Era uma rosa diferente
como qualquer outra, morreu
tinha um cheiro enigmático
quem a cheirou não esqueceu.
Não há perfume de rosas
que faça lembrar o seu
foi uma rosa poderosa
no jardim onde cresceu.
Teve o reflexo no tempo
que a noite e o dia lhe deu.
Essa rosa já não volta
vive a roseira que a deu.
Podem nascer mais mil rosas
outras rosas, picos seus
No funeral dessa rosa.
O cheiro do amor floresceu:
EM - FALUA DA SAUDADE - CRISTINA PINHEIRO MOITA - LUA DE MARFIM
terça-feira, 30 de abril de 2013
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Pintor - GABRIELA PAIS
Pintor que sujas a tela de pranto
Escorrem as tintas sobre tua amada,
Teu ser sofre penoso desencanto,
Porque tua alma sangra desconsolada.
Cala essas lamentações dolorosas
Põe na pintura todo o teu sentir,
Desliza p'las tintas, que desejosas,
Querem garra no pincel a evoluir.
Cor de festa p'ró desenho emitir,
Nem constrangimento nem desalento,
Nas mãos sente, a arte e o amor a sobrevir.
Põe na mente este propósito ardente,
Fixa o olhar, com atenção a compelir,
Transpõe p'ra tela, teu vigor crescente.
EM - O LUGAR DAS PALAVRAS - GABRIELA PAIS - TEMAS ORIGINAIS
Escorrem as tintas sobre tua amada,
Teu ser sofre penoso desencanto,
Porque tua alma sangra desconsolada.
Cala essas lamentações dolorosas
Põe na pintura todo o teu sentir,
Desliza p'las tintas, que desejosas,
Querem garra no pincel a evoluir.
Cor de festa p'ró desenho emitir,
Nem constrangimento nem desalento,
Nas mãos sente, a arte e o amor a sobrevir.
Põe na mente este propósito ardente,
Fixa o olhar, com atenção a compelir,
Transpõe p'ra tela, teu vigor crescente.
EM - O LUGAR DAS PALAVRAS - GABRIELA PAIS - TEMAS ORIGINAIS
domingo, 28 de abril de 2013
9º soneto - FERNANDO SAIOTE
Nada de meu caminho é importante
Nada excepto este chão que piso
A mão que abro e dou a quem passa
Ou o beijo que inocente me pedes
Tudo é coisa de tua estrela brilhante
Do mel, de tudo que em ti mais preciso
Do tempo em nós que faz a vida escassa
Empurra-me para ti quando te despedes
Nada é beijo que foi tudo para mim
Verso feito do teu corpo esculpido
Guitarra que em nós toca e silencia
Tudo é nada num teu beijo sem fim
Cavalgando na minha boca destemido
Por saber que a ninguém pertencia
EM - PRISÃO DE SENTIDOS - FERNANDO SAIOTE - LUA DE MARFIM
Nada excepto este chão que piso
A mão que abro e dou a quem passa
Ou o beijo que inocente me pedes
Tudo é coisa de tua estrela brilhante
Do mel, de tudo que em ti mais preciso
Do tempo em nós que faz a vida escassa
Empurra-me para ti quando te despedes
Nada é beijo que foi tudo para mim
Verso feito do teu corpo esculpido
Guitarra que em nós toca e silencia
Tudo é nada num teu beijo sem fim
Cavalgando na minha boca destemido
Por saber que a ninguém pertencia
EM - PRISÃO DE SENTIDOS - FERNANDO SAIOTE - LUA DE MARFIM
sábado, 27 de abril de 2013
Lembro - JOSÉ LUIS OUTONO
os teus olhos
contaram-me ensaios
de pauta criativa
naquela manhã
em que acordaste
dentro de mim...
apenas ouvia
o caminhar
dos teus cabelos
no meu corpo
onde escreveste lábios
em invenções de beijos
e "trancaste-me" a alma
com um verso em
decassílabos mar...
EM - MAR DE SENTIDOS - JOSÉ LUIS OUTONO - EDIÇÕES VIEIRA DA SILVA
contaram-me ensaios
de pauta criativa
naquela manhã
em que acordaste
dentro de mim...
apenas ouvia
o caminhar
dos teus cabelos
no meu corpo
onde escreveste lábios
em invenções de beijos
e "trancaste-me" a alma
com um verso em
decassílabos mar...
EM - MAR DE SENTIDOS - JOSÉ LUIS OUTONO - EDIÇÕES VIEIRA DA SILVA
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Voltarão as palavras - ANTÓNIO GIL
Voltarão as palavras
a ser pedras, agora
com talhe de amora
sementes furadas
pequenas contas
com as cores da aurora
perfeitas conchas
búzios, pequenas aras,
estrelas do céu e do mar:
lascas, cascalho, aparas,
gemas de pedras raras
que te ofereço em colar
em pulseiras, em tiaras.
EM - OBRA AO RUBRO - ANTÓNIO GIL - LUA DE MARFIM
a ser pedras, agora
com talhe de amora
sementes furadas
pequenas contas
com as cores da aurora
perfeitas conchas
búzios, pequenas aras,
estrelas do céu e do mar:
lascas, cascalho, aparas,
gemas de pedras raras
que te ofereço em colar
em pulseiras, em tiaras.
EM - OBRA AO RUBRO - ANTÓNIO GIL - LUA DE MARFIM
quinta-feira, 25 de abril de 2013
Sonata de Outono - JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS
Inverno não ainda mas Outono
a sonata que bate no meu peito
poeta distraído cão sem dono
até na própria cama em que me deito.
Acordar é a forma de ter sono
o presente o pretérito imperfeito
mesmo eu de mim próprio me abandono
se o rigor que me devo não respeito.
Morro de pé, mas morro devagar.
A vida é afinal o meu lugar
e só acaba quando eu quiser.
Não me deixo ficar. Não pode ser.
Peço meças ao Sol, ao céu, ao mar
pois viver é também acontecer.
EM - OBRA POÉTICA - JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS - EDIÇÕES AVANTE
a sonata que bate no meu peito
poeta distraído cão sem dono
até na própria cama em que me deito.
Acordar é a forma de ter sono
o presente o pretérito imperfeito
mesmo eu de mim próprio me abandono
se o rigor que me devo não respeito.
Morro de pé, mas morro devagar.
A vida é afinal o meu lugar
e só acaba quando eu quiser.
Não me deixo ficar. Não pode ser.
Peço meças ao Sol, ao céu, ao mar
pois viver é também acontecer.
EM - OBRA POÉTICA - JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS - EDIÇÕES AVANTE
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Guardo palavras ásperas - PAULO AFONSO RAMOS
No hábito do dia
que caminhas na memória
guardo palavras
como prisioneiras do templo
são palavras ásperas
acorrentadas ao silêncio.
EM - PASSOS ESPALHADOS PELO CHÃO - PAULO AFONSO RAMOS - LUA DE MARFIM
que caminhas na memória
guardo palavras
como prisioneiras do templo
são palavras ásperas
acorrentadas ao silêncio.
EM - PASSOS ESPALHADOS PELO CHÃO - PAULO AFONSO RAMOS - LUA DE MARFIM
terça-feira, 23 de abril de 2013
Sofá de ilusões - GONÇALO LOBO PINHEIRO
Vou andando, alheio e devagar, ao teu encontro.
Estás meio perdida, deitada no teu sofá,
E junto a um copo vazio.
Descansas na esperança que chegue
E te ponha no meu colo.
Nesse momento serei apenas eu e tu,
Porque existes dessa forma,
Prostrada no sofá das ilusões,
Assim meio tosca mas, com sentido único.
EM - SOFÁ DE SENTIDOS - GONÇALO LOBO PINHEIRO - TEMAS ORIGINAIS
Estás meio perdida, deitada no teu sofá,
E junto a um copo vazio.
Descansas na esperança que chegue
E te ponha no meu colo.
Nesse momento serei apenas eu e tu,
Porque existes dessa forma,
Prostrada no sofá das ilusões,
Assim meio tosca mas, com sentido único.
EM - SOFÁ DE SENTIDOS - GONÇALO LOBO PINHEIRO - TEMAS ORIGINAIS
segunda-feira, 22 de abril de 2013
Mergulhadores - PEDRO MEXIA
Doze, catorze segundos, demoram
a boca na boca, mergulhadores
de águas em si mesmas não muito
profundas, mas atravessadas de fundura
em ideia e situação, artistas
da respiração e de com ela saberem
reter outros desejos
que ao mesmo tempo dissipam.
Despedem-se ou saúdam-se à porta
do centro comercial, tão novos
que era mais normal
que se detestassem. O mundo,
seus acidentes, sem dúvida noções
precoces para quem num abraço
se mete pelos blusões adentro
respirando depois onde também respiro.
EM - ELIOT E OUTRAS OBSERVAÇÕES - PEDRO MEXIA - GÓTICA
a boca na boca, mergulhadores
de águas em si mesmas não muito
profundas, mas atravessadas de fundura
em ideia e situação, artistas
da respiração e de com ela saberem
reter outros desejos
que ao mesmo tempo dissipam.
Despedem-se ou saúdam-se à porta
do centro comercial, tão novos
que era mais normal
que se detestassem. O mundo,
seus acidentes, sem dúvida noções
precoces para quem num abraço
se mete pelos blusões adentro
respirando depois onde também respiro.
EM - ELIOT E OUTRAS OBSERVAÇÕES - PEDRO MEXIA - GÓTICA
domingo, 21 de abril de 2013
Em litorais longínquos... - GRAÇA PIRES
Em litorais longínquos
as mulheres deitam-se sobre a areia
junto à rebentação das ondas.
Com os braços em cruz
afastam as embarcações costeiras
e aguardam que a lua inteira
inicie um inesperado bailado
perto de suas bocas.
E não há âncora nem cais
que emudeça o júbilo dos mastros.
EM - O SILÊNCIO: LUGAR HABITADO - GRAÇA PIRES - LABIRINTO
as mulheres deitam-se sobre a areia
junto à rebentação das ondas.
Com os braços em cruz
afastam as embarcações costeiras
e aguardam que a lua inteira
inicie um inesperado bailado
perto de suas bocas.
E não há âncora nem cais
que emudeça o júbilo dos mastros.
EM - O SILÊNCIO: LUGAR HABITADO - GRAÇA PIRES - LABIRINTO
sábado, 20 de abril de 2013
Havia um relógio... - JOÃO LUÍS BARRETO GUIMARÃES
havia um
relógio
de sala
castanho
tão esguio
tão esguio
quase não
ocupava
espaço
nenhum.
o seu
bom-dia
(porém)
espalhava-se pela casa toda
EM - 3 - JOÃO LUÍS BARRETO GUIMARÃES - GÓTICA
relógio
de sala
castanho
tão esguio
tão esguio
quase não
ocupava
espaço
nenhum.
o seu
bom-dia
(porém)
espalhava-se pela casa toda
EM - 3 - JOÃO LUÍS BARRETO GUIMARÃES - GÓTICA
sexta-feira, 19 de abril de 2013
Para lá dos campos... - FREDERICO LOURENÇO
Para lá dos campos e vales
que descem em violento declive
na direcção do mar e do horizonte
a que chamo bainha de Deus
(ou somente linha azul e violeta
a separar o mar do céu)
sigo o sentido que o teu braço indica
e fito as nuvens flamejantes,
rasgadas por relâmpagos.
Começas de novo a falar.
O estrondo da cascata
a trovejar aqui ao lado
torna as tuas palavras inaudíveis.
No entanto consigo compreender-te.
EM - SANTO ASINHA E OUTROS POEMAS - FREDERICO LOURENÇO - CAMINHO
que descem em violento declive
na direcção do mar e do horizonte
a que chamo bainha de Deus
(ou somente linha azul e violeta
a separar o mar do céu)
sigo o sentido que o teu braço indica
e fito as nuvens flamejantes,
rasgadas por relâmpagos.
Começas de novo a falar.
O estrondo da cascata
a trovejar aqui ao lado
torna as tuas palavras inaudíveis.
No entanto consigo compreender-te.
EM - SANTO ASINHA E OUTROS POEMAS - FREDERICO LOURENÇO - CAMINHO
quinta-feira, 18 de abril de 2013
O poeta anda... - ANTÓNIO CARLOS CORTEZ
o poeta anda pelas ruas solitário
é um pássaro ferido que canta e imagina
e o seu canto é o labor incendiário
sua incerteza de espuma que termina
o poeta é a linha de sombra e não sabe
que oculta em si a última fúria inimiga
é a perpétua imagem de que tudo arde
pode ser a lira ou o lastro a palavra antiga
o poeta esse brutal assassino da nossa vida
com os dedos alongados e infinita cabeleira
com seu corpo diluído nos cristais
o poeta ninguém o pode conduzir na despedida
ou esperar sua palavra verdadeira
aquele amador que não volta mais
EM - A SOMBRA NO LIMITE - ANTÓNIO CARLOS CORTEZ - GÓTICA
é um pássaro ferido que canta e imagina
e o seu canto é o labor incendiário
sua incerteza de espuma que termina
o poeta é a linha de sombra e não sabe
que oculta em si a última fúria inimiga
é a perpétua imagem de que tudo arde
pode ser a lira ou o lastro a palavra antiga
o poeta esse brutal assassino da nossa vida
com os dedos alongados e infinita cabeleira
com seu corpo diluído nos cristais
o poeta ninguém o pode conduzir na despedida
ou esperar sua palavra verdadeira
aquele amador que não volta mais
EM - A SOMBRA NO LIMITE - ANTÓNIO CARLOS CORTEZ - GÓTICA
quarta-feira, 17 de abril de 2013
Os homens ladram... - ANTÓNIO BORGES COELHO
Os homens ladram como os cães às portas
Cá fora há um riso de tributo
mas a casa é o último reduto
Se vos aproximais
os homens ladram como animais
Ladram todo o ódio acumulado
pela vida pelo fado
Ladram fome ladram tudo
que a vida é um canudo
Aonde vai tanta violência cega
que ensombra o céu e nunca descarrega
EM - AO RÉS DA TERRA - ANTÓNIO BORGES COELHO - CAMINHO
Cá fora há um riso de tributo
mas a casa é o último reduto
Se vos aproximais
os homens ladram como animais
Ladram todo o ódio acumulado
pela vida pelo fado
Ladram fome ladram tudo
que a vida é um canudo
Aonde vai tanta violência cega
que ensombra o céu e nunca descarrega
EM - AO RÉS DA TERRA - ANTÓNIO BORGES COELHO - CAMINHO
terça-feira, 16 de abril de 2013
A idade do fogo - JOAQUIM CARDOSO DIAS
nas pálpebras a fuga é ainda possível
espio o anoitecer por detrás do crepúsculo
e nunca sonhei com essa mentira
as noites imensas respiram onde a minha memória te imortalizou
ouço-te e escuto e grito no teu rosto assim
abro a janela e tenho medo de ouvir a tua voz
em pleno voo o tempo solidificou este monólogo
as palavras que me restam falam devagar
enquanto a noite cresce demorando a loucura
e a maldição de ter amado
amanhã é o último dia do tempo
agora de repente ainda espero por ti
EM - O PREÇO DAS CASAS - JOAQUIM CARDOSO DIAS - GÓTICA
espio o anoitecer por detrás do crepúsculo
e nunca sonhei com essa mentira
as noites imensas respiram onde a minha memória te imortalizou
ouço-te e escuto e grito no teu rosto assim
abro a janela e tenho medo de ouvir a tua voz
em pleno voo o tempo solidificou este monólogo
as palavras que me restam falam devagar
enquanto a noite cresce demorando a loucura
e a maldição de ter amado
amanhã é o último dia do tempo
agora de repente ainda espero por ti
EM - O PREÇO DAS CASAS - JOAQUIM CARDOSO DIAS - GÓTICA
segunda-feira, 15 de abril de 2013
O cavalo do Mouzinho - RUI KNOPFLI
Ironicamente, o herói colonial defendeu
e ajudou a fixar as fronteiras do país
que havia de converter-se em pátria alheia.
Décadas volvidas, caía uma chuva miudinha,
segundo consta, apearam-lhe a estátua
do alto plinto. Caía uma chuva miudinha,
mas o sr. Alberto Massavanhane garante,
solene e com ar grave, talvez com um nó
na garganta, que não, não era só chuva
e que, mesmo de bronze, até o cavalo chorava.
EM - O MONHÉ DAS COBRAS - RUI KNOPFLI - CAMINHO
e ajudou a fixar as fronteiras do país
que havia de converter-se em pátria alheia.
Décadas volvidas, caía uma chuva miudinha,
segundo consta, apearam-lhe a estátua
do alto plinto. Caía uma chuva miudinha,
mas o sr. Alberto Massavanhane garante,
solene e com ar grave, talvez com um nó
na garganta, que não, não era só chuva
e que, mesmo de bronze, até o cavalo chorava.
EM - O MONHÉ DAS COBRAS - RUI KNOPFLI - CAMINHO
domingo, 14 de abril de 2013
A tinta preta... - PEDRO TAMEN
A tinta preta que baila no papel
garante a eternidade do que empunha
o objecto dançarino e frio
(julgava eu um dia, ou simplesmente
fingia acreditar). A tinta
de qualquer cor e o papel
ou ferro onde se inscreva
passam voláteis como os dedos
cheios de intenções e como
o som do cuco três vezes repetido.
Ao silêncio seguinte ninguém sequer
responde, pois não sabe
ter havido um som, uma verdade, um antes.
EM - MEMÓRIA INDESCRITÍVEL - PEDRO TAMEN - GÓTICA
garante a eternidade do que empunha
o objecto dançarino e frio
(julgava eu um dia, ou simplesmente
fingia acreditar). A tinta
de qualquer cor e o papel
ou ferro onde se inscreva
passam voláteis como os dedos
cheios de intenções e como
o som do cuco três vezes repetido.
Ao silêncio seguinte ninguém sequer
responde, pois não sabe
ter havido um som, uma verdade, um antes.
EM - MEMÓRIA INDESCRITÍVEL - PEDRO TAMEN - GÓTICA
sábado, 13 de abril de 2013
Regresso - JOÃO MANUEL BRETES
No regresso da embarcação
onde vens sentado à proa
vais fixando no horizonte
a área minúscula o ponto na margem
onde a penumbra alberga a exígua casa
e ao rés da água a fria aragem
levanta a poalha
que te queima ao passar rápida
como a ave branca que atravessou o sol
com um brado de asas.
EM - POEIRA - JOÃO MANUEL BRETES - CAMINHO
onde vens sentado à proa
vais fixando no horizonte
a área minúscula o ponto na margem
onde a penumbra alberga a exígua casa
e ao rés da água a fria aragem
levanta a poalha
que te queima ao passar rápida
como a ave branca que atravessou o sol
com um brado de asas.
EM - POEIRA - JOÃO MANUEL BRETES - CAMINHO
sexta-feira, 12 de abril de 2013
O meu futuro - JOSÉ RICARDO NUNES
O grelhador enferrujou
e teve o seu prémio: vasos
com as roseiras pegadas há dois anos.
Este é o pátio da minha mãe:
botijas de gás,
uma torradeira velha em cima do termo-acumulador,
a fita enrolada à volta dos estores.
O cimento denuncia os canos
mudados no Verão. Voltar
aqui.
EM - NOVAS RAZÕES - JOSÉ RICARDO NUNES - GÓTICA
e teve o seu prémio: vasos
com as roseiras pegadas há dois anos.
Este é o pátio da minha mãe:
botijas de gás,
uma torradeira velha em cima do termo-acumulador,
a fita enrolada à volta dos estores.
O cimento denuncia os canos
mudados no Verão. Voltar
aqui.
EM - NOVAS RAZÕES - JOSÉ RICARDO NUNES - GÓTICA
quinta-feira, 11 de abril de 2013
Tudo podia ser mais simples - GRAÇA PIRES
Tudo podia ser mais simples.
Mas a infância fica tão longe
e os espelhos começaram
a gritar-me uma inocência
que deixou de ser minha
para sempre.
O que quero dizer
acompanha, devagar,
o movimento do sol.
E são cada vez mais lentos
os passos que me levam
na direcção das nascentes.
Apesar da sede.
EM - UMA EXTENSA MANCHA DE SONHOS - GRAÇA PIRES - LABIRINTO
Mas a infância fica tão longe
e os espelhos começaram
a gritar-me uma inocência
que deixou de ser minha
para sempre.
O que quero dizer
acompanha, devagar,
o movimento do sol.
E são cada vez mais lentos
os passos que me levam
na direcção das nascentes.
Apesar da sede.
EM - UMA EXTENSA MANCHA DE SONHOS - GRAÇA PIRES - LABIRINTO
quarta-feira, 10 de abril de 2013
Um dia - EMANUEL LOMELINO
Um dia, quando despertares da letargia do sono
e te lembrares da poesia que respirámos juntosrecorda com saudade o meu acordar rubro
e a minha resistência em ser poeta pela manhã.
Um dia, quando te libertares da felicidade do sonho
procura no azul-celeste da tua memória viva
os versos doces que quis escrever no teu corpo
e sente o sal que os meus olhos derramaram
sobre as imaculadas folhas de papel virgem.
Um dia, quando sentires a dureza dos caminhos
e quiseres sarar as cicatrizes da tua existência
reaviva os verdes momentos de esperança
daquelas palavras escritas que um dia te dei.
Um dia, quando confessares a tua essência
e essa verdade que sempre viveu em ti
podes enfantizar as qualidades da poesia
que pensei mas sempre resisti em escrever.
Um dia, depois de ouvires os sinos da partida
e descobrires a cegueira dos meus olhos meigos
aplaude a minha falta de originalidade criativa
e enaltece a forma como lomelinizei a vida.
EM - ENTRE O SONO E O SONHO VOL. IV TOMO I - ANTOLOGIA - CHIADO
terça-feira, 9 de abril de 2013
Nudez - JOÃO LOPES
A mentira do amor
Resiste na verdade
Da nudez
Na precisão branca
De uma lágrima
Sobre a madeira
Memórias de sonetos
Irregulares e castos
Deslocam a cor
Da morte à volta
A cidade sou eu
Esquecido em pedra
O cinema envolvendo
A palavra hoje.
EM - POEMAS DE GUERRA - JOÃO LOPES - GÓTICA
Resiste na verdade
Da nudez
Na precisão branca
De uma lágrima
Sobre a madeira
Memórias de sonetos
Irregulares e castos
Deslocam a cor
Da morte à volta
A cidade sou eu
Esquecido em pedra
O cinema envolvendo
A palavra hoje.
EM - POEMAS DE GUERRA - JOÃO LOPES - GÓTICA
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Há um pouco de sol... - ANTÓNIO RAMOS ROSA
Há um pouco de sol como uma arma tranquila
tenho os dedos enamorados sobre a página
Sinto os arbustos do mar de cor vermelha
A ligeireza do ar e a dura densidade
formam frescas verdades numa sala feliz
Um anjo terrestre ou só a mão alada
respira nas paredes e no solo como um desejo
que para nós voltasse o rosto transparente
Com o rumor do sono a mão enamorada
reconhece nas formas a suave aridez
que atravessa as portas brancas desta página
EM - DELTA - ANTÓNIO RAMOS ROSA - QUETZAL
tenho os dedos enamorados sobre a página
Sinto os arbustos do mar de cor vermelha
A ligeireza do ar e a dura densidade
formam frescas verdades numa sala feliz
Um anjo terrestre ou só a mão alada
respira nas paredes e no solo como um desejo
que para nós voltasse o rosto transparente
Com o rumor do sono a mão enamorada
reconhece nas formas a suave aridez
que atravessa as portas brancas desta página
EM - DELTA - ANTÓNIO RAMOS ROSA - QUETZAL
domingo, 7 de abril de 2013
Bicicleta azul - PEDRO MEXIA
Não sabia manter o equilíbrio enquanto
pedalava, precisava de duas rodas mais pequenas
como um triciclo, sempre um pouco
mais novo do que era,
o mundo incerto, a gravidade fortíssima.
Na bicicleta azul de uma prima
dava voltas ao pátio ou seguia
pela pequena estrada campestre como se
fosse dominar a vontade adolescente,
os joelhos esfolados, buster keaton
que em breve ía cair numa vala, a bicicleta
cairia depois e depois o mundo.
EM - EM MEMÓRIA - PEDRO MEXIA - GÓTICA
pedalava, precisava de duas rodas mais pequenas
como um triciclo, sempre um pouco
mais novo do que era,
o mundo incerto, a gravidade fortíssima.
Na bicicleta azul de uma prima
dava voltas ao pátio ou seguia
pela pequena estrada campestre como se
fosse dominar a vontade adolescente,
os joelhos esfolados, buster keaton
que em breve ía cair numa vala, a bicicleta
cairia depois e depois o mundo.
EM - EM MEMÓRIA - PEDRO MEXIA - GÓTICA
sábado, 6 de abril de 2013
Sequência - SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
A sua face transpôs os temporais
O vento azul rolou entre os seus braços
A penumbra subiu e rodeou
O seu rosto aceso as suas mãos iguais
Dos seus ombros nasceram as estátuas
E o gesto dos seus dedos
Encantou os navios
Baloiça um enforcado na baía
Mãos sem corpo levam castiçais
Uma cortina enrola-se na brisa
Uma porta bate e de repente
Um corredor fica vazio.
EM - MAR - SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - CAMINHO
O vento azul rolou entre os seus braços
A penumbra subiu e rodeou
O seu rosto aceso as suas mãos iguais
Dos seus ombros nasceram as estátuas
E o gesto dos seus dedos
Encantou os navios
Baloiça um enforcado na baía
Mãos sem corpo levam castiçais
Uma cortina enrola-se na brisa
Uma porta bate e de repente
Um corredor fica vazio.
EM - MAR - SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - CAMINHO
sexta-feira, 5 de abril de 2013
Impressão digital - ANTÓNIO OSÓRIO
Mancha
de veios, abobadilhas
sobrepostas, curvas
de espirais, truncadas.
Nervuras
oriundas de raízes,
águas. Decifráveis,
testemunhantes
por sua única penumbra.
EM - LIBERTAÇÃO DA PESTE - ANTÓNIO OSÓRIO - GÓTICA
de veios, abobadilhas
sobrepostas, curvas
de espirais, truncadas.
Nervuras
oriundas de raízes,
águas. Decifráveis,
testemunhantes
por sua única penumbra.
EM - LIBERTAÇÃO DA PESTE - ANTÓNIO OSÓRIO - GÓTICA
quinta-feira, 4 de abril de 2013
Paisagem - EUGÉNIO DE ANDRADE
Entre pinheiros três casas.
Uma azenha parada.
Uma torre erguida
de fraga em fraga
contra o céu de cal.
E um silêncio talhado
para o voo de um moscardo
alastra de casa em casa,
sobe à torre abandonada
e sobre a azenha parada
tomba desamparado.
EM - PRIMEIROS POEMAS... - EUGÉNIO DE ANDRADE - ASSÍRIO & ALVIM
Uma azenha parada.
Uma torre erguida
de fraga em fraga
contra o céu de cal.
E um silêncio talhado
para o voo de um moscardo
alastra de casa em casa,
sobe à torre abandonada
e sobre a azenha parada
tomba desamparado.
EM - PRIMEIROS POEMAS... - EUGÉNIO DE ANDRADE - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 3 de abril de 2013
A tentar criar - MIGUEL ALMEIDA
Um instante, é certo
Mas de valia singular,
Na partilha do que somos
E sabemos, talvez por sentir
Essa arte sem limites,
No auxílio do pensar,
Que nunca nos deixa parar,
Até se ter um ser, que é criar.
Ser de linguagem ou de pensar,
O homem já existe,
Nas paisagens que descreve,
Recriando-se no acto de criar,
Mas assim, ele acaba a pensar,
E quando por acaso acha,
Talvez esteja apenas a tentar criar.
EM - O LUGAR DAS COISAS - MIGUEL ALMEIDA - ESFERA DO CAOS
Mas de valia singular,
Na partilha do que somos
E sabemos, talvez por sentir
Essa arte sem limites,
No auxílio do pensar,
Que nunca nos deixa parar,
Até se ter um ser, que é criar.
Ser de linguagem ou de pensar,
O homem já existe,
Nas paisagens que descreve,
Recriando-se no acto de criar,
Mas assim, ele acaba a pensar,
E quando por acaso acha,
Talvez esteja apenas a tentar criar.
EM - O LUGAR DAS COISAS - MIGUEL ALMEIDA - ESFERA DO CAOS
terça-feira, 2 de abril de 2013
Clamor - AL BERTO
tudo vem ao chamamento
noite após noite o que dissemos e
o que nunca diremos - a viagem
com uma giesta de algodão presa nos cabelos e
a sensação fresca de um sulco de aves na pele
tudo vem ao chamamento - os lobos
os anões as fadas as putas as bichas e
a redenção dos maus momentos - enquanto te barbeias
vês no espelho o homem
cuja solidão atravessou quase cinco décadas e
está agora ali a olhar-te - queixando-se da tosse
da dor de dentes e do golpe que a lâmina fez
num deslize perto da asa do nariz
não sei quem é - sei porém que vai afogar-se
naquela superfície clara quando dela se afastar e
abrir a porta para sair de casa murmurando: tudo
vem ao chamamento
por dentro do clamor da noite
EM - HORTO DO SILÊNCIO - AL BERTO - ASSÍRIO & ALVIM
noite após noite o que dissemos e
o que nunca diremos - a viagem
com uma giesta de algodão presa nos cabelos e
a sensação fresca de um sulco de aves na pele
tudo vem ao chamamento - os lobos
os anões as fadas as putas as bichas e
a redenção dos maus momentos - enquanto te barbeias
vês no espelho o homem
cuja solidão atravessou quase cinco décadas e
está agora ali a olhar-te - queixando-se da tosse
da dor de dentes e do golpe que a lâmina fez
num deslize perto da asa do nariz
não sei quem é - sei porém que vai afogar-se
naquela superfície clara quando dela se afastar e
abrir a porta para sair de casa murmurando: tudo
vem ao chamamento
por dentro do clamor da noite
EM - HORTO DO SILÊNCIO - AL BERTO - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 1 de abril de 2013
Fantasma - CECÍLIA MEIRELES
Para onde vais, assim calado,
de olhos hirtos, quieto e deitado,
as mãos imóveis de cada lado?
Tua longa barca desliza
por não sei que onda, límpida e lisa,
sem leme, sem vela, sem brisa...
Passas por mim na órbita imensa
de uma secreta indiferença,
que qualquer pergunta dispensa.
Desapareces do lado oposto,
e, então, como súbito desgosto,
vejo que o teu rosto é o meu rosto,
e que vais levando contigo,
pelo silencioso perigo
dessa tua navegação,
minha voz na tua garganta,
e tanta cinza, tanta, tanta,
de mim, sobre o teu coração!
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
de olhos hirtos, quieto e deitado,
as mãos imóveis de cada lado?
Tua longa barca desliza
por não sei que onda, límpida e lisa,
sem leme, sem vela, sem brisa...
Passas por mim na órbita imensa
de uma secreta indiferença,
que qualquer pergunta dispensa.
Desapareces do lado oposto,
e, então, como súbito desgosto,
vejo que o teu rosto é o meu rosto,
e que vais levando contigo,
pelo silencioso perigo
dessa tua navegação,
minha voz na tua garganta,
e tanta cinza, tanta, tanta,
de mim, sobre o teu coração!
EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA
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