Há poucos retratos de Rimbaud.
Nos da adolescência assemelha-se a um anjo
extasiado com o timbre das palavras.
Nos do fim da vida tem o olhar
de um condenado que a febre e a dor
não queriam nem podiam poupar.
Entre um tempo e o outro
ficou, como uma cratera de som,
como uma calamidade, o vazio da poesia.
Não foi Rimbaud que abandonou a poesia,
nem foi esta que o abandonou a ele.
Limitaram-se a seguir os seus caminhos,
sem compromissos nem estéreis cumplicidades,
sem depósitos a prazo na conta do futuro:
cada um para seu lado, e foi tudo.
O tempo da poesia foi também
o tempo da aflição, da morte ameaçadora
em cada esquina do amor impossível.
Ao menos entre negreiros e contrabandistas
de álcool e de armas, de corpos e luas,
ninguém lhe perguntava o que estava a escrever
e o que achava da última crítica a um livro seu.
Deixando a poesia, foi como se tivesse
mudado de ramo. Fechou a loja dos versos
e pediu alvará urgente para o esquecimento.
EM - NÃO HÁ POETAS FELIZES - JOSÉ JORGE LETRIA - INDÍCIOS DE OIRO
Muito interessante esta descrição. Parece que entranha em cada um de nós, Grata.
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