Talvez seja a breve
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 31 de março de 2012
sexta-feira, 30 de março de 2012
Alentejo - MIGUEL TORGA
Terra parida,
Num parto repousado,
Por não sei que matrona natureza
De ventre desmedido,
Olho, pasmado,
A tua imensidade.
Um corpo nu, em lume ou regelado,
Que tem o rosto da serenidade.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Num parto repousado,
Por não sei que matrona natureza
De ventre desmedido,
Olho, pasmado,
A tua imensidade.
Um corpo nu, em lume ou regelado,
Que tem o rosto da serenidade.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 29 de março de 2012
Poema sete no Anfiteatro - JAIME ROCHA
A árvore, o cão, a pedra, um triângulo de ódio
saído de uma fogueira. Os homens estão vendados,
os dedos metidos em barras de ferro. Têm a carne
exposta para os muros, enquanto um leão se solta
e os persegue ao apelo de um grito. Há um homem
que aplaude vestido de vermelho. Quando ele
acena, os dedos saltam-lhe das mãos como se
fossem minúsculas bolas de bilhar espalhando-se
pela arena. O anfiteatro vive então os primeiros
dias incandescentes, sem tréguas, esmagando
cada gesto com um capacete. Ao fim de cada dia,
uma mulher com uma lâmina apanha
silenciosamente os fragmentos do cérebro e nesse
repasto o cão preto uiva enchendo-se de água.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
saído de uma fogueira. Os homens estão vendados,
os dedos metidos em barras de ferro. Têm a carne
exposta para os muros, enquanto um leão se solta
e os persegue ao apelo de um grito. Há um homem
que aplaude vestido de vermelho. Quando ele
acena, os dedos saltam-lhe das mãos como se
fossem minúsculas bolas de bilhar espalhando-se
pela arena. O anfiteatro vive então os primeiros
dias incandescentes, sem tréguas, esmagando
cada gesto com um capacete. Ao fim de cada dia,
uma mulher com uma lâmina apanha
silenciosamente os fragmentos do cérebro e nesse
repasto o cão preto uiva enchendo-se de água.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
quarta-feira, 28 de março de 2012
O livro dos amantes V - NATÁLIA CORREIA
Toma o meu corpo transparente
no que ultrapassa tua exigência taciturna.
Dou-me arrepiando em tua face
uma aragem nocturna.
Vem contemplar nos meus olhos de vidente
a morte que procuras
nos braços que te possuem para além de ter-te.
Toma-me nesta pureza com ângulos de tragédia.
Fica naquele gosto a sangue
que tem por vezes a boca da inocência.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
no que ultrapassa tua exigência taciturna.
Dou-me arrepiando em tua face
uma aragem nocturna.
Vem contemplar nos meus olhos de vidente
a morte que procuras
nos braços que te possuem para além de ter-te.
Toma-me nesta pureza com ângulos de tragédia.
Fica naquele gosto a sangue
que tem por vezes a boca da inocência.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
terça-feira, 27 de março de 2012
96 - RICARDO REIS
Concentra-te, e serás sereno e forte;
mas concentra-te fora de ti mesmo.
Não sê mais para ti que o pedestal
No qual ergas a státua do teu ser.
Tudo mais empobrece, porque é pobre.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
mas concentra-te fora de ti mesmo.
Não sê mais para ti que o pedestal
No qual ergas a státua do teu ser.
Tudo mais empobrece, porque é pobre.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 26 de março de 2012
A dor do silêncio - LUÍS FERREIRA
O silêncio dói nos teus olhos recolhidos,
Entre as folhas deixadas ao abandono,
Perdidas na memória de outras primaveras,
Na face da noite de um rosto.
Deixei de ouvir os teus passos,
Vagueando na alegria do pomar,
Bebendo dos orvalhos da manhã,
Calando os pássaros nos seus ninhos,
Perdidos nas nesgas de luz.
O silêncio dói, corrompe o peito
Como ácido que destrói os sentidos,
Mesmo na paz... o tormento
Partindo a tua voz nas asas do vento,
Enchendo o céu de verdades tristes.
O silêncio dói, matando as palavras
Calando a fonte que jorra das bocas ávidas
Apedrejando os frutos do peito
Que um dia... alimentaram a nossa vida.
EM - ROSAS & ESPINHOS - LUÍS FERREIRA - TEMAS ORIGINAIS
Entre as folhas deixadas ao abandono,
Perdidas na memória de outras primaveras,
Na face da noite de um rosto.
Deixei de ouvir os teus passos,
Vagueando na alegria do pomar,
Bebendo dos orvalhos da manhã,
Calando os pássaros nos seus ninhos,
Perdidos nas nesgas de luz.
O silêncio dói, corrompe o peito
Como ácido que destrói os sentidos,
Mesmo na paz... o tormento
Partindo a tua voz nas asas do vento,
Enchendo o céu de verdades tristes.
O silêncio dói, matando as palavras
Calando a fonte que jorra das bocas ávidas
Apedrejando os frutos do peito
Que um dia... alimentaram a nossa vida.
EM - ROSAS & ESPINHOS - LUÍS FERREIRA - TEMAS ORIGINAIS
domingo, 25 de março de 2012
Lágrimas azuis - MANUEL ALEGRE
Fecha os teus olhos que me fazem mal.
Que por vê-los me nasce aquela mágoa
feita de sal e mar que não é água
senão a dor azul de Portugal.
Que por vê-los as pérolas de sal
dos teus olhos são lágrimas que provo
que por vê-los eu vi chorar meu povo
as lágrimas azuis de Portugal.
Fecha os teus olhos que em Paris não cabe
todo o luar que tem essa tristeza
que nos teus olhos voa e não é ave
nem vento ou flor. Só lágrimas de sal.
Que são frutos da terra portuguesa
teus olhos: lágrimas de Portugal.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
Que por vê-los me nasce aquela mágoa
feita de sal e mar que não é água
senão a dor azul de Portugal.
Que por vê-los as pérolas de sal
dos teus olhos são lágrimas que provo
que por vê-los eu vi chorar meu povo
as lágrimas azuis de Portugal.
Fecha os teus olhos que em Paris não cabe
todo o luar que tem essa tristeza
que nos teus olhos voa e não é ave
nem vento ou flor. Só lágrimas de sal.
Que são frutos da terra portuguesa
teus olhos: lágrimas de Portugal.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
sábado, 24 de março de 2012
Compreensão da árvore - RUY BELO
A tua voz edifica-me sílaba a sílaba
e é árvore desde as raízes aos ramos
Cantas em mim a primavera breve tempo
e depois os pássaros irão
povoar de ti novas solidões
E eu sentirei na fronte permanentemente
o sudário levemente branco do teu grande silêncio
ó canção ó país ó cidade sonhada
dominicalmente aberta ao mar que por fim pousas
na fímbria desta tua superfície
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
e é árvore desde as raízes aos ramos
Cantas em mim a primavera breve tempo
e depois os pássaros irão
povoar de ti novas solidões
E eu sentirei na fronte permanentemente
o sudário levemente branco do teu grande silêncio
ó canção ó país ó cidade sonhada
dominicalmente aberta ao mar que por fim pousas
na fímbria desta tua superfície
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 23 de março de 2012
62 - ÁLVARO DE CAMPOS
Ver as coisas até ao fundo...
E se as coisas não tiverem fundo?
Ah, que bela a superfície!
Talvez a superfície seja a essência
E o mais que a superfície seja o mais que tudo
E o mais que tudo não é nada.
Ó face do mundo, só tu, de todas as faces,
És a própria alma que reflectes
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
E se as coisas não tiverem fundo?
Ah, que bela a superfície!
Talvez a superfície seja a essência
E o mais que a superfície seja o mais que tudo
E o mais que tudo não é nada.
Ó face do mundo, só tu, de todas as faces,
És a própria alma que reflectes
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 22 de março de 2012
XIII - ALBERTO CAEIRO
Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve,
E eu não sei o que penso
nem procuro sabê-lo.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve,
E eu não sei o que penso
nem procuro sabê-lo.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 21 de março de 2012
Chico - MANUEL ANTÓNIO PINA
Talvez não fosses forte
para a felicidade,
nem para o medo.
Olha as pessoas felizes:
ocultam-se na felicidade
como em casa, erguem
muros, fecham janelas,
o medo
é a sua fortaleza.
O que disputam à morte
é maior que elas,
a morte não lhes basta.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
para a felicidade,
nem para o medo.
Olha as pessoas felizes:
ocultam-se na felicidade
como em casa, erguem
muros, fecham janelas,
o medo
é a sua fortaleza.
O que disputam à morte
é maior que elas,
a morte não lhes basta.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 20 de março de 2012
Coluna - MIGUEL TORGA
Paralelo ao destino
Inteiro ou mutilado
Doutros irmãos,
O fuste, a prumo, vai da terra ao céu,
Da base ao capitel.
Os dentes do cinzel
E a mão crispada
Deixaram no granito
A imagem figurada
Dum sobranceiro grito
Da condição humana,
Erguido na planície alentejana.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Inteiro ou mutilado
Doutros irmãos,
O fuste, a prumo, vai da terra ao céu,
Da base ao capitel.
Os dentes do cinzel
E a mão crispada
Deixaram no granito
A imagem figurada
Dum sobranceiro grito
Da condição humana,
Erguido na planície alentejana.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
segunda-feira, 19 de março de 2012
Visão trinta e cinco - JAIME ROCHA
Desapareceria por detrás dos legumes
como um pássaro inventado pelo pedreiro,
já sem asas, mas com um fôlego de ave,
capaz de tapar o universo com o bico
e de engolir todo o pensamento conseguido
até hoje pelos homens. Uma mulher com
uma guilhotina no berço e um choro próprio,
esperando que os construtores do mundo
saíssem da terra para conquistar a água
e o fogo e fazerem da peste um outro
modo de resistir ao tempo.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
como um pássaro inventado pelo pedreiro,
já sem asas, mas com um fôlego de ave,
capaz de tapar o universo com o bico
e de engolir todo o pensamento conseguido
até hoje pelos homens. Uma mulher com
uma guilhotina no berço e um choro próprio,
esperando que os construtores do mundo
saíssem da terra para conquistar a água
e o fogo e fazerem da peste um outro
modo de resistir ao tempo.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
domingo, 18 de março de 2012
O livro dos amantes III - NATÁLIA CORREIA
Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
sábado, 17 de março de 2012
62 - RICARDO REIS
Pequena vida consciente, sempre
Da repetida imagem perseguida
Do fim inevitável, a cada hora
Sentindo-se mudada,
E, como Orfeu volvendo à vinda esposa
O olhar algoz, para o passado erguendo
A memória pra em mágoas o apagar
No báratro da mente.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
Da repetida imagem perseguida
Do fim inevitável, a cada hora
Sentindo-se mudada,
E, como Orfeu volvendo à vinda esposa
O olhar algoz, para o passado erguendo
A memória pra em mágoas o apagar
No báratro da mente.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 16 de março de 2012
Nuvens - LUÍS FERREIRA
Na calma, deslizam nuvens encantadas
Que preenchem o meu pensamento,
Vagueando sem fronteiras...
Tomando o espaço vazio, num cheio...
Germinando deslumbrantes sentimentos.
Suave é o deslizar,
Absorvendo o meu olhar sedento de palavras
Nos versos que cultivo na seara dos sonhos
Doce algodão, onde me deito
Com a minha alma soltando-se ao vento
Até onde a imaginação me levar.
Na calma, deslizam nuvens encantadas
Nasce a dúvida que sempre tenho...
Que transportam elas nas suas asas?
Segredos deslumbrantes do infinito, talvez!
Com elas viajo...
Viajo na imensidão,
Nessa estrada além do firmamento...
Deixando fluir as emoções que nascem em mim.
EM - ROSAS & ESPINHOS - LUÍS FERREIRA - TEMAS ORIGINAIS
Que preenchem o meu pensamento,
Vagueando sem fronteiras...
Tomando o espaço vazio, num cheio...
Germinando deslumbrantes sentimentos.
Suave é o deslizar,
Absorvendo o meu olhar sedento de palavras
Nos versos que cultivo na seara dos sonhos
Doce algodão, onde me deito
Com a minha alma soltando-se ao vento
Até onde a imaginação me levar.
Na calma, deslizam nuvens encantadas
Nasce a dúvida que sempre tenho...
Que transportam elas nas suas asas?
Segredos deslumbrantes do infinito, talvez!
Com elas viajo...
Viajo na imensidão,
Nessa estrada além do firmamento...
Deixando fluir as emoções que nascem em mim.
EM - ROSAS & ESPINHOS - LUÍS FERREIRA - TEMAS ORIGINAIS
quinta-feira, 15 de março de 2012
É preciso um país - MANUEL ALEGRE
Não mais Alcácer-Quibir.
É preciso voltar a ter uma raiz
um chão para lavrar
um chão para florir.
É preciso um país.
Não mais navios a partir
para o país da ausência.
É preciso voltar ao ponto de partida
é preciso ficar e descobrir
a pátria onde foi traída
não só a independência
mas a vida.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
É preciso voltar a ter uma raiz
um chão para lavrar
um chão para florir.
É preciso um país.
Não mais navios a partir
para o país da ausência.
É preciso voltar ao ponto de partida
é preciso ficar e descobrir
a pátria onde foi traída
não só a independência
mas a vida.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
quarta-feira, 14 de março de 2012
Quanto morre um homem - RUY BELO
Quando eu um dia decisivamente voltar a face
daquelas coisas que só de perfil contemplei
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração e na cidade?
Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem
no brilho de olhos lavados nas quatro estações?
Quando toda a alegria for clandestina
alguém te dobrará em cada esquina?
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
daquelas coisas que só de perfil contemplei
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração e na cidade?
Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem
no brilho de olhos lavados nas quatro estações?
Quando toda a alegria for clandestina
alguém te dobrará em cada esquina?
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 13 de março de 2012
43 - ÁLVARO DE CAMPOS
Duas horas e meia da madrugada. Acordo e adormeço.
Houve em mim um momento de vida diferente entre sono e sono.
Se ninguém condecora o sol por dar luz,
Para que condecoram quem é herói?
Durmo com a mesma razão com que acordo
E é no intervalo que existo.
Nesse momento em que acordei, dei por todo o mundo -
Uma grande noite incluindo tudo
Só para fora
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
Houve em mim um momento de vida diferente entre sono e sono.
Se ninguém condecora o sol por dar luz,
Para que condecoram quem é herói?
Durmo com a mesma razão com que acordo
E é no intervalo que existo.
Nesse momento em que acordei, dei por todo o mundo -
Uma grande noite incluindo tudo
Só para fora
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 12 de março de 2012
XI - ALBERTO CAEIRO
Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...
Para que é preciso ter um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...
Para que é preciso ter um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.
EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 11 de março de 2012
Nenhuma música - MANUEL ANTÓNIO PINA
«O gato olha-me
ou o meu olhar olhando-o?
E eu o que vejo senão
a mesma Única solidão?
Chamo-o pelo nome,
pela oposição.
Em vão:
sou eu quem responde.
Virou-se e saltou
para o parapeito
real e perfeito,
sem nome e sem corpo.
(Também eu estou,
como ele, morto).»
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
ou o meu olhar olhando-o?
E eu o que vejo senão
a mesma Única solidão?
Chamo-o pelo nome,
pela oposição.
Em vão:
sou eu quem responde.
Virou-se e saltou
para o parapeito
real e perfeito,
sem nome e sem corpo.
(Também eu estou,
como ele, morto).»
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 10 de março de 2012
Outono - MIGUEL TORGA
Tarde pintada
por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
sexta-feira, 9 de março de 2012
Visão trinta e quatro - JAIME ROCHA
Um mar onde os monstros se fossem desfazendo
e, depois, no meio dos barcos, renascessem com
uma outra luz, respondendo a um sinal. Nesse
momento o homem cortaria as mãos, logo após
ter serrado minuciosamente o corpo de centenas
de gaivotas, deitadas sobre a praia,
presas por um fio a uma âncora. A mulher
dançaria nas muralhas de um farol no centro
desse foco luminoso, espalharia as roupas
pela água ou desapareceria no vento.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
e, depois, no meio dos barcos, renascessem com
uma outra luz, respondendo a um sinal. Nesse
momento o homem cortaria as mãos, logo após
ter serrado minuciosamente o corpo de centenas
de gaivotas, deitadas sobre a praia,
presas por um fio a uma âncora. A mulher
dançaria nas muralhas de um farol no centro
desse foco luminoso, espalharia as roupas
pela água ou desapareceria no vento.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
quinta-feira, 8 de março de 2012
O livro dos amantes II - NATÁLIA CORREIA
Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
quarta-feira, 7 de março de 2012
47 - RICARDO REIS
Mas dia a dia
Com lapso gradual vai hora a hora
A vida vã tornando-se mais fria,
vai descorando a face,
E a alma, acompanhando
Ah, saibamos mostrar
À vida a força de a aceitar,
Indiferentes tanto
Ao riso como ao pranto,
E, spectadores de nós próprios, nada
Na nossa consciência elucidada.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
Com lapso gradual vai hora a hora
A vida vã tornando-se mais fria,
vai descorando a face,
E a alma, acompanhando
Ah, saibamos mostrar
À vida a força de a aceitar,
Indiferentes tanto
Ao riso como ao pranto,
E, spectadores de nós próprios, nada
Na nossa consciência elucidada.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 6 de março de 2012
Lar doce lar - LUÍS FERREIRA
Erguemos os dois a casa,
Entre todos os mimos e todos os beijos
Eu morri em teus braços,
Enquanto tu morreste nos meus versos.
Os lábios semearam flores
Que pigmentaram de vermelho o jardim,
O teu corpo perfumou o átrio,
Dando calor aos poemas que escrevi.
No cetim dos teus cabelos,
Demos vida à morada...
Enlouquecemos entre os dedos,
Pintando o nosso nome nas paredes,
Que encheram todo o espaço.
Abraçados construímos as manhãs,
Como se o tempo fosse nosso,
Folheando as páginas na tua doce pele
Na sensibilidade dos livros que escrevi.
A paixão acendeu os candeeiros
Entre juras eternas e palavras ditas
Forjando a ouro as alianças,
Neste herança das nossas vidas.
EM - ROSAS & ESPINHOS - LUÍS FERREIRA - TEMAS ORIGINAIS
Entre todos os mimos e todos os beijos
Eu morri em teus braços,
Enquanto tu morreste nos meus versos.
Os lábios semearam flores
Que pigmentaram de vermelho o jardim,
O teu corpo perfumou o átrio,
Dando calor aos poemas que escrevi.
No cetim dos teus cabelos,
Demos vida à morada...
Enlouquecemos entre os dedos,
Pintando o nosso nome nas paredes,
Que encheram todo o espaço.
Abraçados construímos as manhãs,
Como se o tempo fosse nosso,
Folheando as páginas na tua doce pele
Na sensibilidade dos livros que escrevi.
A paixão acendeu os candeeiros
Entre juras eternas e palavras ditas
Forjando a ouro as alianças,
Neste herança das nossas vidas.
EM - ROSAS & ESPINHOS - LUÍS FERREIRA - TEMAS ORIGINAIS
segunda-feira, 5 de março de 2012
E o bosque se fez barco - MANUEL ALEGRE
Já meu país foi uma flor de verde pinho.
País em terra. (E semeá-lo uma aventura).
Depois abriu-se o mar como um caminho.
Depois o bosque se fez barco e o barco arado
dessa nova e fatal agricultura:
colher no mar o fruto nunca semeado.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
País em terra. (E semeá-lo uma aventura).
Depois abriu-se o mar como um caminho.
Depois o bosque se fez barco e o barco arado
dessa nova e fatal agricultura:
colher no mar o fruto nunca semeado.
EM - POESIA I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE
domingo, 4 de março de 2012
39 - ÁLVARO DE CAMPOS
Ah, as horas indecisas em que a minha vida parece de um outro...
As horas do crepúsculo no terraço dos cafés cosmopolitas!
Na hora de olhos húmidos em que se acendem as luzes
E o cansaço sabe vagamente a uma febre passada.
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
As horas do crepúsculo no terraço dos cafés cosmopolitas!
Na hora de olhos húmidos em que se acendem as luzes
E o cansaço sabe vagamente a uma febre passada.
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 3 de março de 2012
O beijo - ALEXANDRE O'NEILL
Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.
Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
mandado de captura ou de despejo?
É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.
E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.
Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
mandado de captura ou de despejo?
É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.
E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 2 de março de 2012
É tão bom ser criança... - ISABEL REIS
É tão bom ser criança,
E viver de sonhos e sorrisos,
Que brotam no seio dos improvisos,
De amores que chegam sem avisos,
Sem tão pouco bater à porta,
Seja ela direita ou torta...
É tão bom ser criança,
E abraçar o mundo inteiro de uma só vez,
Como se fosse o Reino do "Era uma vez",
Como se a vida se fizesse toda num segundo,
Como se se pudesse ser dono do mundo,
No momento em que se conta aquela história,
Cheia de amor e de glória,
Onde cada sonhos é uma vitória...
É tão bom ser criança,
E beijar como quem dança,
E sonhar nas asas da confiança,
P'ra sentir o gosto doce da esperança...
EM - POR UM SORRISO - ANTOLOGIA - TEMAS ORIGINAIS
E viver de sonhos e sorrisos,
Que brotam no seio dos improvisos,
De amores que chegam sem avisos,
Sem tão pouco bater à porta,
Seja ela direita ou torta...
É tão bom ser criança,
E abraçar o mundo inteiro de uma só vez,
Como se fosse o Reino do "Era uma vez",
Como se a vida se fizesse toda num segundo,
Como se se pudesse ser dono do mundo,
No momento em que se conta aquela história,
Cheia de amor e de glória,
Onde cada sonhos é uma vitória...
É tão bom ser criança,
E beijar como quem dança,
E sonhar nas asas da confiança,
P'ra sentir o gosto doce da esperança...
EM - POR UM SORRISO - ANTOLOGIA - TEMAS ORIGINAIS
quinta-feira, 1 de março de 2012
Morada - MANUEL ANTÓNIO PINA
Sozinho na grande cama,
perdido nos seus frios corredores,
ouço, de quartos interiores,
a tua voz que me chama.
Do fundo da noite enorme
onde pouso a cabeça por fora
a tua voz de alguém acorda-me
como num sono insone.
Como se a tua voz agora
antigamente me chamasse
e tudo, menos a tua voz, faltasse
fora da minha memória.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
perdido nos seus frios corredores,
ouço, de quartos interiores,
a tua voz que me chama.
Do fundo da noite enorme
onde pouso a cabeça por fora
a tua voz de alguém acorda-me
como num sono insone.
Como se a tua voz agora
antigamente me chamasse
e tudo, menos a tua voz, faltasse
fora da minha memória.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
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