maior, ora é menor,
e tem-se uma outra vez o que se tinha
e é sempre novo o que se tem de cor
e fica-se prostrado e o suor
dos membros sacudidos camarinha
e ao nó de corpo e alma se avizinha
EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL
e o mundo se estonteia e sonambula
acetinadamente e toco as rosas
de sombra e fogo intenso e se estrangula
a vida com a morte e são porosas
as nossas línguas entre o mel e a gula
e as secreções são doces e viscosas
e o tempo tem um tempo em que se anula
e o espaço ora é maior, ora é menor,
e tem-se uma outra vez o que se tinha
e é sempre novo o que se tem de cor
e fica-se prostrado e o suor
dos membros sacudidos camarinha
e ao nó de corpo e alma se avizinha
EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
À buzinadela do táxi - JOSÉ CRAVEIRINHA
Existe
em nós este espécie de nova sesta
que não permite cerrar de sono autêntico as pálpebras
ou senão uma ferrugem dilapida-nos mais os negros
diamantes foscos de insónias antiquíssimas
no duro chão bem arenoso das aringas.
E os narizes anticorrosivos
tresandam a brilhantina comum de muitos na almofada
e na sina de artífice moderna Rita Mamas-Tesas
à buzinadela do táxi temperando o arroz insosso
da madrugada ela elege preta célula fotoeléctrica
desde o asco intenso de amargura
até à ficha das pernas.
EM - OBRA POÉTICA I - JOSÉ CRAVEIRINHA - CAMINHO
em nós este espécie de nova sesta
que não permite cerrar de sono autêntico as pálpebras
ou senão uma ferrugem dilapida-nos mais os negros
diamantes foscos de insónias antiquíssimas
no duro chão bem arenoso das aringas.
E os narizes anticorrosivos
tresandam a brilhantina comum de muitos na almofada
e na sina de artífice moderna Rita Mamas-Tesas
à buzinadela do táxi temperando o arroz insosso
da madrugada ela elege preta célula fotoeléctrica
desde o asco intenso de amargura
até à ficha das pernas.
EM - OBRA POÉTICA I - JOSÉ CRAVEIRINHA - CAMINHO
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Sou... - MARIA JOSÉ LACERDA
Sou uma charada
Para ti
Dizes assim.
Enigmática
Sem sentido aferido
Sou um mistério
Por desvendar.
Sou incoerência
Por arrumar
Sou sentidos
Em ebulição
Sou ser em contradição.
Sou um todo indecifrado
De um qualquer querer
Sou um ser feliz
Só por te ver
No meu viver.
EM - ESCRITUS E RABISCUS - MARIA JOSÉ LACERDA - UNIVERSUS
Para ti
Dizes assim.
Enigmática
Sem sentido aferido
Sou um mistério
Por desvendar.
Sou incoerência
Por arrumar
Sou sentidos
Em ebulição
Sou ser em contradição.
Sou um todo indecifrado
De um qualquer querer
Sou um ser feliz
Só por te ver
No meu viver.
EM - ESCRITUS E RABISCUS - MARIA JOSÉ LACERDA - UNIVERSUS
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Depois da tempestade - JORGE GOMES MIRANDA
Veio para casa como de costume
pousou a carteira e ele não estava.
Nessa noite colocou mais um cobertor na cama
não repetindo para si própria:
"vai ficar tudo bem."
A cidade era um brinquedo,
um livro de colorir
a chuva misturou umas cores
a angústia e a decepção outras.
Depois da tempestade
com uma toalha enxuta
e um secador eléctrico
a cabeça fica como nova?
EM - ESTE MUNDO, SEM ABRIGO - JORGE GOMES MIRANDA - RELÓGIO D'ÁGUA
pousou a carteira e ele não estava.
Nessa noite colocou mais um cobertor na cama
não repetindo para si própria:
"vai ficar tudo bem."
A cidade era um brinquedo,
um livro de colorir
a chuva misturou umas cores
a angústia e a decepção outras.
Depois da tempestade
com uma toalha enxuta
e um secador eléctrico
a cabeça fica como nova?
EM - ESTE MUNDO, SEM ABRIGO - JORGE GOMES MIRANDA - RELÓGIO D'ÁGUA
domingo, 20 de outubro de 2013
O apodrecimento suave - INÊS LOURENÇO
Já escrevi num poema o fascínio
dos limos que transluzem
numa água de aparência imóvel.
Má literatura apenas, pois nenhum
apodrecimento é suave. Todo ele
é decadência e mau cheiro e o pôr
do sol é kitsch obrigatório de namorados pífios,
antigos calendários de parede e caducos
postais de veraneio.
EM - COISAS QUE NUNCA - INÊS LOURENÇO - &ETC
dos limos que transluzem
numa água de aparência imóvel.
Má literatura apenas, pois nenhum
apodrecimento é suave. Todo ele
é decadência e mau cheiro e o pôr
do sol é kitsch obrigatório de namorados pífios,
antigos calendários de parede e caducos
postais de veraneio.
EM - COISAS QUE NUNCA - INÊS LOURENÇO - &ETC
sábado, 19 de outubro de 2013
A sorna lei do romance... - JOAQUIM MANUEL MAGALHÃES
A sorna da lei do romance, a falsidade,
ateava uma increpação.
O prosador não a atingia.
O indeciso capítulo do princípio
um pormenor coloquial.
Assume-o inibido, glicerina
no feudo de captura.
O franqueio do argumento
lima-lhe o rigor, a odre,
conduz a um alugado álibi.
adia premonição.
EM - TOLDO VERMELHO - JOAQUIM MANUEL MAGALHÃES - RELÓGIO D'ÁGUA
ateava uma increpação.
O prosador não a atingia.
O indeciso capítulo do princípio
um pormenor coloquial.
Assume-o inibido, glicerina
no feudo de captura.
O franqueio do argumento
lima-lhe o rigor, a odre,
conduz a um alugado álibi.
adia premonição.
EM - TOLDO VERMELHO - JOAQUIM MANUEL MAGALHÃES - RELÓGIO D'ÁGUA
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
Terceiro nascimento - PAULO TAVARES
Uma segunda vida
[ e a acção é irreversível],
uma segunda vida a projectar-se
como um deus, dentro e fora
de qualquer estática.
Uma outra forma
de olhar - digital e intensa.
Tão intensa na sua aparência
que quase se julgaria a única.
EM - MINIMAL EXISTENCIAL - PAULO TAVARES - ARTEFACTO
[ e a acção é irreversível],
uma segunda vida a projectar-se
como um deus, dentro e fora
de qualquer estática.
Uma outra forma
de olhar - digital e intensa.
Tão intensa na sua aparência
que quase se julgaria a única.
EM - MINIMAL EXISTENCIAL - PAULO TAVARES - ARTEFACTO
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
Flores de papel... - LITA LISBOA
Semeiam-se flores de papel,
que choram sangue.
O orvalho da manhã
se ruboriza.
A ânsia, num halo de desapego
e memórias famintas
que o fogo consumiu,
perde-se nas sombras,
destas flores sem vida.
Segue-se por atalhos,
à procura dum anjo descalço
que refresque a verdura matinal
e eternize flores brancas
e verdadeiras,
para que possamos sorver
o seu aroma
e o marejar suave das marés.
EM - CREPÚSCULO - LITA LISBOA - TEMAS ORIGINAIS
que choram sangue.
O orvalho da manhã
se ruboriza.
A ânsia, num halo de desapego
e memórias famintas
que o fogo consumiu,
perde-se nas sombras,
destas flores sem vida.
Segue-se por atalhos,
à procura dum anjo descalço
que refresque a verdura matinal
e eternize flores brancas
e verdadeiras,
para que possamos sorver
o seu aroma
e o marejar suave das marés.
EM - CREPÚSCULO - LITA LISBOA - TEMAS ORIGINAIS
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Urgente - MÁRIO CESARINY
As bombas matam porque sofrem duma espécie de doença incurável
que as faz ganhar saúde quando as largam no ar
uma vez expostas à lei da gravidade
e por ela arrastadas para o mundo humano
as bombas precisam de explodir tal como uma criança precisa de urinar
até fazerem um lugar onde fiquem
que se não mova que seja
como um direito a isso
ao pé do deus adulto que lhes deu comida
EM - UMA GRANDE RAZÃO - MÁRIO CESARINY - ASSÍRIO & ALVIM
que as faz ganhar saúde quando as largam no ar
uma vez expostas à lei da gravidade
e por ela arrastadas para o mundo humano
as bombas precisam de explodir tal como uma criança precisa de urinar
até fazerem um lugar onde fiquem
que se não mova que seja
como um direito a isso
ao pé do deus adulto que lhes deu comida
EM - UMA GRANDE RAZÃO - MÁRIO CESARINY - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 15 de outubro de 2013
Secundária - JORGE GOMES MIRANDA
Fui ter com ela e perguntei-lhe:
Que se passa com o teu irmão?
Dantes andava às caçadinhas,
fanava a eito, levava tudo à murraça.
Agora fica no quarto o dia todo
a ler e a escrever,
feito um desses reguilas de sacristia.
Se não o conhecêssemos de catraio
já lhe tínhamos desadoçado a voz.
Ele e a professora
com a mania das palavras caras:
sensibilidade, sublime, poesia.
Vê lá mas é se falas com ele!
EM - VELHOS - JORGE GOMES MIRANDA - TEATRO DE VILA REAL
Que se passa com o teu irmão?
Dantes andava às caçadinhas,
fanava a eito, levava tudo à murraça.
Agora fica no quarto o dia todo
a ler e a escrever,
feito um desses reguilas de sacristia.
Se não o conhecêssemos de catraio
já lhe tínhamos desadoçado a voz.
Ele e a professora
com a mania das palavras caras:
sensibilidade, sublime, poesia.
Vê lá mas é se falas com ele!
EM - VELHOS - JORGE GOMES MIRANDA - TEATRO DE VILA REAL
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
As palavras cansadas - JOÃO RUI DE SOUSA
Num destino já cumprido
como existência provecta
sempre na corda arredia
sempre na curva da recta
sempre à beira do patíbulo
sempre ao rés tão da sarjeta
palavras há que - prostradas -
já não queimam já não servem:
apenas são pó das margens
de tanto serem o trilho
de repetidas passagens.
Com suas luzes remotas
a definharem no brilho
são como rombas carroças
a transportarem detritos.
EM - LAVRA E POUSIO - JOÃO RUI DE SOUSA - DOM QUIXOTE
como existência provecta
sempre na corda arredia
sempre na curva da recta
sempre à beira do patíbulo
sempre ao rés tão da sarjeta
palavras há que - prostradas -
já não queimam já não servem:
apenas são pó das margens
de tanto serem o trilho
de repetidas passagens.
Com suas luzes remotas
a definharem no brilho
são como rombas carroças
a transportarem detritos.
EM - LAVRA E POUSIO - JOÃO RUI DE SOUSA - DOM QUIXOTE
domingo, 13 de outubro de 2013
Verão antigo - MARIA ANDRESEN
há um calor, um cheiro
entre ti e o tojo - figueira
cigarra amendoeira
o passo amedrontado o sol
um cão sentado a mão
um gato leve lento
o crescimento
o mover da tarde
tão álacre o mundo
a espantada fome
a mão
o caminho do farol
pela poeira
EM - LUGARES, 3 - MARIA ANDRESEN - RELÓGIO D'ÁGUA
entre ti e o tojo - figueira
cigarra amendoeira
o passo amedrontado o sol
um cão sentado a mão
um gato leve lento
o crescimento
o mover da tarde
tão álacre o mundo
a espantada fome
a mão
o caminho do farol
pela poeira
EM - LUGARES, 3 - MARIA ANDRESEN - RELÓGIO D'ÁGUA
sábado, 12 de outubro de 2013
Síndrome de Prometeu - DANIEL FRANCOY
Não me questiones sobre Deus ou sobre o amor.
Ainda quando a noite é uma pantera em êxtase
e o amor abre estigmas no corpo,
ainda quando o coração se torna devoto
e é cingido por uma ardente piedade.
Em todos os momentos Deus e o amor existem
e habitam as palavras como atroz demónio
e descubro-me mudo diante da morte,
o amante de uma mulher fugaz e incorpórea,
o mutilado sob a perpétua vigília
das soberbas e altivas aves de rapina.
EM - EM CIDADE ESTRANHA/RETRATOS DE MULHERES - DANIEL FRANCOY - ARTEFACTO
Ainda quando a noite é uma pantera em êxtase
e o amor abre estigmas no corpo,
ainda quando o coração se torna devoto
e é cingido por uma ardente piedade.
Em todos os momentos Deus e o amor existem
e habitam as palavras como atroz demónio
e descubro-me mudo diante da morte,
o amante de uma mulher fugaz e incorpórea,
o mutilado sob a perpétua vigília
das soberbas e altivas aves de rapina.
EM - EM CIDADE ESTRANHA/RETRATOS DE MULHERES - DANIEL FRANCOY - ARTEFACTO
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
Ó prisioneira... - ANTÓNIO RAMOS ROSA
Ó prisioneira de um imóvel pássaro
e teu reino é branco sob uma coroa de silêncio
o teu nome é a tua própria respiração
O teu quarto é uma imagem mas é também uma pedra
As tuas pálpebras são irrigadas pelas falanges da chuva
Num lado tu desvias e separas
no outro situas e reúnes
A íris escuta sob a íris
o horizonte divisa-se através das árvores
os círculos esvaziam-se dos seus nomes
o vazio multiplica os elos do vazio
EM - DELTA/PELA PRIMEIRA VEZ - ANTÓNIO RAMOS ROSA - QUETZAL
e teu reino é branco sob uma coroa de silêncio
o teu nome é a tua própria respiração
O teu quarto é uma imagem mas é também uma pedra
As tuas pálpebras são irrigadas pelas falanges da chuva
Num lado tu desvias e separas
no outro situas e reúnes
A íris escuta sob a íris
o horizonte divisa-se através das árvores
os círculos esvaziam-se dos seus nomes
o vazio multiplica os elos do vazio
EM - DELTA/PELA PRIMEIRA VEZ - ANTÓNIO RAMOS ROSA - QUETZAL
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
Na mão de Deus - ANTERO DE QUENTAL
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
EM - SONETOS - ANTERO DE QUENTAL - ULMEIRO
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
EM - SONETOS - ANTERO DE QUENTAL - ULMEIRO
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Despedidas ao Tejo - MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE
Não mais, ó Tejo meu, formoso e brando,
à margem fértil de gentis verdores,
Terás d'alta Ulisseia um dos cantores
Suspiros no áureo metro modelando:
Rindo mas não verá, não mais brincando
Por entre as ninfas, e por entre as flores,
O coro divinal dos nus Amores,
Dos Zéfiros azuis o afável bando:
Coa fronte já sem mirto, e já sem louro,
O arrebata de rojo a mão da Sorte
Ao clima salutar, e à margem de ouro:
Ei-lo em fragas de horror, sem luz, sem norte,
Soa daqui, dali piado agouro;
Sois vós, desterro eterno, ermos da morte!~
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - BOCAGE - VERBO
à margem fértil de gentis verdores,
Terás d'alta Ulisseia um dos cantores
Suspiros no áureo metro modelando:
Rindo mas não verá, não mais brincando
Por entre as ninfas, e por entre as flores,
O coro divinal dos nus Amores,
Dos Zéfiros azuis o afável bando:
Coa fronte já sem mirto, e já sem louro,
O arrebata de rojo a mão da Sorte
Ao clima salutar, e à margem de ouro:
Ei-lo em fragas de horror, sem luz, sem norte,
Soa daqui, dali piado agouro;
Sois vós, desterro eterno, ermos da morte!~
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - BOCAGE - VERBO
terça-feira, 8 de outubro de 2013
Velha lanterna - ANTÓNIO MR MARTINS
Por essa luz
Se entreabrem
As portas do sustentáculo
Efeméride presente
Noutras luminosidades
O conceito era diferente
Esqueciam-se
Os reflexos
Definitivamente
A candeia era outra
EM - MÁSCARA DA LUZ - ANTÓNIO MR MARTINS - TEMAS ORIGINAIS
Se entreabrem
As portas do sustentáculo
Efeméride presente
Noutras luminosidades
O conceito era diferente
Esqueciam-se
Os reflexos
Definitivamente
A candeia era outra
EM - MÁSCARA DA LUZ - ANTÓNIO MR MARTINS - TEMAS ORIGINAIS
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
Doces águas... - LUIS VAZ DE CAMÕES
Doces águas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;
de vós me aparto; mas, porém, não nego
que toda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.
Bem pudera Fortuna este instrumento
d'alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;
mas alma, que de cá vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa, e em vós se banha.
EM - POESIA LÍRICA - LUIS VAZ DE CAMÕES - VERBO
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;
de vós me aparto; mas, porém, não nego
que toda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.
Bem pudera Fortuna este instrumento
d'alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;
mas alma, que de cá vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa, e em vós se banha.
EM - POESIA LÍRICA - LUIS VAZ DE CAMÕES - VERBO
domingo, 6 de outubro de 2013
Maiombulismos I - MANUEL C. AMOR
O meu amor escutou o vento leste
Traz o coração
cheio de sonhos
sente na pele
as intempéries
do vento norte
Meu amor sussurra-me ao ouvido
segredos de todos os ventos
O meu amor é do Sul
EM - CANTO DE DIÁSPORA - MANUEL C. AMOR - TEMAS ORIGINAIS
Traz o coração
cheio de sonhos
sente na pele
as intempéries
do vento norte
Meu amor sussurra-me ao ouvido
segredos de todos os ventos
O meu amor é do Sul
EM - CANTO DE DIÁSPORA - MANUEL C. AMOR - TEMAS ORIGINAIS
sábado, 5 de outubro de 2013
Na orla do mar - EUGÉNIO DE ANDRADE
Na orla do mar,
no rumor do vento,
onde esteve a linha
pura do teu rosto
ou só pensamento
(e mora, secreto,
intenso, solar,
todo o meu desejo)
aí vou colher
a rosa e a palma.
Onde a pedra é flor,
onde o corpo é alma.
EM - AS PALAVRAS INTERDITAS/ATÉ AMANHÃ - EUGÉNIO DE ANDRADE - ASSÍRIO & ALVIM
no rumor do vento,
onde esteve a linha
pura do teu rosto
ou só pensamento
(e mora, secreto,
intenso, solar,
todo o meu desejo)
aí vou colher
a rosa e a palma.
Onde a pedra é flor,
onde o corpo é alma.
EM - AS PALAVRAS INTERDITAS/ATÉ AMANHÃ - EUGÉNIO DE ANDRADE - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
Poema posto em saudade - NATÁLIA CORREIA
Em ilha verde e anilada
Por farturas de pastel,
Deu a criação morada
Ao Arcanjo São Miguel.
Que lânguida maravilha
De terra no mar deitada
Quando a luz enlaça a Ilha
Pela cintura delicada!
Matas silentes e lúcidas
Do bosque primordial.
Paz de pastos e poentes,
carmins que purpuram o mar.
Ponta Delgada brunida,
Engomadas ruas brancas.
No basalto endurecida,
Amável nas águas francas.
E, enfim, por rampas de vinhas,
Em Vila Franca do Céu
Místicas rochas marinhas
Em frente, um frade: O Ilhéu.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
Por farturas de pastel,
Deu a criação morada
Ao Arcanjo São Miguel.
Que lânguida maravilha
De terra no mar deitada
Quando a luz enlaça a Ilha
Pela cintura delicada!
Matas silentes e lúcidas
Do bosque primordial.
Paz de pastos e poentes,
carmins que purpuram o mar.
Ponta Delgada brunida,
Engomadas ruas brancas.
No basalto endurecida,
Amável nas águas francas.
E, enfim, por rampas de vinhas,
Em Vila Franca do Céu
Místicas rochas marinhas
Em frente, um frade: O Ilhéu.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
A lua geme - MANUELA FONSECA
A lua geme
Quando se cruza em Cassiopeia
Num rodopio de luto
Dá-se em lua cheia
Os deuses caminham nela
Fartos de abraçar o mar
Forte de estrelas cadentes
Sem nunca as alcançar
Reflexos selvagens num instante
Rolam contra a luz como pedradas
Lutam e sobem verticalmente
E a seu tempo
As mágoas são manchadas
E a lua geme
Em colunas quebradas
EM - POESIA SEM REMETENTE - MANUELA FONSECA - TEMAS ORIGINAIS
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
Espingardas - PEDRO MEXIA
Havia espingardas: a do avô, caçador,
uma de brinquedo, hoje sem coronha,
a pressão de ar, apontada ao céu.
Espingardas. Todas elas mataram.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
uma de brinquedo, hoje sem coronha,
a pressão de ar, apontada ao céu.
Espingardas. Todas elas mataram.
EM - MENOS POR MENOS - PEDRO MEXIA - DOM QUIXOTE
terça-feira, 1 de outubro de 2013
És livro... és poema - HELENA ISABEL
És livro... és poema
Caldeirão fervente
Paixão ardente
Tua voz, aurora boreal
Teu sorriso, meu areal
Olhares cruzados,
Desejos apertados
Escrevi, em ti, com tinta permanente
És amor, desejo, paixão
És sentimento puro que dói
És inalterável tatuagem em meu coração
Alegria que sorri com o nascer do dia
És livro... és poema... és emoção.
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