Tigre adormecido,
coração do dia.
Rosto semeado
de melancolia.
Noite transparente,
primavera escura.
Sombra rodeada
de mar e brancura.
Tigre adormecido.
Coração do dia.
Puro e violento
incêndio de alegria.
EM - AS PALAVRAS INTERDITAS/ATÉ AMANHÃ - EUGÉNIO DE ANDRADE - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 30 de abril de 2015
quarta-feira, 29 de abril de 2015
4 haicu - CASIMIRO DE BRITO
1
Entro no teu corpo
como quem entra no centro
da terra-mãe
7
Assim gozo a vida
do momento que passa -
amor para sempre
29
Doce o meu destino -
rezar a vida inteira
no altar do teu corpo
43
Deixas-me voltar
às tuas coxas? Voltear
por dentro de ti
EM - EROS MÍNIMO - CASIMIRO DE BRITO - LUA DE MARFIM
terça-feira, 28 de abril de 2015
144 - ÁLVARO DE CAMPOS
Tenho escrito mais versos que verdade.
Tenho escrito principalmente
Porque outros têm escrito.
Se nunca tivesse havido poetas no mundo,
Seria eu capaz de ser o primeiro?
Nunca!
Seria um indivíduo perfeitamente consentível,
Teria casa própria e moral.
Senhora Gertrudes!
Limpou mal este quarto:
Tire-me essas ideias de aqui!
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
Tenho escrito principalmente
Porque outros têm escrito.
Se nunca tivesse havido poetas no mundo,
Seria eu capaz de ser o primeiro?
Nunca!
Seria um indivíduo perfeitamente consentível,
Teria casa própria e moral.
Senhora Gertrudes!
Limpou mal este quarto:
Tire-me essas ideias de aqui!
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 27 de abril de 2015
´VII - JESÚS RECIO BLANCO
LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELO AUTOR
Tu e eu.
Tu para calçares a sombra
dum território sem barca.
Eu para navegar na minha solidão.
Tu para reconheceres a pegada
duma cobra de lábios pretos.
Eu para rastejar da minha solidão.
Tu para encalçares as ruínas
dum inverno antigo.
Eu para alimentar a minha solidão.
EM - CADENZAS - JESÚS RECIO BLANCO - CHIADO EDITORA
domingo, 26 de abril de 2015
Eternidade - JORGE DE SENA
Vem a mim
pequeno como um deus,
frágil como a terra,
morto como o amor,
falso como a luz,
e eu recebo-te
para a invenção da minha grandeza,
para rodeio da minha esperança
e pálpebras de astros nus.
Nasceste agora mesmo. Vem comigo.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA IV - JORGE DE SENA - GUIMARÃES
pequeno como um deus,
frágil como a terra,
morto como o amor,
falso como a luz,
e eu recebo-te
para a invenção da minha grandeza,
para rodeio da minha esperança
e pálpebras de astros nus.
Nasceste agora mesmo. Vem comigo.
EM - ANTOLOGIA POÉTICA IV - JORGE DE SENA - GUIMARÃES
sábado, 25 de abril de 2015
O tempo e seus suspiros - MIA COUTO
Deito-me
para desinflamar
a angústia.
Aos poucos
meu cansaço
vai perdendo convicção.
A velhice é uma insónia:
deitamo-nos
e quem dorme é a cama.
EM - IDADES, CIDADES, DIVINDADES - MIA COUTO - CAMINHO
para desinflamar
a angústia.
Aos poucos
meu cansaço
vai perdendo convicção.
A velhice é uma insónia:
deitamo-nos
e quem dorme é a cama.
EM - IDADES, CIDADES, DIVINDADES - MIA COUTO - CAMINHO
sexta-feira, 24 de abril de 2015
Sem apelo nem agravo - ANTÓNIO MR MARTINS
Espremem ilações contidas
num desespero deprimente,
por tantas mentes oprimidas,
latido vincular latente.
Nada espera de bom grado
no teor de cada conversa
e o discurso degradado
se faz pela ordem inversa.
Na penúria contaminada
resvalam os impropérios,
sem ter valor ou fundamentos.
Seja a sorte desvendada
pelos intuitos mais sérios
de que padecem os jumentos.
EM - MARGEM DO SER - ANTÓNIO MR MARTINS - TEMAS ORIGINAIS
num desespero deprimente,
por tantas mentes oprimidas,
latido vincular latente.
Nada espera de bom grado
no teor de cada conversa
e o discurso degradado
se faz pela ordem inversa.
Na penúria contaminada
resvalam os impropérios,
sem ter valor ou fundamentos.
Seja a sorte desvendada
pelos intuitos mais sérios
de que padecem os jumentos.
EM - MARGEM DO SER - ANTÓNIO MR MARTINS - TEMAS ORIGINAIS
quinta-feira, 23 de abril de 2015
Gente louca - VÍTOR CINTRA
As barcas, açoitadas pelas vagas,
Dançando, na deriva, já sem pano,
Co'os homens, ora em preces, ora em pragas,
Desafiando ainda o oceano.
O mar se encapelou, lançando alto
Rugidos tão horrendos, tão profanos,
Que os homens - corações em sobressalto -
Sentiam-se minúsculos humanos.
E ouviu-se, em voz potente, cava, rouca:
- "Que vindes procurar, ó gente louca?
Por quem vos arriscais a ir ao fundo?"
Responde o timoneiro: - "A gente é pouca,
Mas vamos descobrir o fim do mundo,
Que assim nos manda Dom João Segundo!"
EM - ROMEIROS DOS OCEANOS - VÍTOR CINTRA - LUA DE MARFIM
Dançando, na deriva, já sem pano,
Co'os homens, ora em preces, ora em pragas,
Desafiando ainda o oceano.
O mar se encapelou, lançando alto
Rugidos tão horrendos, tão profanos,
Que os homens - corações em sobressalto -
Sentiam-se minúsculos humanos.
E ouviu-se, em voz potente, cava, rouca:
- "Que vindes procurar, ó gente louca?
Por quem vos arriscais a ir ao fundo?"
Responde o timoneiro: - "A gente é pouca,
Mas vamos descobrir o fim do mundo,
Que assim nos manda Dom João Segundo!"
EM - ROMEIROS DOS OCEANOS - VÍTOR CINTRA - LUA DE MARFIM
quarta-feira, 22 de abril de 2015
a vénus ao espelho - VASCO GRAÇA MOURA
se a vénus ao espelho fosse
uma oliveira a arder por dentro
com sua chama de óleo doce
e tudo em brasa desde o centro,
se o seu espelho acaso fosse
embaciado pelo alento
que algum cupido em voo trouxe
entre desejo e atrevimento,
se o ar no quarto depois fosse
feito luz táctil do aposento
e se entranhasse a tomar posse
da nudez rósea no cinzento,
e se velásquez então fosse
pintar-lhe o ensimesmamento
eu te diria: misturou-se
ao próprio instinto o pensamento.
EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL
uma oliveira a arder por dentro
com sua chama de óleo doce
e tudo em brasa desde o centro,
se o seu espelho acaso fosse
embaciado pelo alento
que algum cupido em voo trouxe
entre desejo e atrevimento,
se o ar no quarto depois fosse
feito luz táctil do aposento
e se entranhasse a tomar posse
da nudez rósea no cinzento,
e se velásquez então fosse
pintar-lhe o ensimesmamento
eu te diria: misturou-se
ao próprio instinto o pensamento.
EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL
terça-feira, 21 de abril de 2015
A casa - EDGARDO XAVIER
À falta de um lugar de pedra e cal
foste tu a minha casa.
Vivi em ti o sal da vida
e a procura apetecida
de um outro mar.
Pelos teus olhos via
e pelos teus cabelos brancos
marquei de constância
Maria
a geografia do amor.
EM - SOB EPÍGRAFE: TRIBUTO A JOSÉ CRAVEIRINHA - ANTOLOGIA - TEMAS ORIGINAIS
foste tu a minha casa.
Vivi em ti o sal da vida
e a procura apetecida
de um outro mar.
Pelos teus olhos via
e pelos teus cabelos brancos
marquei de constância
Maria
a geografia do amor.
EM - SOB EPÍGRAFE: TRIBUTO A JOSÉ CRAVEIRINHA - ANTOLOGIA - TEMAS ORIGINAIS
segunda-feira, 20 de abril de 2015
Lacrimae rerum - ANTERO DE QUENTAL
Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!
Aonde vão teus sóis, como coorte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vão busca a certeza, que o conforte?
Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas...
É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas...
EM - SONETOS - ANTERO DE QUENTAL - ULMEIRO
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!
Aonde vão teus sóis, como coorte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vão busca a certeza, que o conforte?
Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas...
É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas...
EM - SONETOS - ANTERO DE QUENTAL - ULMEIRO
domingo, 19 de abril de 2015
O crime - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA
Já lhe pedem as alegações finais.
Condenado, de antemão, o constituinte
contempla a disposição bizarra
das unhas. Parece-lhe tão irrevogável
quanto inútil: o que o tenta
não é o aplauso, nem o brilho garantido
de um discurso governado pela descrença,
que irá pintar o cerejal da retórica
- tem que devolver à culpa
o seu lugar na história, o remorso
aos penitentes e que a verdade, rameira
que ganhou instrução, não seja, por fim,
o consenso de juízes distraídos, ainda
que aconteça o fim possível: a forca,
ou a existência baldia numa cidade esquecida.
EM - TENTATIVA E ERRO - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA - ASSÍRIO & ALVIM
Condenado, de antemão, o constituinte
contempla a disposição bizarra
das unhas. Parece-lhe tão irrevogável
quanto inútil: o que o tenta
não é o aplauso, nem o brilho garantido
de um discurso governado pela descrença,
que irá pintar o cerejal da retórica
- tem que devolver à culpa
o seu lugar na história, o remorso
aos penitentes e que a verdade, rameira
que ganhou instrução, não seja, por fim,
o consenso de juízes distraídos, ainda
que aconteça o fim possível: a forca,
ou a existência baldia numa cidade esquecida.
EM - TENTATIVA E ERRO - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 18 de abril de 2015
Esteiro - ALEXANDRE CARVALHO
LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELA EDITORA
Estendia-nos o Tejo o braço
para no estio mergulhar
desbolorar o corpaço
na lodosa água nadar
Mostrou-nos Soeiro o caminho
passando pelo bairro avieiro
descendentes do mundo marinho
inventaram amanho com saveiro
Esteiro cálido como abrigo
fazendo a história do varino
isolando temporal inimigo
Enguia, sável ou lampreia
ganha-pão como destino
enredadas por mão de sereia
EM - ENTRE O FADO E O SAMBA - COLECTÂNEA - EDIÇÕES OZ
sexta-feira, 17 de abril de 2015
LXXIX - FRANCISCO VALVERDE ARSÉNIO
LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELA EDITORA
Só eu sei como a voz dos teus olhos tem mais timbre que o som das gotas de orvalho desta madrugada ao cair no chão, vindas do cimo de todas as flores.
EM - CIDADE EMPRESTADA - FRANCISCO VALVERDE ARSÉNIO - UNIVERSUS
quinta-feira, 16 de abril de 2015
Dia 322 - JOAQUIM PESSOA
Como diria o meu homógrafo, este tempo desgraçado só registará duas datas: a do nascimento da crise e a da sua morte. Entre uma e outra, todos os dias são maus.
EM - ANO COMUM - JOAQUIM PESSOA - EDIÇÕES ESGOTADAS
EM - ANO COMUM - JOAQUIM PESSOA - EDIÇÕES ESGOTADAS
quarta-feira, 15 de abril de 2015
(En)Canto - ANTERO JERÓNIMO
LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELA EDITORA
A hora esvai-se por entre os dedos
a brisa cicia lamentos à árvore que chora
Os sons da noite abrigam-se nas sombras
trinados que ecoam no pensamento em constelação
O vento frio penetra na pele, num sopro letárgico
da noite perseguida por vontades aprisionadas
Segredos gerados, não revelados
fazem da hora esta minha voz peregrina
Na incerteza do desígnio da palavra
as palavras pesam dentro da ideia breve
Será o meu canto um solfejo desafinado?
No lenitivo da tua voz sussurrada
perco-me no (en)canto da hora sem tempo
EM - ENTRE O FADO E O SAMBA - COLECTÂNEA - EDIÇÕES OZ
terça-feira, 14 de abril de 2015
Augúrios - TOMAZ KIM
O tempo futuro que imaginais
brotando subreptício por entre as evasivas
dos que da vida a libré vestiram
como erva por entre as pedras da calçada
gasta pelos passos de quem passa
indiferente ao tempo presente
amarrado ao tempo passado
é apenas tempo presente e também tempo passado
como mistura de água brotando da rocha
e vinho do cacho amadurecido
pelo derradeiro sol de Setembro
que mal aquece a esperança
de quem viu o campo devastado
pela medonha cavalgada.
EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM
brotando subreptício por entre as evasivas
dos que da vida a libré vestiram
como erva por entre as pedras da calçada
gasta pelos passos de quem passa
indiferente ao tempo presente
amarrado ao tempo passado
é apenas tempo presente e também tempo passado
como mistura de água brotando da rocha
e vinho do cacho amadurecido
pelo derradeiro sol de Setembro
que mal aquece a esperança
de quem viu o campo devastado
pela medonha cavalgada.
EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM
segunda-feira, 13 de abril de 2015
Invocação ao fogo - JAIME CORTESÃO
Fogo dos altos, solitários sóis,
Que tudo ao teu contacto transfiguras,
Por ti ardem os génios e os heróis,
Crepita a noite eterna em chamas puras;
Lepra do inferno, no que dás corróis;
Raio, fulminas quanto mais fulguras,
Tanto mais brilhas, quanto mais destróis;
Lavras, tudo devoras... mas perduras!
Valmiki, Homero, Byron ou Camões!...
Desse holocausto, onde se perde o fumo?!
Que sopro ateia os fúlgidos clarões?!
Fogo, que animas sempre a chama clara,
Envolve-me também no ardente rumo,
Devora-me, que eu subo à pedra d'ara!
EM - POESIA - JAIME CORTESÃO - INCM
Que tudo ao teu contacto transfiguras,
Por ti ardem os génios e os heróis,
Crepita a noite eterna em chamas puras;
Lepra do inferno, no que dás corróis;
Raio, fulminas quanto mais fulguras,
Tanto mais brilhas, quanto mais destróis;
Lavras, tudo devoras... mas perduras!
Valmiki, Homero, Byron ou Camões!...
Desse holocausto, onde se perde o fumo?!
Que sopro ateia os fúlgidos clarões?!
Fogo, que animas sempre a chama clara,
Envolve-me também no ardente rumo,
Devora-me, que eu subo à pedra d'ara!
EM - POESIA - JAIME CORTESÃO - INCM
domingo, 12 de abril de 2015
O amor é o amor - ALEXANDRE O'NEILL
O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...
O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar,
Num leito
há todo o espaço para amar!
Na nossa cama estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor . e depois?!
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O´NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 11 de abril de 2015
Um soneto - MÁRIO SAA
Simples e lindas são as flores e herbários,
Simples e triste a forma singular
Dos aciprestres mudos, solitários,
Simples e calma a palidez do luar!
Simples e grande a rutilância infinita
No céu além, nas multidões brilhantes,
Simples as noites e os agoiros cantantes,
Simples a luz, a luz do sol bendita!
E tudo é simples do barulho ao Nada,
Mas eu não sei dizer porque num misto
De fogo e pó na sombra empoeirada
Surgiu medonha e santa em tudo isto,
Duma maneira boa e delicada
E imensa e forte, esta palavra: Existo.
EM - POESIA E ALGUMA PROSA - MÁRIO SAA - INCM
Simples e triste a forma singular
Dos aciprestres mudos, solitários,
Simples e calma a palidez do luar!
Simples e grande a rutilância infinita
No céu além, nas multidões brilhantes,
Simples as noites e os agoiros cantantes,
Simples a luz, a luz do sol bendita!
E tudo é simples do barulho ao Nada,
Mas eu não sei dizer porque num misto
De fogo e pó na sombra empoeirada
Surgiu medonha e santa em tudo isto,
Duma maneira boa e delicada
E imensa e forte, esta palavra: Existo.
EM - POESIA E ALGUMA PROSA - MÁRIO SAA - INCM
sexta-feira, 10 de abril de 2015
Máquina do mundo - ANTÓNIO GEDEÃO
O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.
EM - OBRA COMPLETA - ANTÓNIO GEDEÃO - RELÓGIO D'ÁGUA
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.
EM - OBRA COMPLETA - ANTÓNIO GEDEÃO - RELÓGIO D'ÁGUA
quinta-feira, 9 de abril de 2015
Diferença - DOMINGOS MONTEIRO
Eu mandei-te saudades numa carta;
Mandaste-me lembranças simplesmente.
Saudades tem-as quem a amar se aparta;
Lembranças manda-as quem amor não sente.
Tu queres a explicação? Eu vou já dar-ta:
Longe de ti, meu coração é doente...
Tem mais saudades ainda que as da carta
O meu dorido afecto que não mente.
É que existe entre nós esta diferença:
O que em mim é tortura, é em ti cuidado,
O que ainda é sonho em ti, é em mim já crença.
Mas ouve, meu Amor, ouve, criança:
A lembrança é a saudade do passado,
E a saudade é o passado da lembrança.
EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM
Mandaste-me lembranças simplesmente.
Saudades tem-as quem a amar se aparta;
Lembranças manda-as quem amor não sente.
Tu queres a explicação? Eu vou já dar-ta:
Longe de ti, meu coração é doente...
Tem mais saudades ainda que as da carta
O meu dorido afecto que não mente.
É que existe entre nós esta diferença:
O que em mim é tortura, é em ti cuidado,
O que ainda é sonho em ti, é em mim já crença.
Mas ouve, meu Amor, ouve, criança:
A lembrança é a saudade do passado,
E a saudade é o passado da lembrança.
EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM
quarta-feira, 8 de abril de 2015
Requiem - TOMAZ KIM
Regressa do frio ventre da terra:
Mãe estranha que o sol não aquece
Nem a chuva desperta,
Gerando, indiferente, o pão de cada dia
E a podridão de bichos e plantas,
Que o tempo, cego e linear, derruba.
Vem da escuridão e do labirinto de raízes
Bebendo-te o sangue inevitavelmente retido!
Aqui, minha voz te embalará o sono manso,
E minhas mãos se abrirão em flores e sol.
Regressa, como flor de mistério, passado o Inverno,
Para encheres o dia e a noite de canto e riso
Ascendendo ao céu, que só tu tornas possível.
EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM
Mãe estranha que o sol não aquece
Nem a chuva desperta,
Gerando, indiferente, o pão de cada dia
E a podridão de bichos e plantas,
Que o tempo, cego e linear, derruba.
Vem da escuridão e do labirinto de raízes
Bebendo-te o sangue inevitavelmente retido!
Aqui, minha voz te embalará o sono manso,
E minhas mãos se abrirão em flores e sol.
Regressa, como flor de mistério, passado o Inverno,
Para encheres o dia e a noite de canto e riso
Ascendendo ao céu, que só tu tornas possível.
EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM
terça-feira, 7 de abril de 2015
Assombro - JAIME CORTESÃO
Quando criança, abri os olhos claros,
Cheios de assombro para todo o Mundo...
Donde vinham meus olhos, donde vinham
Que tudo acharam tão extraordinário?!
Quantas vezes agora me sucede
Abrir de novo os olhos assombrados,
Como se eu fora débil criancinha,
Lançada a uma terra nunca vista...
Terra sem fim de Essência e Eternidade,
Paisagem espiritual, onde eu acordo
E abro meus olhos, que inda a luz ofusca!
Talvez seja esse Mundo donde vim,
Quando em menino aqui abri os olhos
E aonde a pouco e pouco irei voltando!...
EM - POESIA - JAIME CORTESÃO - INCM
Cheios de assombro para todo o Mundo...
Donde vinham meus olhos, donde vinham
Que tudo acharam tão extraordinário?!
Quantas vezes agora me sucede
Abrir de novo os olhos assombrados,
Como se eu fora débil criancinha,
Lançada a uma terra nunca vista...
Terra sem fim de Essência e Eternidade,
Paisagem espiritual, onde eu acordo
E abro meus olhos, que inda a luz ofusca!
Talvez seja esse Mundo donde vim,
Quando em menino aqui abri os olhos
E aonde a pouco e pouco irei voltando!...
EM - POESIA - JAIME CORTESÃO - INCM
segunda-feira, 6 de abril de 2015
A morte, esse lugar comum... - ALEXANDRE O'NEILL
É trivial a morte e há muito sabe
fazer - e muito a tempo! - o trivial.
Se não fui eu quem veio no jornal,
foi uma tosse a menos na cidade...
A caminho do verme, uma beldade
- não dirias assim, Gomes Leal? -
vai ser coberta pela mesma cal
que tapa a mais intensa fealdade.
Um crocitar de corvo fica bem
neste anúncio de morte para alguém
que não vê n'alheia sorte a própria sorte...
Mas por que não dizer, com maior nojo,
que um menino saiu do imenso bojo
de sua mãe, para esperar a morte?...
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
fazer - e muito a tempo! - o trivial.
Se não fui eu quem veio no jornal,
foi uma tosse a menos na cidade...
A caminho do verme, uma beldade
- não dirias assim, Gomes Leal? -
vai ser coberta pela mesma cal
que tapa a mais intensa fealdade.
Um crocitar de corvo fica bem
neste anúncio de morte para alguém
que não vê n'alheia sorte a própria sorte...
Mas por que não dizer, com maior nojo,
que um menino saiu do imenso bojo
de sua mãe, para esperar a morte?...
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 5 de abril de 2015
Ser triste, muito triste... - MÁRIO SAA
Ser triste, muito triste, é ter saudade
E nela existe o meu melhor lembrar,
Mas ao clamor sinfónico do mar,
Ser triste é largamente a imensidade,
Porque no mar a onda que balança
Alonga a minha alma, a minha mágoa,
E a minha dor, a minha mágoa avança
Suspensa e imensa no rumor da água
Como nas negras noites sepulcrais
A sombra adensa muito mais além,
Porque igualmente a sombra dos teus ais
Procura um horizonte que não tem,
Ânsia dum tempo que virá jamais,
Ânsia da sombra que persegue alguém!
EM - POESIA E ALGUMA PROSA - MÁRIO SAA - INCM
E nela existe o meu melhor lembrar,
Mas ao clamor sinfónico do mar,
Ser triste é largamente a imensidade,
Porque no mar a onda que balança
Alonga a minha alma, a minha mágoa,
E a minha dor, a minha mágoa avança
Suspensa e imensa no rumor da água
Como nas negras noites sepulcrais
A sombra adensa muito mais além,
Porque igualmente a sombra dos teus ais
Procura um horizonte que não tem,
Ânsia dum tempo que virá jamais,
Ânsia da sombra que persegue alguém!
EM - POESIA E ALGUMA PROSA - MÁRIO SAA - INCM
sábado, 4 de abril de 2015
Reflexão total - ANTÓNIO GEDEÃO
Recolhi as tuas lágrimas
na palma da minha mão
e mal que se evaporaram
todas as aves cantaram
e em bandos esvoaçaram
em torno da minha mão.
Em jogos de luz e cor
tuas lágrimas deixaram
os cristais do teu amor,
faces talhadas em dor
na palma da minha mão.
EM - OBRA COMPLETA - ANTÓNIO GEDEÃO - RELÓGIO D'ÁGUA
na palma da minha mão
e mal que se evaporaram
todas as aves cantaram
e em bandos esvoaçaram
em torno da minha mão.
Em jogos de luz e cor
tuas lágrimas deixaram
os cristais do teu amor,
faces talhadas em dor
na palma da minha mão.
EM - OBRA COMPLETA - ANTÓNIO GEDEÃO - RELÓGIO D'ÁGUA
sexta-feira, 3 de abril de 2015
Soneto do meu orgulho - DOMINGOS MONTEIRO
Na ânsia do mais longe eu vivo absorto...
Subir, subir, subir, oh, quem me dera
Ir ver a noiva que há já tanto espera,
Entre as estrelas, perfumado horto.
Ó meu desejo, ó mar que não tens porto...
Cavaleiro fogoso da quimera,
Uma vez lá chegado adormecera:
Adormecia ou me ficava morto...
Porque nasci eu homem, se em mim sinto...
Se em mim... Se em mim, insaciado, erra
O desejo de ser mais do que sou?
Ó dor de me achar preso ao próprio instinto!
Ter um corpo que alguém prendeu à terra,
E uma alma que Deus em si tomou.
EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM
Subir, subir, subir, oh, quem me dera
Ir ver a noiva que há já tanto espera,
Entre as estrelas, perfumado horto.
Ó meu desejo, ó mar que não tens porto...
Cavaleiro fogoso da quimera,
Uma vez lá chegado adormecera:
Adormecia ou me ficava morto...
Porque nasci eu homem, se em mim sinto...
Se em mim... Se em mim, insaciado, erra
O desejo de ser mais do que sou?
Ó dor de me achar preso ao próprio instinto!
Ter um corpo que alguém prendeu à terra,
E uma alma que Deus em si tomou.
EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM
quinta-feira, 2 de abril de 2015
Na morte de Nicolau - RUY BELO
José maria nicolau fugiu. Quem o apanha?
Nunca ele pedalou tanto como agora
Decerto vai chegar antes da hora
A etapa era decisiva e está ganha
Ele que várias vezes deu a volta a portugal
deu desta vez a volta a quê? Talvez à vida
A alguns anos já da primeira partida
fugiu. Tudo se torna agora mais real
Que média fez num terreno tão mau
É tudo serra custa muito subi-la
Deixem que eu vista a camisola amarela
ao grande corredor josé maria nicolau
EM - TODOS OS POEMAS VOL. I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
Nunca ele pedalou tanto como agora
Decerto vai chegar antes da hora
A etapa era decisiva e está ganha
Ele que várias vezes deu a volta a portugal
deu desta vez a volta a quê? Talvez à vida
A alguns anos já da primeira partida
fugiu. Tudo se torna agora mais real
Que média fez num terreno tão mau
É tudo serra custa muito subi-la
Deixem que eu vista a camisola amarela
ao grande corredor josé maria nicolau
EM - TODOS OS POEMAS VOL. I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 1 de abril de 2015
Onde o amor não existe - ANTÓNIO MR MARTINS
Traz a esperança na esporta
não lhe espoliem tantos sonhos,
perder um tanto jamais importa
na espera de tempos risonhos.
Pura utopia nos alentos
onde drena a ansiedade
e sem assomar outros proventos
que afaguem a felicidade.
Tanto bate a água na pedra
em ritmada precisão cíclica,
como o apupar sarcástico.
Então o pecúlio já não medra
nesta viagem tão fatídica,
omitindo o termo mágico.
EM - MARGEM DO SER - ANTÓNIO MR MARTINS - TEMAS ORIGINAIS
não lhe espoliem tantos sonhos,
perder um tanto jamais importa
na espera de tempos risonhos.
Pura utopia nos alentos
onde drena a ansiedade
e sem assomar outros proventos
que afaguem a felicidade.
Tanto bate a água na pedra
em ritmada precisão cíclica,
como o apupar sarcástico.
Então o pecúlio já não medra
nesta viagem tão fatídica,
omitindo o termo mágico.
EM - MARGEM DO SER - ANTÓNIO MR MARTINS - TEMAS ORIGINAIS
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