segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Entro na câmara...* - ANTÓNIO RAMOS ROSA

Entro na câmara escura da oficina vegetal
onde fosforescem os olhos de uma terra vermelha
Com verdes materiais trabalho as sílabas negras
Toco as ancas múltiplas da rapariga marinha
É uma pedra solar sólida e delicada
Mergulho no sangue e no perfume dos navios
Há uma frase que ondula como a cabeleira do vento
e um frémito de fibras sob uma porta enterrada
E as palavras têm dentes que atravessam os ossos
ou traçam resvalando diminutos rios
Sobre a palma da mão cintila o pólen das lâmpadas

EM - DELTA/PELA PRIMEIRA VEZ - ANTÓNIO RAMOS ROSA - QUETZAL

domingo, 30 de janeiro de 2011

E a tua boca... - VERA L. T. SANTOS

E a tua boca a baloiçar
[me]
para dentro.
E de dentro dos meus olhos nascem lâmpadas acesas como
se fossem manhãs a
acabar em noites.

EM - CARDIO.GRAFIA - VERA L. T. SANTOS - TEMAS ORIGINAIS

sábado, 29 de janeiro de 2011

Se - JOSÉ ANTÓNIO ALMEIDA

Se tiver medo, não posso
atravessar esse bosque,

todas as copas das árvores
hão-de ladrar aos meus pés.

Até a lua por certo
com veneno cor do leite

à socapa vem morder-me
na ponta do calcanhar.

Se tiver medo, não posso
atravessar esse bosque,

as ervas hão-de ceifar-me
antes mesmo de morrer.

EM - OBSESSÃO - JOSÉ ANTÓNIO ALMEIDA - &ETC

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Velhice - EDUARDA CHIOTE

Ignorantes
da imaginação dos dedos,
os seus usos
e carnívora voracidade
tecem de fúria
o mais agónico prazer,
toda a aflição vinda do interior
da velhice.
Mês de julho, mês de julho,
mês de corpo: mês de pele - lepra
rente às unhas de apodrecidas
folhas
que só luxúria
de moscas
delicia.

EM - NÃO ME MORRAS - EDUARDA CHIOTE - &ETC

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

GPS - DINIS H. G. NUNES

não penses na vida
olha-a de frente
espia-a
vê como ela se disfarça de utilitária
num monovolume de dor
não te aventures a ir longe sem gps.

EM - AVRYL - DINIS H. G. NUNES - POPSUL

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O meu melhor ângulo - INÊS LOURENÇO

Prefiro o agudo. Muito menos o recto
e nunca o obtuso. O raso adormenta
todas as audácias e o adjacente agrega-nos
em parede mútua e indissolúvel. Assim,
é no estreito e resguardado vértice
do agudo que apetece ficar, abrigada
do rotundo e celebrado círculo.

EM - COISAS QUE NUNCA - INÊS LOURENÇO - &ETC

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A vida... - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO

A vida é uma passagem...
Qual rio que se atravessa,
Para lá da outra margem.
Suave junto à represa...

Vira bravio e selvagem,
Acelera e vai depressa,
Sem reparar na paisagem,
Nem desfrutar tal beleza.

Não passando de miragem...
Qual sonho, ou qual certeza!
Castelos ou fortalezas

Que com o tempo se desfazem,
como nuvens de incerteza,
Breves, soltas, sem firmeza...

Em - CEM POEMAS... DIVERSOS - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO - TEMAS ORIGINAIS

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

As palavras e o ódio... - EDUARDO ALEIXO

As palavras são palavras.
Nuvens.
Instrumentos na mão do vento.
O vento somos nós!
Se o vento entoar a canção do amor,
As palavras serão de amor.
Se o vento entoar a canção do ódio,
As palavras serão de ódio.
As palavras de amor são visitas habituais
Na morada do meu coração.
As outras...
Não entram nele,
Nem permito que se aproximem!
Limito-me a vê-las,
Bichos rastejantes,
Na viagem de regresso!

EM - AS PALAVRAS SÃO DE ÁGUA - EDUARDO ALEIXO - CHIADO EDITORA

domingo, 23 de janeiro de 2011

Do teu corpo - HELENA ISABEL

Deixa-me fazer do teu corpo ternura
Beijo e volto a beijar
Anseio que perdura por nele... amar.
Deixa-me fazer do teu corpo constelação
Desejo e volto a desejar
Sentidos despertos por nele... divagar.
Do teu corpo faço céu
Viajo em cometa... chamo-lhe planeta
Salto de estrela em estrela
Abraço a noite... nossa realeza
Mar de saudade do qual sou réu
Navego no paquete da esperança
Oceano de tentação que me aflige
Teu corpo... tuas mãos... minha sentença
Reproduz o meu corpo numa melodia bela
Esboça-o em teu coração
Desenha-o numa tarde de Verão.
Pinta-o... de mim... faz tela.

EM - LER-TE - HELENA ISABEL - WAF

sábado, 22 de janeiro de 2011

O meu olhar - SANTA CRUZ

Há no meu olhar algo que me ilude
Parece-me conter as nuvens do céu...
Há no meu olhar algo surpreendente
Como o viajar de uma estrela cadente.

Sempre me faz tremer...
Sempre me faz pensar...
Nos abismos das minhas ilusões
quando, e para onde vai parar o meu coração.

Há no meu olhar uma saudade do tempo
Há no meu olhar um lugar de eternidade...
Quisera eu ter tantos anos como a luz
Tantos anos quanto eu precisar...

Para cruzar o túnel do tempo
Deste meu triste e eterno olhar.

EM - SILÊNCIO DOS MEUS SONHOS - SANTA CRUZ - TEMAS ORIGINAIS

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Sou acolhido...* - ANTÓNIO RAMOS ROSA

Sou acolhido numa casa de veludo e argila
onde me dás o espaço e a forma do meu corpo
ó minha semelhante de joelhos camponeses
de cintura de chuva de balanças espessas
de ardentes segredos de redondas sombras
e uma arma entre as árvores ó nascente da força!
A nossa fúria é um pacífico e lento planeta
Libertamo-nos das imagens num redondo tumulto
Aderimos à terra até ao fundo das pedras
Somos o olho verde que nos vê sem nos ver
Entre o vinho e as abelhas os frutos ardem vermelhos
e negros. O mundo mudou de cor a matéria é materna
A claridade repousa sobre a mesa das águas

EM - DELTA/PELA PRIMEIRA VEZ - ANTÓNIO RAMOS ROSA - QUETZAL

Mar - JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO

Mar,
da ousadia
de Leiria,
dói, ainda, a nostalgia,
a sangrar...

Depois do sonho que fomos,
o pesadelo que somos...

em - DO MAR E DE NÓS - JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO - TEMAS ORIGINAIS

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Um rosto de chuva... - VERA L. T. SANTOS

Um rosto de chuva de terra de mulher
repousa no luto que trago sobre os ombros
um dorso de chuva de terra de pássaro
tombado
a fixar a gente vergada ao sono.
Ouve.
A mão arfando, a protestar a queda.
Um braçado de silêncio a gritar à gente.
Um abraço que me fica para além da multidão do teu rosto.

EM - CARDIO.GRAFIA - VERA L. T. SANTOS - TEMAS ORIGINAIS

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Resposta a fala comum - JOSÉ ANTÓNIO ALMEIDA

Não, ninguém sabe, talvez
só o corvo que na torre

do relógio mora sempre,
quantos dias são precisos

para esquecer uma noite.
Da amêndoa dessa noite

outra noite há-de brotar
- mais amarga de esquecer

do que essa noite primeira.
A segunda pode em treva

tornar de luz a de origem.
Mas já no branco da lua

vem caminhando no céu
a noite número três.

EM - OBSESSÃO - JOSÉ ANTÓNIO ALMEIDA - &ETC

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Calvário lírico - EDUARDA CHIOTE

Colocas-me, no pescoço, um diagrama
de versos
e as minhas mãos estrangulam uma pérola
mais tumultuosa, aí... claramente... onde a pulsação
desordenada
convoca um perigo dulcíssimo
e nervoso.
Os meus dedos cedem, comprometidos.
Descem, procurando-me
um seio.
Resvalam sobre o ventre liso
até à lâmina de uma artéria ofegante. De noite.
São dedos masculinos, íntegros,
de uma pilhagem e beleza
fulgurantes.
A princípio indecisos, movem-se agora
precipitando a escrita
ébria de prazer. As mãos da escrita
matam... morrem.
Matam... impedindo o esperma da sua asfixia,
morrem... no desejo morto da palavra
morte.

EM - NÃO ME MORRAS - EDUARDA CHIOTE - &ETC

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A última guerra mundial - DINIS H. G. NUNES

desencadeemos uma verdadeira guerra mundial
duma vez por todas contra o ódio e a estupidez
e a mesma mão que mata implacável e brutal
salve a grandeza total que falta à mesquinhez.

EM - AVRYL - DINIS H. G. NUNES - POPSUL

domingo, 16 de janeiro de 2011

Parentesco - INÊS LOURENÇO

Além de à puta que [nos] pariu,
há quem nos mande
para a cona da [nossa] prima ou
para os cornos do [nosso] avô. Envio
arcaico do sangue e do ódio
dos homens e das mulheres,
herança de que nunca
somos deserdados.

EM - COISAS QUE NUNCA - INÊS LOURENÇO - &ETC

sábado, 15 de janeiro de 2011

A inveja... - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO

Isto de ser invejoso,
Tenha ou não tenha razão,
Seja jovem ou idoso,
É algo que todos são.

É inveja por ser famoso
Numa ou noutra situação,
Ter inveja e ser vaidoso,
Cobiça ou emulação.

Tal destrói os corações
De uma forma sorrateira,
E corrói as relações...

Há que a tal resistir,
Desta ou daquela maneira,
para que possamos sorrir...

Em - CEM POEMAS... DIVERSOS - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO - TEMAS ORIGINAIS

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Belas e úteis - EDUARDO ALEIXO

Que as palavras sejam belas
Mas que sejam úteis!...
Que os passos que dê
Sejam como arados
Na terra grata,
De grãos pesados.
Que diga casa,
Com mãos quentes
De amor
E de suor.
Que diga amada
E o vento trema de emoção
E o sol fique cheio de inveja!...

EM - AS PALAVRAS SÃO DE ÁGUA - EDUARDO ALEIXO - CHIADO EDITORA

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sou poema - HELENA ISABEL

Sentir-te aqui
Ao pé de mim
Inebriante textura de prazer
Massa corporal que me eleva
Ao mais alto ser,
À mais alta luz,
À menor força gravítica.
És volume exorbitante de loucura
Sentir-te aqui... ao pé de mim
Estás no meu ser
Respiro-te,
Transpiro-te,
E...
Irritas-me!
Meu túnel de paixão
Em ti sou poema.

EM - LER-TE - HELENA ISABEL - WAF

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Poema de uma Flor - SANTA CRUZ

Ó que menina bela e bonita como as flores
O seu rosto é belo e sereno como os amores
Ju! És a menina bonita da tua mãe em flor
Ju! És uma menina bela para os meus amores.

Ju! És a jovem mais bela do que as flores de meu jardim
Menina de mãos bonitas e sensíveis que não tem fim
És uma flor sem igual, como tu não há nos jardins
Ju! És uma linda flor, serás sempre a flor mais bonita
Para mim.

EM - SILÊNCIO DOS MEUS SONHOS - SANTA CRUZ - TEMAS ORIGINAIS

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Tanto mar! - JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO

O sonho
aconteceu em ti
e foi
ousado desafio

Num mar de angústia e medo
a vela
na esfera da distância
foi mundo

Da chama
deslumbrada de luz
ficou
a cinza que arrefece

em - DO MAR E DE NÓS - JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO - TEMAS ORIGINAIS

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Entre a pele e a pele... - VERA L. T. SANTOS

Entre a pele e a pele o naufrágio doutro corpo
na hora de partir o branco das paredes o crepúsculo suspenso
nas manhãs o
vidro fosco os corredores do corpo
eu corro
tu corróis-me

EM - CARDIO.GRAFIA - VERA L. T. SANTOS - TEMAS ORIGINAIS

domingo, 9 de janeiro de 2011

Treva - JOSÉ ANTÓNIO ALMEIDA

Amor cercado de urtiga,
olho não de corvo sábio
mas de coruja vizinha

na treva remanescente
do recanto da província
- entre cheiro de hortelã,

passa às vezes um efebo
como raro pé de trevo
de quatro folhas da sorte.

EM - OBSESSÃO - JOSÉ ANTÓNIO ALMEIDA - &ETC

sábado, 8 de janeiro de 2011

Libido - EDUARDA CHIOTE

Legaste-me
a insegurança vegetal
da floresta
e o segredo do seu fêmeo
e ardente
sono
- e a este enegrecer de sangue
puro
adicionaste ácido,
fogo, esperma...
em névoa funda
e osso.
A pele
do insecto
que voa apenas
de noite
- solta da posse e do penhor
dos lobos.

EM - NÃO ME MORRAS - EDUARDA CHIOTE - &ETC

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Coração clandestino - DINIS H. G. NUNES

trago desde menino guardado
este maldito coração
amarrotado contra o egoísmo
que bate pelos outros descompassado
e clandestino
nesta sociedade sem sumo
e só me faz sofrer
não de maus fígados
mas dos intestinos.

EM - AVRYL - DINIS H. G. NUNES - POPSUL

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Hora marcada - INÊS LOURENÇO

À hora marcada
não estarei lá. Darei uma qualquer
desculpa: gripe, viagem, confusão de
datas. Nenhuma batuta espera
por mim no estrado da orquestra, nenhuma
criança aguarda no berço
pelo alimento urgente. Nem nenhum Brel
entoará: Ce soir j'attendait Madeleine,
Madeleine ne viendra pas.

EM - COISAS QUE NUNCA - INÊS LOURENÇO - &ETC

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A família... - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO

A «Família nuclear»,
Dita de «procriação»,
É a que irá criar
Uma nova geração.

É «Família Elementar»,
Com a mesma composição,
Reduzindo até ficar
Só o par da fundação...

Tanto amor e felicidade,
com os anos vira «amizade»
Nas relações... asseguro

Que é assim que a Humanidade
Garante a continuidade
Da «Espécie», para o futuro...

Em - CEM POEMAS... DIVERSOS - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO - TEMAS ORIGINAIS

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Definição de poema - EDUARDO ALEIXO

Casa de palavras
Letras com sílabas
De janelas abertas
Aos sons e aos tons
Do riso e do beijo
Da mágoa e do pranto
Da vida e da morte
Cântico de amor
Sinfonia terrivelmente bela
Festa incrível
Hino de silêncio
Que só as aves
E as águas cantam...

EM - AS PALAVRAS SÃO DE ÁGUA - EDUARDO ALEIXO - CHIADO EDITORA

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Breizh Da Viken - HELENA ISABEL

Breizh Da Viken
Chamo-me assim na alma
No desejo e nos recantos dos meus segredos.
Breizh Da Viken
Uma fada assim me baptizou
Malfadou-me pelo coração.
Breizh Da Viken
Conhecerás as pessoas nas épocas erradas...
Poderás somente... viver momentos
Que alimentarão a seiva que percorre teu corpo.
Luto! Desejo!
Acho que é errado. Não pode ser.
Um momento?
Breizh Da Viken
Aprenderás a suplicar por momentos,
Por desejos que jamais... ou não... se realizarão.
Ontem... um feiticeiro
Diz ser da Ribeira, visitou-me...
Chegou no profundo azul do mar dos seus olhos
Muito me quiseram contar.
Disse-me:
Afoga-te, nada e mergulha.
Luta!

* Breizh Da Viken - expressão bretã que significa "bretã para toda a vida"

EM - LER-TE - HELENA ISABEL - WAF

domingo, 2 de janeiro de 2011

O sorriso - SANTA CRUZ

Sorriso! Sorrir é amar.
É dedicar-nos aos momentos mais felizes da nossa
Vida.
Por isso num momento triste da vida
Lembra-te de um lindo sorriso.

A amizade por mais curta que seja
Nunca será esquecida
Pois o amor não morre:
Ele dorme para acordar mais lindo do que nunca.
Sorri meu anjo e tem um óptimo dia.

EM - SILÊNCIO DOS MEUS SONHOS - SANTA CRUZ - TEMAS ORIGINAIS

sábado, 1 de janeiro de 2011

Aventura - JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO

No longe,
a dimensão
da tentação
era a tortura.

E o sonho
voou, menino...
Era o destino
ganhando altura!

em - DO MAR E DE NÓS - JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO - TEMAS ORIGINAIS