sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A furtiva alegria - INÊS LOURENÇO

Acumulo
retratos desfocados
viagens dispersas danos
moratórias

Mas também a ciência animal
de lamber as feridas, a furtiva alegria
a caminho da noite para matar
a sede na corrente.

EM - COISAS QUE NUNCA - INÊS LOURENÇO - &ETC

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Obsessão - JOSÉ ANTÓNIO ALMEIDA

Numa só coisa porfio:
outra vez ver o teu corpo
na minha cama despido,

de livro folhas abertas
com os dois braços cruzados
atrás do rosto de efebo

- devorando cada letra
em meu quarto no segredo.
De noite o membro de nácar

sempre com donaire erguido
acróstico no teu peito
começado sem ter fim.

EM - OBSESSÃO - JOSÉ ANTÓNIO ALMEIDA -&ETC

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

IV - VIEIRA CALADO

Vamos o presente desbravando (e o ocaso?)
das afinidades atómicas
e das forças fronteira entre o ser e o corpo
anteriores ao corpo
íntimas de ardência e cinzas
onde se lê a árvore venerável o orvalho breve
das folhas prostradas na noite das estrelas
e o gume dum coração indeciso

restituídos de ecos petrificados
eco de ecos inextinguíveis
em abstracções de corpos já extintos
que se espalham pelo espaço cercado
trepidante de paixões e medos
na infinda busca pelo jade em verde clorofila
esculpido nuns olhos da cor das ondas
no apogeu do ciclo, despojando-se em cristais
de branco azul, sobre as areias duma praia.

EM - VIAGEM ATRAVÉS DA LUZ - VIEIRA CALADO - PAPIRO EDITORA

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A missão das palavras - EDUARDO ALEIXO

Palavras gravadas na pedra
e oferecidas ao vento do amor.

Palavras com cheiro de pele, de sangue, de suor,
de dor, de riso e de esperança,
embrulhadas como prendas
e levadas no bico dos pássaros.

Palavras leves, beijos de água,
que servem para lavar as mágoas.

Palavras aladas, luminosas, musicais,
que se reportam ao percurso da alma...

EM - AS PALAVRAS SÃO DE ÁGUA - EDUARDO ALEIXO - CHIADO EDITORA

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ler-te - HELENA ISABEL

Esperando magia
Nesta tarde fria
Quero-te antes de escurecer
Queda-se a vontade de esperar.
Em ti quero pernoitar
Amar-te nos meus braços
No teu regaço suspirar
Na tua cama quero acordar.
Oiço o murmúrio da tua voz
Como sol ao madrugar.
Teu corpo desejo prouver
Nos teus encantos adormecer.
Esquecer a realidade...
Todas aquelas palavras que nós dizemos
Que sorrimos...
Sei aquilo que te poderia explicar,
Sem medos e fobias.
Mas não te quero perder
E muito fica por dizer
Quero amar-te na penumbra da noite
Quero suspirar-te, gemer-te
Ao alvorecer.
Nos primeiros raios da manhã
Eu quero ler-te.

EM - LER-TE - HELENA ISABEL - WAF

domingo, 26 de dezembro de 2010

Para ti - SANTA CRUZ

Eu estou enamorado...
Pelo teu olhar,
Pelo teu sorriso,
Pelo jeito do teu ser.

Pelos teus murmúrios...
Pelos teus beijos,
E pelos teus abraços.

Sonhei... e sonhei-te assim.
A ti dedico os meus sonhos
Loucos.

Porque esta Paixão é eterna:
Foi para ti... que guardei o melhor
De mim.

És e serás sempre para mim
O meu eterno e doce amor.

EM - SILÊNCIO DOS MEUS SONHOS - SANTA CRUZ - TEMAS ORIGINAIS 

sábado, 25 de dezembro de 2010

Não tenho mais... - VERA L. T. SANTOS

Não tenho mais que dizer-te
quando digo da manhã aberta
saindo-nos da boca.
Não tenho mais que dizer-te
quando digo do corpo que se eleva
recluso,
do teu rosto. Eterna luz.

EM - CARDIO.GRAFIA - VERA L. T. SANTOS - TEMAS ORIGINAIS

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ab initio... - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO

Cem poemas
Do arquivo...
São poemas
Ao que eu vivo,

Sem poemas
Sem sentido
Só poemas
«De Amigo»...

Tais poemas,
Pois então,
Os poemas

Que escrevi,
O que são?
O que senti...

Em - CEM POEMAS... DIVERSOS - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO - TEMAS ORIGINAIS

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Sagres - JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO

Tu foste o promontório-desafio
a um povo que em si mesmo não cabia
e ousou, no longe ignoto do vazio,
o ser que o seu não-ser lhe prometia...

E foi, numa incerteza de aventura,
a lenda e a legenda e a raiz!
Foi a ânsia de encontrar-se na procura,
erguendo o seu destino como quis...

Rasgou e desvendou e foi em vão,
buscando sempre o porto por achar,
e sempre de si mesmo se perdia,,,

Visão dos horizontes-dimensão,
gajeiro que da gávea céu e mar
jamais além do sonho enxergaria!

em - DO MAR E DE NÓS - JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO - TEMAS ORIGINAIS

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Re... começo - DALILA MOURA BAIÃO


Algures, em mentes esquecidas
existem cavalos doirados
que dançam e rodopiam
em planícies de magia.

Algures, em florestas ermas
com clareiras de luar
existem sonhos perdidos
no meu sonho a galopar.

Vai galopando na esperança
no encanto e na loucura
na busca, no encontrar...
cais de chegada e partida
ponte sem grades, sem muros
Algures... por conquistar

in... Varandas de luar - DALILA MOURA BAIÃO - Temas Originais

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Fui sentada em ti - MANUELA FONSECA



Fui sentada em ti
Por esse planeta adiado
Escureci as ideias
Enganei-te na verdade
E viajei-te no erro
De seres assim

Continuei a viagem
Imitando as sombras
Que contraí
E nunca desisti

Vim moldada em ti
Doente de roturas
E falhas de ozonos
Admiti a esperança
Em fé de ti

E comecei por mim

in... Poesia sem remetente - MANUELA FONSECA - Temas Originais

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Quadras - FERNANDO PESSOA


I
Tenho um segredo a dizer-te
Que não te posso dizer.
E com isto já t'o disse
Estavas farta de o saber...

II
Tenho um segredo tamanho
Que não o posso contar
Senão àquela a quem tenho
Esse amor. Estou-te a falar.

III
Dá-me um sorriso ao Domingo
Para à Segunda eu lembrar.
Bem sabes como te sigo
Sem que seguir seja achar.

IV
Escorreguei no teu olhar
E perdendo pé em mim
Resvalei contra teu seio.
O caso passou-se assim.

V
O manjerico comprado
não é melhor que o que dão.
Põe o manjerico ao lado
e dá-me o teu coração.

VI
A tampa da cafeteira
Caiu e saltou no chão...
Mas que bonita maneira
De me dizeres que não!...

VII
A do lenço já caído
Que veio da feira agora
Ri sem razão nem sentido,
Mas não vi onde ela mora.

in... Quadras - FERNANDO PESSOA - Assírio & Alvim

domingo, 19 de dezembro de 2010

Calo-me - EMANUEL LOMELINO


Pela boca é que morre o peixe
E aos poucos eu vou morrendo
Pelas palavras que vou dizendo
Sem que a minha boca se feche

Sou impulsivo, tenho meus dias
Nem sempre sei ser ponderado
Nunca soube como ficar calado
Por falar assim quebro magias

Cala-te boca que és imprudente
Apenas falas para dizer asneiras
Eu sou quem mais fica a perder

Abre-te ó boca, apenas e somente
Não para dizer essas baboseiras
Mas só coisas que mereço dizer

in... Aprendiz de poeta - EMANUEL LOMELINO - Temas Originais

sábado, 18 de dezembro de 2010

A ilha do arcanjo - NATÁLIA CORREIA


Eu vos direi da ilha que na dorna
do Arcanjo é eterna em chão escasso.
Fulva de gado ao dia. À noite, morna.
Embebida no verde. E o mar colaço.

Ilhado alumbramento em templo torna
a unção de contemplar. Um ténue traço
de garça entre água e céu. A paz encorna
em lagoa e lavoura o tempo e o espaço.

Tanto silêncio confiado à luz!
Treme um nenúfar se um trilo tremeluz.
Caiam o sol de azul os agapantos.

Na cevadeira a broa luminosa,
romeiros nos persignam com uma rosa.
Suas rezas joeiram pombos santos.

in... Poesia completa - NATÁLIA CORREIA - Dom Quixote

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Tens o dom do mal - MANUELA FONSECA



Tens o dom do mal
Espalhado nas ruas desertas
Ensanguentadas
De risos nocivos
E mulheres prenhes de lágrimas
Debruçadas sob o efeito
Do teu cinismo vomitado
Na fronteira de um mundo
De secura silenciosa
Onde a paz
Só tem bilhete de ida
Em pequenos corpos
Ainda mornos

Onde o teu fogo
Já só é artifício

in... Poesia sem remetente - MANUELA FONSECA - Temas Originais

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Assim, um nome que prezo,... - MÁRIO SAA


Assim, um nome que prezo,
Tão baixinho quanto eu,
Ganhou em forma do céu
Por perder a forma e o peso.

Como objecto de culto
Já o não digo a ninguém,
Se não àquele que tem
O mesmo sentir oculto,

Que percebe estas letrices
De sensação ilibadas,
De energia transformadas
Em litúrgicas crendices.

Sou o padre deste altar,
Duma virgem de novela
Que se diz na Terra estrela
E que é uma Estrela no Ar.

Rezo-lhe este cantochão
Que o Padre Oceano enturbado
Levará ao Outro Lado
Num suspiro do vozeirão.

in... Poesia e alguma prosa - MÁRIO SAA - INCM

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Idílio - ANTERO DE QUENTAL


Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos de um fôlego as colinas
Do rocio da noite inda orvalhadas;

Ou vendo o mar, das ermas cumeadas,
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longe no horizonte amontoadas;

Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão, e empalideces...

O vento e o mar murmuram orações
E a poesia das cousas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.

in... Poemas de amor - ANTOLOGIA - Dom Quixote

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Como queiras, amor... - JORGE DE SENA


Como queiras, Amor, como tu queiras.
Entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo.
A tudo quanto espero e quanto temo,
Entregue a ti, Amor, eu me dedico.

Nada há que eu não conheça, que eu não saiba,
e nada, não, ainda há por que eu não espere
como de quem ser vida é ter destino.

As pequeninas coisas da maldade, a fria
tão tenebrosa divisão do medo
em que os homens se mordem com rosnidos
de malcontente crueldade imunda,
eu sei quanto me aguarda, me deseja,
e sei até quanto ela a mim me atrai.

Como queiras, Amor, como tu queiras.
De frágil que és, não poderás salvar-me.
Tua nobreza, essa ternura tépida
quais olhos marejados, carne entreaberta,
será só escárneo, ou, pior, um vão sorriso
em lábios que se fecham como olhares de raiva.
Não poderás salvar-me, nem salvar-te.
Apenas como queiras ficaremos vivos.

in... Antologia Poética - JORGE DE SENA - Guimarães

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

As lágrimas soltam-se - MANUELA FONSECA



As lágrimas soltam-se
Em cataratas possantes
Espírito selvagem e do vento
Que em silêncio escorre da planície

Não quero secá-las em adeus
Nem possuí-las
Em cânticos de louvor
Quero soltá-las
Libertá-las e adoçá-las
De tanta mágoa e dor
Sem que seja preciso procurá-las

in... Poesia sem remetente - MANUELA FONSECA - Temas Originais

domingo, 12 de dezembro de 2010

Vontades dos Deuses - EMANUEL LOMELINO


Se os Deuses me permitissem a ousadia
Daria ao mundo um poema derradeiro
Encerrava nele toda a beleza da poesia
E a mensagem correria o mundo inteiro

Se os Deuses me deixassem ser poeta
Escreveria mil versos de eterna paixão
Comporia um longo adágio de profeta
Que o mundo declamaria como oração

Se os Deuses estivessem do meu lado
E soprassem os versos que mais amo
Os meus poemas seriam o meu legado

Se os Deuses preferissem um aprendiz
De mim sairiam os poemas que clamo
E o mundo só poderia mesmo ser feliz

in... Aprendiz de poeta - EMANUEL LOMELINO - Temas Originais

sábado, 11 de dezembro de 2010

SOU XII - EMANUEL LOMELINO


Sou apenas e só um murmúrio de vento
Elementar brisa, quiçá dotada de talento
Simples em qualquer situação da vida
Sou bonança constante, tranquilidade
Digo apenas o que sei com sinceridade
Eu me disciplinei, não tenho outra saída

Mas também posso ser intenso vendaval
Passar da acalmia a tempestade tropical
Dependendo exclusivamente das situações
Apesar de ser difícil assim ficar, acontece
Converto-me em furacão, o sangue aquece
Então nasce em mim a fúria de mil tufões

Como uma força da natureza, destruidora
Após a cólera volta a calma apaziguadora
Até parecendo que nada especial se passou
Tudo regressa ao início, fico muito sereno
Retorna então o meu temperamento ameno
Nada sensacional revelei, eis como eu sou

in... Amador do verso - EMANUEL LOMELINO - Temas Originais

CONVITES
O autor EMANUEL LOMELINO e a TEMAS ORIGINAIS têm o prazer de convidar a estar presente na sessão de lançamento do livro APRENDIZ DE POETA, a ter lugar no Auditório do Campo Grande, 56, em Lisboa, no próximo Sábado dia 11 de Dezembro, pelas 16.00h.

Obra e autor serão apresentados pelo poeta XAVIER ZARCO


E também
A autora MANUELA FONSECA e a TEMAS ORIGINAIS têm o prazer de convidar a estar presente na sessão de lançamento do livro POESIA SEM REMETENTE, a ter lugar no Auditório do Campo Grande, 56, em Lisboa, no próximo Sábado dia 11 de Dezembro, pelas 19.00h.

Obra e autora serão apresentados pelo poeta ANTÓNIO MR MARTINS

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

As aves magnéticas - TIAGO PATRÍCIO

PRÉMIO DANIEL FARIA 2009

As aves magnéticas limam as arestas do vento
são mensageiras insondáveis dos corpos
e manipulam a atracção e o espanto
Fazem a decantação do crepúsculo
e aproximam a gravidade do sangue

Tecem novelos a partir de raios incompletos
e diminuem a espera dos acontecimentos
resolvem o princípio da dúvida
e tecem uma miragem de milhares de anos
como pêndulos ou barcos exumados da maré

in... O livro das aves - TIAGO PATRÍCIO - Quasi

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Delírio Amoroso - MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE


Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte está chegando;
Lá soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:

Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vês com dor meu duro estado,
Volve à terra o cadáver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:

Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos corações, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:

Abre em meu nome este epitáfio nela:
«Eu fui, ternos mortais, o terno Elmano;
Morri de ingratidões, matou-me Isbela.»

in... Antologia poética - Bocage - Verbo

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Minha culpa - FLORBELA ESPANCA


Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou? Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém

Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou? Sei lá! Sou a roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta so Senhor...

Sei lá quem sou? Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...

in... Sonetos - FLORBELA ESPANCA - Bertrand

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Transforma-se o amador na cousa amada* - LUIS VAZ DE CAMÕES


Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu jeito,
Assim como a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;
E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.

in... Poemas de amor - ANTOLOGIA - Dom Quixote

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Enterro - MÁRIO SAA


E num gesto suave de quem se extingue
Perdia na distância o lis da cinta,
Esta linda filhinha, alma distinta,
Esprito que na ausência se distingue.

Na ausência lhe nasceu uma rosa brava
E o orvalho da saudade, água tão pingue
Que escorria, fluía e soterrava
Tudo o que em branda água mal se extingue.

Acenos de despedida, árvores dos montes,
Turbantes ao luar e mulheres nas fontes
Deslumbravam a noite em rudos ais.

Num antigo pendão, solene e triste,
Meu velho coração, porque partiste
Num antigo pendão, para nunca mais?!

in... Poesia e alguma prosa - MÁRIO SAA - INCM

domingo, 5 de dezembro de 2010

Gazetilha - ÁLVARO DE CAMPOS

Dos Lloyd Georges da Babilónia
Não reza a história nada.
Dos Briands da Assíria ou do Egipto,
Dos Trotskys de qualquer colónia
Grega ou romana já passada,
O nome é morto, inda que escrito.

Só o parvo dum poeta, ou um louco
Que fazia filosofia,
Ou um geómetra maduro,
Sobrevive a esse tanto pouco
Que está lá para trás no escuro
E nem a história já historia.

Ó grandes homens do Momento!
Ó grandes glórias a ferver
De quem a obscuridade foge!
Aproveitem sem pensamento!
Tratem da fama e do comer,
Que amanhã é dos loucos de hoje!

in... Poesia - ÁLVARO DE CAMPOS - Assírio & Alvim

* Álvaro de Campos é um dos heterónimos de Fernando Pessoa

sábado, 4 de dezembro de 2010

Amor à vista - FERNANDO ECHAVARRIA


Entras como um punhal
até à minha vida.
Regas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!...

in... Poemas de amor - ANTOLOGIA - Dom Quixote

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Aves clandestinas - TIAGO PATRÍCIO



Há aves de quem nos queremos lembrar
ou que nunca vimos, aves desempossadas
cobertas por campanários de literatura

Aves clandestinas numa curva adjacente
imponderadas pelo desgaste das palavras
como veias carregadas de tinta subversiva

Aves que espalhavam ideias como sangue
e escondiam tipografias por turnos
na encenação decisiva dos incêndios

in... O livro das aves - TIAGO PATRÍCIO - Quasi

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A el-rei D. Dinis - ANTÓNIO FERREIRA


Quem é este de insígnias diferentes,
Ceptro, e picão, e livro, e espada, e arado?
Este foi paz de Reis, e amor das gentes,
Grande Dinis, Rei nunca assaz louvado.

Outros foram nua* só cousa excelentes:
Este com todas nobreceu seu estado.
Regeu, edificou, lavrou, venceu,
Honrou as Musas, poetou e leu.

in... Castro e poemas lusitanos - ANTÓNIO FERREIRA - Verbo

* numa

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Paixão - LILI LARANJO


Palavra forte...
Forte como a vida...
Forte como o vento...
Paixão do jogo...
Paixão da multidão...

E eu sinto...
A força que tem...
Esta paixão...

O que domina...
O que dói...
E o que alegra...

Pois paixão...
Quando vivida...
Intensamente...

A espera do resultado
É apenas...
Paixão momentânea...
Que logo morre...

E com paixão...
Já vamos aguardar...
O próximo jogo.

in... O Sporting em poesia - LILI LARANJO - Fronteira do caos