Quando penso que há mais de trinta anos que publico poemas
e há trinta e seis que escrevo desta vida,
à minha volta há mais de mais vazios
de amigos mortos, poetas que estimei
(horror de folhear um livro de moradas)
ou quem mal conheci e às vezes via,
pergunto-me a mim mesmo se outros mais felizes
terão vazia a vida assim como eu.
Creio que não. A deles se reduz,
encolhe de miséria consentida,
e torna-se uma sala de visitas onde
recebem dia e noite os seus amigos novos.
Mas quem de liberdade e lealdade,
como de amor humano se viveu
fica num espaço cada vez mais vasto
onde os vivos que traíram e os mortos que morreram
tremem de ser lembrados com saudade ardente.
E o espaço fica - ah fica - e ninguém ousa
mais que espreitar a medo para dentro dele
pelas grades de um verso em que palpita a vida,
tão pura e tão ausente como quando um dia
primeiro ela vibrou num cheiro a maresia,
ascendendo das águas, luminosa,
num corpo ainda escamoso cuja pele
seria este saber de espaço e de ternura
em solidão perfeita descobrindo o amor.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA VOL IV - JORGE DE SENA - GUIMARÃES
Sem comentários:
Enviar um comentário