segunda-feira, 25 de junho de 2018

Fantasmas de papelão - MARIA ESTRELA DO MAR

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR ADRIANA MAYRINCK

Escrevi-te tantas cartas sem nada pensar.
Escrevia por escrever, dizia por dizer, desejava sem querer
Numas falava de saudade, noutras de cansaço da idade
Quase sempre percebi que me dirigia à nossa ausência
Eu aqui, tu aí, dois fantasmas sem destino
Revoltados, rebeldes e desonrados
Aguardam a morte que lhes foi confiada

Descrentes caminhamos à procura do navio que nos há-de levar ao rio dos assombrados
Quando lá chegarmos não perguntes nada, não te esquives a nada
Guarda-te nu, morre devagar, já nada te resta, és filosofia barata
Não me ofereceste a ilha, nem tão pouco a tarde e a lua como amiga
Das tuas mãos recebi diamantes enferrujados
Estavas vazio, foste o calendário sem datas
Mereceste-me por tudo e por nada
Primeiro fui coroa de lírios perfumada
Depois um poema com espuma do punhal que se feriu nas rosas desbotadas
Como nada mais resta de uma paz maltratada
Vou deixar os escritos de como ser amada
E quando falares de amor lembra-te que a exaltação começa
Quando a rosa larga os espinhos e de mel se reveste

EM - VOZES IMPRESSAS - ANTOLOGIA - EDIÇÕES VIEIRA DA SILVA

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