segunda-feira, 27 de setembro de 2021

De passagem - DEBORA PIO

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In memorian, Lui

Em teus olhos
Havia mais morte que vida.
Assim como uma dona de casa
Que estende a roupa limpa no quintal
Em dia de chuva
foste vivendo.

Vez por outra uma placidez invadia-te as feições
Que em geral eram algo entre triste, tenso e morto,
Como as folhas que caem, ainda são folhas e podem até estar verdes
Mas já não têm vida.
Ainda me lembro
Daquela tarde em que, juntos, olhávamos o mar, em silêncio.
Teu rosto, enigmático
De estátua sem olhos
Teu corpo, naquele usual abandono a si mesmo
A respiração, leve
Subitamente, um suspiro. Tua mão segurou a minha.
Naquele momento, foi como se tivesses despertado mas quisesses
ainda lá ficar, onde estiveras há um instante...
Depois disso, foste-te afastando. Deixei. Não havia nada a fazer.
Um dia, percebi que já não estavas... distância e neblina.

Muito tempo se passou
Seguimos por caminhos diferentes
Voltas e voltas, vertigens
Também o planeta deu voltas
Assim como os ponteiros do relógio
- objeto que abominavas!
Num certo fim de tarde ofereceram-me um envelope pardo
Onde havia algumas fotos
Disseram-me que era tudo o que guardaste, mais umas outras
coisinhas, como pedras e conchas

Aguardei o momento
Momento
Tu sempre odiaste o passado, raramente te referias a ele
E eis que a minha herança foram as fotos daquele dia, no mar
Eu e tu, de mãos dadas.
Tu já não habitavas entre nós
Eu não soube o que fazer
Então coloquei o disco do Albinoni para tocar.

Fica em paz, mar imenso!

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (POESIA) - COLECTÃNEA - IN-FINITA

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