Um homem espreita por uma muralha e vê um
vulto a debater-se com a morte. Existe um pacto
entre ele e esse fosso misterioso por onde corre
um rio encarnado. Um leão caminha de rastos
à procura de uma saída. Vai ferido a uivar no
meio das pedras. O homem esconde-se numa gruta.
A sua espada reflecte uma luz solar, Corta-se num braço,
enterrando a lâmina devagar. Tudo à sua volta se
levanta e o abençoa. O céu tapa-se respondendo ao seu
apelo, definindo-lhe uma alma e um corpo vitorioso.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
O livro dos amantes I - NATÁLIA CORREIA
Glorifiquei-me no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.
Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.
E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.
Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.
E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
40 - RICARDO REIS
Sê o dono de ti
Sem fechares os olhos.
Na dura mão aperta
Com um tacto apertado
O mundo exterior
Contra a palma sentindo
Outra cousa que a palma.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
Sem fechares os olhos.
Na dura mão aperta
Com um tacto apertado
O mundo exterior
Contra a palma sentindo
Outra cousa que a palma.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 26 de fevereiro de 2012
Estou triste - MANUEL ALEGRE
Eu tinha grandes coisas para vos dizer.
Porém não tenho tempo. Vou-me embora. Deixo-vos
com a vossa tristeza
mergulhada no vinho quieta envilecida.
Minha tristeza é mais pura
não se esconde no vinho não se esconde.
Precisa
de grandes gritos ao ar livre. De
partir à pedrada o corpo
onde a vossa tristeza apodrece.
Precisa de correr. Apertar muitas mãos
encher as ruas de muita gente.
Precisa de batalhas.
Precisa de cantar.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
Porém não tenho tempo. Vou-me embora. Deixo-vos
com a vossa tristeza
mergulhada no vinho quieta envilecida.
Minha tristeza é mais pura
não se esconde no vinho não se esconde.
Precisa
de grandes gritos ao ar livre. De
partir à pedrada o corpo
onde a vossa tristeza apodrece.
Precisa de correr. Apertar muitas mãos
encher as ruas de muita gente.
Precisa de batalhas.
Precisa de cantar.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
sábado, 25 de fevereiro de 2012
Quadras quase populares - RUY BELO
Sei tão de cor estes dias
que a única emoção forte
seria ele vir até mim
do fundo da sua morte
Nua a cruz a mesa lisa
Na mínima paisagem
branco e redondo de coragem
quando couber no tempo agoniza
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
que a única emoção forte
seria ele vir até mim
do fundo da sua morte
Nua a cruz a mesa lisa
Na mínima paisagem
branco e redondo de coragem
quando couber no tempo agoniza
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
38 - ÁLVARO DE CAMPOS
Toda a gente é interessante se a gente souber ver toda a gente.
Que obra-prima para um pintor possível em cada cara que existe!
Que expressões em todas, em tudo!
Que maravilhosos perfis todos os perfis!
Vista de frente, que cara qualquer cara!
Os gestos humanos de cada qual, que humanos os gestos!
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
Que obra-prima para um pintor possível em cada cara que existe!
Que expressões em todas, em tudo!
Que maravilhosos perfis todos os perfis!
Vista de frente, que cara qualquer cara!
Os gestos humanos de cada qual, que humanos os gestos!
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Mateus, 26, 26 - MANUEL ANTÓNIO PINA
Tomai, este é o meu corpo:
formas e símbolos.
Fora de mim, o meu reino
desmembra-se dentro de mim.
E o que fala falta-me
dentro do coração.
E estou sozinho fora de mim
como um coração fora de mim.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
formas e símbolos.
Fora de mim, o meu reino
desmembra-se dentro de mim.
E o que fala falta-me
dentro do coração.
E estou sozinho fora de mim
como um coração fora de mim.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Primavera - DULCE ANTUNES
Vou pintar meu coração de púrpura
De rosas a florir
Cheiro a âmbar
Neste amarelo que pontilha a paisagem
Rosas bravias,
Nascem na minha alma.
Campos imensos por rios cortados
A mesma cor púrpura
Cumes, vales
Paisagem de âmbar
Cheiro a pinheiro
Púrpura
Vou a minha alma pinta.
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
De rosas a florir
Cheiro a âmbar
Neste amarelo que pontilha a paisagem
Rosas bravias,
Nascem na minha alma.
Campos imensos por rios cortados
A mesma cor púrpura
Cumes, vales
Paisagem de âmbar
Cheiro a pinheiro
Púrpura
Vou a minha alma pinta.
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
XII - ALBERTO CAEIRO
Os pastores de Virgílio tocavam avenas e outras cousas
E cantavam de amor literariamente
(Dizem - eu nunca li Virgílio.
para que o havia eu de ler?).
Mas os pastores de Virgílio, coitados, são Virgílio,
E a Natureza é bela e Antiga.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
E cantavam de amor literariamente
(Dizem - eu nunca li Virgílio.
para que o havia eu de ler?).
Mas os pastores de Virgílio, coitados, são Virgílio,
E a Natureza é bela e Antiga.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Panorama - MIGUEL TORGA
Pátria vista da fraga onde nasci.
Que infinito silêncio circular!
De cada ponto cardeal assoma
A mesma expressão muda.
É de agora ou de sempre esta paisagem
Sem palavras,
Sem gritos,
Sem o eco sequer duma praga incontida?
Ah! Portugal calado!
Ah! povo amordaçado
Por não sei que mordaça consentida!
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Que infinito silêncio circular!
De cada ponto cardeal assoma
A mesma expressão muda.
É de agora ou de sempre esta paisagem
Sem palavras,
Sem gritos,
Sem o eco sequer duma praga incontida?
Ah! Portugal calado!
Ah! povo amordaçado
Por não sei que mordaça consentida!
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
domingo, 19 de fevereiro de 2012
Visão doze - JAIME ROCHA
mas o pedreiro afirmava que se temia
essa verdade como se ela pudesse
fulminar o anjo. Porque tudo se passa
afinal nesse dólmen e é lá que estão escritos
os nomes das árvores e dos venenos.
Quando a maré encheu, o homem reparou
a muralha com as mãos de quem edifica
o paraíso. Porque ali poisavam
os cabelos e as saias da mulher e era ali
que o seu corpo haveria de ser tomado
pelas forças da rocha.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
essa verdade como se ela pudesse
fulminar o anjo. Porque tudo se passa
afinal nesse dólmen e é lá que estão escritos
os nomes das árvores e dos venenos.
Quando a maré encheu, o homem reparou
a muralha com as mãos de quem edifica
o paraíso. Porque ali poisavam
os cabelos e as saias da mulher e era ali
que o seu corpo haveria de ser tomado
pelas forças da rocha.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
sábado, 18 de fevereiro de 2012
Auto-retrato - NATÁLIA CORREIA
Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
25 - RICARDO REIS
Em Ceres anoitece.
Nos píncaros ainda
Faz luz.
Sinto-me tão grande
Nesta hora solene
E vã
Que, assim como há deuses
Dos campos, das flores
Das searas,
Agora eu quisera
Que um deus existisse
De mim.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
Nos píncaros ainda
Faz luz.
Sinto-me tão grande
Nesta hora solene
E vã
Que, assim como há deuses
Dos campos, das flores
Das searas,
Agora eu quisera
Que um deus existisse
De mim.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Com letras de sangue - MANUEL ALEGRE
De súbito três tiros na memória.
Apagaram-se as luzes. Noite. Noite.
De súbito três tiros nas palavras
um poeta calou-se apagou-se a canção.
De súbito um poema foi bombardeado
um poeta fechou-se nas vogais
cercado por consoantes que talvez
caminhassem cantando para um verso.
Eram granadas? Eram sílabas de fogo?
E de súbito a guerra. Noite. Noite. E um poeta
escreveu no chão: porquê?
E eram as letras do seu próprio sangue.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
Apagaram-se as luzes. Noite. Noite.
De súbito três tiros nas palavras
um poeta calou-se apagou-se a canção.
De súbito um poema foi bombardeado
um poeta fechou-se nas vogais
cercado por consoantes que talvez
caminhassem cantando para um verso.
Eram granadas? Eram sílabas de fogo?
E de súbito a guerra. Noite. Noite. E um poeta
escreveu no chão: porquê?
E eram as letras do seu próprio sangue.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Regresso - RUY BELO
Não não mereço esta hora
eu que todo o dia fui habitado por tantas vozes
que exerci o comércio num mercado de palavras
Não mereço este frio este cheiro tudo isto
tão antigo como os meus olhos
talvez mesmo mais antigo que os meus olhos
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
eu que todo o dia fui habitado por tantas vozes
que exerci o comércio num mercado de palavras
Não mereço este frio este cheiro tudo isto
tão antigo como os meus olhos
talvez mesmo mais antigo que os meus olhos
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
22 - ÁLVARO DE CAMPOS
Ora porra!
Então a imprensa portuguesa é
que é a imprensa portuguesa?
Então é esta merda que temos
que beber com os olhos?
Filhos da puta! Não, que nem
há puta que os parisse.
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
Então a imprensa portuguesa é
que é a imprensa portuguesa?
Então é esta merda que temos
que beber com os olhos?
Filhos da puta! Não, que nem
há puta que os parisse.
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Voyager - MANUEL ANTÓNIO PINA
Um instante, um só instante,
do azul ao vermelho, da música ao fogo!
Por que não encontra o sangue o seu lugar
entre os dispersos mundos?
Perde o viajante
o caminho de regresso.
No cristal do coração
que nenhum sono embacia,
fulgem imagens de imagens
de frios sonhos desfeitos.
algum país voltado para fora
lhe abrirá as vastas portas
e ele repousará enfim
sem noite e sem memória.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
do azul ao vermelho, da música ao fogo!
Por que não encontra o sangue o seu lugar
entre os dispersos mundos?
Perde o viajante
o caminho de regresso.
No cristal do coração
que nenhum sono embacia,
fulgem imagens de imagens
de frios sonhos desfeitos.
algum país voltado para fora
lhe abrirá as vastas portas
e ele repousará enfim
sem noite e sem memória.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 12 de fevereiro de 2012
Manhã - DULCE ANTUNES
Manhã gelada
Imensas estrelas no céu
Frio cortante que atravessa a alma
Cheira a Outono
Manhã gelada
Alma vai abrindo
Como rosa que desabrocha.
Sobre o teu olhar
Meu rosto a palavra
Manhã gelada
Gotas de orvalho pelos roseirais
Lírios acordam do sono profundo
Cheiros a cravos nesta imensidão
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
Imensas estrelas no céu
Frio cortante que atravessa a alma
Cheira a Outono
Manhã gelada
Alma vai abrindo
Como rosa que desabrocha.
Sobre o teu olhar
Meu rosto a palavra
Manhã gelada
Gotas de orvalho pelos roseirais
Lírios acordam do sono profundo
Cheiros a cravos nesta imensidão
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
sábado, 11 de fevereiro de 2012
X - ALBERTO CAEIRO
«Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?»
«Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que diz?»
Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram.»
«Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti.»
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?»
«Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que diz?»
Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram.»
«Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti.»
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
Mar sonoro - MIGUEL TORGA
rumor das ondas, música salgada,
Eterna sinfonia
Da energia
Inquieta:
Que búzio te ressoa a nostalgia,
Além do meu ouvido de poeta?
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Eterna sinfonia
Da energia
Inquieta:
Que búzio te ressoa a nostalgia,
Além do meu ouvido de poeta?
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Visão onze - JAIME ROCHA
A mulher voltara para se vingar.
Conseguira convencer o anjo
de que não haveria a esperar das mãos
do homem mais do que uma maldição.
E foi por isso que o musgo das criaturas
desapareceu engolido pelo dólmen.
Contou o pedreiro que se sentia o mastigar
demorado da pedra, o triturar dos ossos
por finas mandíbulas. E toda a gente sabia
como eram os sacrifícios dos cordeiros,
o cheiro do sangue e as plantações.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
Conseguira convencer o anjo
de que não haveria a esperar das mãos
do homem mais do que uma maldição.
E foi por isso que o musgo das criaturas
desapareceu engolido pelo dólmen.
Contou o pedreiro que se sentia o mastigar
demorado da pedra, o triturar dos ossos
por finas mandíbulas. E toda a gente sabia
como eram os sacrifícios dos cordeiros,
o cheiro do sangue e as plantações.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Mãos feridas na porta dum silêncio - NATÁLIA CORREIA
Vida que às costas me levas
porque não dás um corpo às tuas trevas?
Porque não dás um som àquela voz
que quer rasgar o teu silêncio em nós?
Porque não dás à pálpebra que pede
aquele olhar que em ti se perde?
Porque não dás vestidos à nudez
que só tu vês?
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
porque não dás um corpo às tuas trevas?
Porque não dás um som àquela voz
que quer rasgar o teu silêncio em nós?
Porque não dás à pálpebra que pede
aquele olhar que em ti se perde?
Porque não dás vestidos à nudez
que só tu vês?
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
23 - RICARDO REIS
Aqui, sem outro Apolo do que Apolo,
Sem um suspiro abandonemos Cristo
E a febre de buscarmos
Um deus dos dualismos.
E longe da cristã sensualidade
Que a casta calma da beleza antiga
Nos restitua o antigo
Sentimento da vida.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
Sem um suspiro abandonemos Cristo
E a febre de buscarmos
Um deus dos dualismos.
E longe da cristã sensualidade
Que a casta calma da beleza antiga
Nos restitua o antigo
Sentimento da vida.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Sobre um mote de Camões - MANUEL ALEGRE
Se me desta terra for
eu vos levarei amor.
Nem amor deixo na terra
que deixando levarei.
Deixo a dor de te deixar
na terra onde amor não vive
na que levar levarei
amor onde só dor tive.
Nem amor pode ser livre
se não há na terra amor.
Deixo a dor de não levar
a dor de onde amor não vive.
E levo a terra que deixo
onde deixo a dor que tive.
Na que levar levarei
este amor que é livre livre.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
eu vos levarei amor.
Nem amor deixo na terra
que deixando levarei.
Deixo a dor de te deixar
na terra onde amor não vive
na que levar levarei
amor onde só dor tive.
Nem amor pode ser livre
se não há na terra amor.
Deixo a dor de não levar
a dor de onde amor não vive.
E levo a terra que deixo
onde deixo a dor que tive.
Na que levar levarei
este amor que é livre livre.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
domingo, 5 de fevereiro de 2012
Canção do lavrador - RUY BELO
Meus versos lavro-os ao rubro
neste página de terra
que abro em lábios. Descubro-
-lhe a voz que no fundo encerra
Os versos que faço sou-os
A relha rasga-me a vida
e amarra os sonhos de voos
que eu tinha à terra ferida
Poema que mais que escrevo
devo-te em vida. No húmus
a regos simples eu levo
os meus desvairados rumos
Mas mais que poema meu
(que eu nunca soube palavra)
isto que dispo sou eu
Poeta não escrevas lavra
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
neste página de terra
que abro em lábios. Descubro-
-lhe a voz que no fundo encerra
Os versos que faço sou-os
A relha rasga-me a vida
e amarra os sonhos de voos
que eu tinha à terra ferida
Poema que mais que escrevo
devo-te em vida. No húmus
a regos simples eu levo
os meus desvairados rumos
Mas mais que poema meu
(que eu nunca soube palavra)
isto que dispo sou eu
Poeta não escrevas lavra
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 4 de fevereiro de 2012
21 - ÁLVARO DE CAMPOS
Arre, que tanto é muito pouco!
Arre, que tanta besta é muito pouca gente!
Arre, que o Portugal que se vê é só isto!
Deixem ver o Portugal que não deixam ver!
Deixem que se veja, que esse é que é Portugal!
Ponto.
Agora começa o Manifesto:
Arre!
Arre!
Oiçam bem:
ARRRRRE!
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
Arre, que tanta besta é muito pouca gente!
Arre, que o Portugal que se vê é só isto!
Deixem ver o Portugal que não deixam ver!
Deixem que se veja, que esse é que é Portugal!
Ponto.
Agora começa o Manifesto:
Arre!
Arre!
Oiçam bem:
ARRRRRE!
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
Os tigres de Tosamurai-no-ma - MANUEL ANTÓNIO PINA
Ninguém os vira antes, nem Naonobu,
emboscados na matéria da madeira
inexistindo puros e interiores.
Capturados pela astúcia do carmim
e do oiro na cerimónia da pintura
correm imóveis entre as cerejeiras.
Os seus olhos impacientes
presos do lado de fora
fitam com ira os turistas.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
emboscados na matéria da madeira
inexistindo puros e interiores.
Capturados pela astúcia do carmim
e do oiro na cerimónia da pintura
correm imóveis entre as cerejeiras.
Os seus olhos impacientes
presos do lado de fora
fitam com ira os turistas.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Punhais - DULCE ANTUNES
Tuas palavras são como punhais
Rasgam o meu coração
Despedaçam o que resta da minha alma
Na profundidade do meu ser
Sinto a tua dor
Não te odeio
Componho-te uma canção
E os teus dedos escorregam pelas teclas de um piano
Ouço esta melodia e danço ao som das minhas lágrimas
Deixo-me embalar
E continuas a criar muros à tua volta
Muros esses que eu derrubo com doces palavras
E sons de melodias que me adormecem
No conforto da solidão
Não te odeio
Apenas bailo ao som da minha agonia.
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
Rasgam o meu coração
Despedaçam o que resta da minha alma
Na profundidade do meu ser
Sinto a tua dor
Não te odeio
Componho-te uma canção
E os teus dedos escorregam pelas teclas de um piano
Ouço esta melodia e danço ao som das minhas lágrimas
Deixo-me embalar
E continuas a criar muros à tua volta
Muros esses que eu derrubo com doces palavras
E sons de melodias que me adormecem
No conforto da solidão
Não te odeio
Apenas bailo ao som da minha agonia.
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
O eco de mil sinos de prata - ANA HATHERLY
O eco de mil sinos de prata
emudece
ante o labor da aranha
O tempo emudece
na cegueira do ar
na sua geografia nula
Que queres de mim
matéria insensível?
Nas coisas conhecidas
o verbo ser emudece
EM - O PAVÃO NEGRO - ANA HATHERLY - ASSÍRIO & ALVIM
emudece
ante o labor da aranha
O tempo emudece
na cegueira do ar
na sua geografia nula
Que queres de mim
matéria insensível?
Nas coisas conhecidas
o verbo ser emudece
EM - O PAVÃO NEGRO - ANA HATHERLY - ASSÍRIO & ALVIM
Subscrever:
Mensagens (Atom)