sexta-feira, 29 de maio de 2020

Nada digas - JOÃO DORDIO


LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Nunca me digas por onde ir. O melhor que poderás
dizer é... Não voes por aí! Mas como nunca acompanhas
o meu voo, sou eu que te digo... não fales aqui porque
não te ouço! Quando voo, não ouço ninguém. Apenas
escrevo. E como nunca acompanhas a minha escrita,
não mexas os lábios! Recebe o meu beijo, recebe o meu
corpo. A minha alma deixa-a comigo, disfarçada de
letras, disfarçada de asas com penas mágicas, tantas vezes
molhadas pelo líquido da garrafa de vinho... Também ele
disfarçado de chuva.
Não me digas por onde ir. O melhor que poderás fazer é
ler-me, usar o meu corpo para os teus e os meus delírios
físicos e carnais. E nada mais! Nunca me acompanharás!
Tenho surdez para tudo dos humanos!
Tenho cegueira para tudo o que se disfarça de roupa,
pele, osso e músculos!
Se nem os deuses me acompanham, o que posso
esperar?...
Continuo a escrever. Com a alma que me move. Com
a essência que me molda. Com um corpo apenas para
segurar a caneta e uma folha por onde me devolvo...
Nem os olhos que olham para as letras são normais!
Nem os dedos que seguram aquela caneta são normais!
Nem as folhas já são brancas! Mesmo assim continuo a
tentar juntar letras...
Sem ligar para o que me dizem. Sem amar o que o
corpo abraça. Voando pela noite dentro por onde a alma
ordena e o álcool ainda permite...
Porque, sem os deuses o evitarem, devolvo-me todas as
noites à alucinação e à alcoolémia, as minhas amantes
preferidas dessa alma intemporal...

EM - TOCA A ESCREVER - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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