domingo, 31 de agosto de 2014

Soneto italiano - MANUEL BANDEIRA

Frescura das sereias e do orvalho,
Graça dos brancos pés dos pequeninos,
Voz das manhãs cantando pelos sinos,
Rosa mais alta no mais alto galho:

De quem me valerei, se não me valho
De ti, que tens a chave dos destinos
Em que arderam meus sonhos cristalinos
Feitos cinza que em pranto ao vento espalho?

Também te vi chorar... Também sofreste
A dor de ver secarem pela estrada
As fontes da esperança... E não cedeste!

Antes, pobre, despida e trespassada,
Soubeste dar à vida, em que morreste,
Tudo - à vida, que nunca te deu nada!

EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA 

sábado, 30 de agosto de 2014

Anda um barulho surdo... - MÁRIO SAA

Anda um barulho surdo pelo mundo,
Numa toada, em molengosa fala,
Mergulha no silêncio mais profundo
E ondula musical, e abala... abala!...

Por hi* além o infinito é certo
E numa aragem de milhões de sóis,
Meu pobre globo, cativeiro aberto,
O que és agora e que serás depois!?

Apenas julgo a tua voz cantando
Como um colar contínuo de conversa
Etérea e vaga, e subtil, dispersa,

Um mundo a outro mundo murmurando,
Alma num astro a gorgulhar imersa
A ânsia numa gota evolucionando!

EM - POESIA E ALGUMA PROSA - MÁRIO SAA - INCM 

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Mãos dadas - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Timbileiros - JOSÉ CRAVEIRINHA

A maviosa
velha canganhiça dos timbileiros
acaba os ócios.

E toda a Zavala
bate e torna a bater agora
a cadência dos corações da turba
dançando as amotinações voluptuosas
das timbilas de ossos.

EM - OBRA POÉTICA I - JOSÉ CRAVEIRINHA - CAMINHO

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O meu sono... - CORSINO FORTES

O meu sono é cabra o meu sono é erva
O meu sono é cabra o meu sono é erva
O sono da minha boca é cabra o sono da minha boca é erva
O sono da minha boca é cabra o sono da minha boca é erva
Cabra comboio cavalo comboio cabra comboio cavalo comboio
Cabra comboio cavalo comboio cabra comboio cavalo comboio
A comer terra a comer terra a comer terra
A comer terra a comer terra a comer terra

EM - A CABEÇA CALVA DE DEUS... - CORSINO FORTES - DOM QUIXOTE

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Apontamento - TOMAZ KIM

O nosso leito é das sete pragas
e dos minutos contados
a golos de café.

Odiamos os outros,
fitando as nossas mãos estéreis.

Assim ocultamos o Tédio;
assim tentamos domá-lo
com as mãos, viúvas

da frescura de seios,
errando pelo vago das esquinas.

EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Soneto da véspera - VINICIUS DE MORAES

Quando chegares e eu te vir chorando
De tanto te esperar, que te direi?
E da angústia de amar-te, te esperando
Reencontrada, como te amarei?

Que beijo teu de lágrima terei
Para esquecer o que vivi lembrando
E que farei da antiga mágoa quando
Não puder te dizer por que chorei?

Como ocultar a sombra em mim suspensa
Pelo martírio da memória imensa
Que a distância criou - fria de vida

Imagem tua que eu compus serena
Atenta ao meu apelo e à minha pena
E que quisera nunca mais perdida...

EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE

domingo, 24 de agosto de 2014

Doce mistério - DOMINGOS MONTEIRO

Eu queria saber essa novela
Desse casal feliz, à beira-mar,
Daquela noivazinha casta e bela,
Daquele noivo d'olhos a sonhar.

Ele passa o seu tempo a olhar pra ela
E é cheiinho de luz o seu olhar...
E ela ainda tem arzinho de donzela
À beira da varanda a costurar.

E todo o dia estão ali na areia.
E quanta vez, se à noite há lua cheia,
Eles ficam sorrindo a olhar o céu...

Se não dizem palavras, mãos unidas,
As almas têm conversas bem compridas,
Mas das falas da alma não sei eu.

EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM

sábado, 23 de agosto de 2014

Amostra sem valor - ANTÓNIO GEDEÃO

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível;
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosas da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

EM - POESIA COMPLETA - ANTÓNIO GEDEÃO - RELÓGIO D'ÁGUA

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Ode - MIGUEL TORGA

Feira dos vinte e três em qualquer terra,
Com vacas holandesas amojadas.
Gente que vem, gente que vai, que berra
Pelas suas quimeras tresmalhadas.

Sardinhas fritas, descrições da guerra
Nas mãos de um cego, sujas, calejadas
Dum sentimento táctil que descerra
Trevas à sua volta acumuladas.

Linho de teias que o luar corou,
Ao pó dos dedos e ao calor da tarde.
Remédios santos que ninguém comprou

Numa doença que os podia ter.
Lenha do mundo que crepita e arde
No cósmico destino de viver!

EM - POESIA COMPLETA VOL.I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Molucas - VÍTOR CINTRA

Afonso de Albuquerque é que os mandou
Tomarem mar aberto e, com rigor,
Rumarem às Molucas. Em Timor,
Padrão de Portugal se levantou.

António Abreu seguia no comando.
Atrás a nau de Afonso Bisagudo,
Serrão, no fim da frota, ainda tudo,
Seguia navegando num mar brando.

As naus se carregaram, com sucesso,
Até que, por incúria ou disparate,
Serrão naufragou perto de Ternate.

Com isso se atrasou todo o regresso,
Pois o sultão Lais, hospitaleiro,
Quis acolher, em festa o estrangeiro.

EM - ROMEIROS DOS OCEANOS - VÍTOR CINTRA - LUA DE MARFIM

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Dançarei contigo - JOSÉ M. M. PEDRO

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELA EDITORA

Em teu corpo eu vou dançar
Valsas e tangos eu vou aprender contigo
Nesse belo salão nós vamos brilhar
Somente Eu dançarei contigo

Encantou-me teu olhar
Escolhi-te logo para preencheres o meu vazio
Admirado fiquei eu logo com o teu dançar
Somente tu virás dançar comigo

Em teu mundo de rosas
Nesse teu manto vou escrever a palavra amo
Belas eu vou tentar dar voltas
Somente eu irei dançar contigo

Em meus braços te vou agarrar
Tendo teu jeito e beleza encantado meu ego
Para que não escorregues ao dançar
Somente eu dançarei contigo

EM - PELA NOITE DENTRO - JOSÉ M. M. PEDRO - UNIVERSUS

Que somos nós - MANUEL ALEGRE

Que somos nós senão o que fazemos?
Que somos nós senão o breve traço
da vida que deixamos passo a passo
e é já sombra de sombra onde morremos?

Que somos nós se não permanecemos
no por nós transformado neste espaço?
Que serei eu senão só o que faço
e é tão pouco no tempo em que não temos

para viver senão o tempo de
transformar neste tempo e neste espaço
a vida em que não somos mais que

o sol do que fazemos. Porque o mais
é já sombra de sombra e o breve traço
de quem passamos para nunca mais.

EM - POESIA VOL I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Apelo - GABRIELA PAIS

Ergam as mãos num apelo
lancem as vozes em esmo
a vida está um atropelo
e castrada, vai estar mesmo.

Soltem numa só essas vozes
saquem do peito o estertor
vive-se em cascas de nozes
sem remédio para a dor.

Tempos e estes conturbados
de entranhas todas nojentas
que remexem os safados
sem ter vergonha nas ventas.

Perde-se de todo o encanto
é a brecha dos desenganos
olhos inchados de pranto
pela dança dos insanos.

EM - CASTELO DE LETRAS - GABRIELA PAIS - LUA DE MARFIM

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

As ancas - MARIA TERESA HORTA

Desloquemos as ancas com cuidado
se for ao andar mas não na cama
que aí as ancas ajudam e ajustam

Curvam e tomam das posições
a correcção exacta
para melhor prazer e maior chama

Medida certa e seca em cada corpo
as ancas lentas no ardor da carne
na ternura das pernas onde se ama

Pois a modulação das ancas
é a ondulação das ancas
é a ondulação do mar e do deleite

Da vertigem das ancas

EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE

domingo, 17 de agosto de 2014

Canção para minha mãe - EUGÉNIO DE ANDRADE

Uma mulher a cantar
de cabelo despenteado.

(Era o tempo das gaivotas
mas o mar tinha secado.)

Pelos seus braços caíam
frutos maduros de outono,

pelas pernas escorriam
águas mortas de abandono.

(Uma criança juntava
o cabelo destrançado.)

Gaivotas não as havia
e o mar tinha secado.

EM - PRIMEIROS POEMAS... - EUGÉNIO DE ANDRADE - ASSÍRIO & ALVIM

sábado, 16 de agosto de 2014

Soneto de amor - JOSÉ RÉGIO

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... - abre os olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

VIII - JESÚS RECIO BLANCO

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELO AUTOR

Que tenho a carne e o ar feridos,
que nas esquinas das sombras
a noite é sempre redonda
e que no vento cavalgam sombras e livros.

O que faremos
quando naufragarem as varandas?
O que será do alfabeto
quando desabarem as muralhas?

Há círculos que nunca acabam,
- palavras feitas de silêncio. - 
Há lágrimas e mistérios
que desaguam em outras gargantas.

EM - CADENZAS - JESÚS RECIO BLANCO - CHIADO EDITORA

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A chegada dos navios - JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS

Chegam heróis e jovens de mãos dadas.
Chegam rapazes loiros como o estio
E partem as palavras censuradas
No penacho de fumo do navio.

Em que a aventura nos embosca o cio
Chegam esperanças, medos e ciladas
E partem as angústias, exiladas,
No penacho de fumo do navio.

Ao ritmo dos guindastes estremecemos
Portos abertos ao que nos deslumbra,
Barcos chamando o sexo com um grito!

Piratas da abordagem que trazemos
A rebentar nas veias: que se cumpra
Nosso destino esplêndido e maldito!

EM - OBRA POÉTICA - JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS - EDIÇÕES AVANTE

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

No tempo que de Amor viver soía - LUIS VAZ DE CAMÕES

No tempo que de Amor soía,
nem sempre andava ao remo ferrolhado;
antes agora livre, agora atado,
em várias flamas variamente ardia.

Que ardesse num só fogo, não queria
o Céu, porque tivesse exprimentado
que nem mudar as causas ao cuidado
mudança na ventura me faria.

E se algum pouco tempo andava isento,
foi como quem co peso descansou,
por tornar a cansar com mais alento.

Louvado seja Amor em meu tormento,
pois para passatempo seu tomou
este meu tão cansado sofrimento!

EM - POESIA LÍRICA - LUIS VAZ DE CAMÕES - VERBO CLÁSSICOS

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Os paraísos artificiais - JORGE DE SENA

Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são prédios altos
com renda muito mais alta.

Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.

O cântico das aves - não há cânticos,
mas só canários de 3º andar e papagaios de 5º.
E a música do vento é frio nos pardieiros.

Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.

A minha terra não é inefável.
A vida da minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.

EM - ANTOLOGIA POÉTICA - JORGE DE SENA - GUIMARÃES

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A queda - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio, turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de oiro,
Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesoiro,
Morro à míngua, de excesso.

Alteio-me na cor à força de quebranto,
Estendo os braços de alma - e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra - em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
- Vencer às vezes é o mesmo que tombar -
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...

....................................................................

Tombei...

                   E fico só esmagado sobre mim!...

EM - POESIAS - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO - VERBO CLÁSSICOS

domingo, 10 de agosto de 2014

exercício em vaucluse - VASCO GRAÇA MOURA

sou e não sou, se escrevo ou não escrevo,
se me faço ou desfaço pela escrita.
talvez me atreva assim (e não me atrevo
a mais do que escrever dita e desdita

desta errática vida) a ver que devo
qualquer coisa a petrarca. e ressuscita
então algo de mim por esse trevo
de quatro folhas que colei com fita

gomada e transparente nos papéis,
de modo a ver-se a tinta e a citação
dos séculos XIV e XVI.

sim, há-de perguntar-se como não
me petrarquizei mais sob essas leis
do gelo a arder em alma e coração.

EM - POESIA 2001/2005 - VASCO GRAÇA MOURA - QUETZAL

sábado, 9 de agosto de 2014

LXII - MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE

Se eu pudesse ir de tralha, ir à surdina
Por aí! Forte sede, e forte gana
De zurrapa, de atum, de ti, chanfana,
De ti, que dos pingões és gulosina!

Que tempo em que eu com súcia, ou grossa, ou fina,
Para a Tia Anastásia (a tal cigana)
Ia, e vinha depois coa trabuzana
A remos, no mar roxo, ou à bolina!

Quando hás-de consentir, cruel Fortuna,
Ao magro, de olho azul, de tez morena
O bem de andar a flaino, e de ir a tuna?

Mas ai! Maldito som, que me condena!
Diz, ó Fado, ao besouro, que não zuna...
Aí me chama algum - Alma pequena!

EM - ANTOLOGIA POÉTICA - BOCAGE - VERBO CLÁSSICOS

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

III - JESÚS RECIO BLANCO

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELO AUTOR

Estou aqui a tecer janelas,
geografias nevadas, 
jardins invisíveis,
com um copo de noite quente na mesa,
a debruçar-me neste poema.

Estou aqui a sonhar com barcos à deriva,
a trincar a arquitectura das palavras,
a pensar nos morcegos
que habitam no meu corpo,
a vibrar com cada ideia que se despe.

Estou aqui a escrever os teus lábios,
a semear as ameias
que surgem das sombras,
a fingir que sou o vento
que apaga a solidão dos teus olhos.

EM - CADENZAS - JESÚS RECIO BLANCO - CHIADO EDITORA

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Ler um poema - FRANCISCO VALVERDE ARSÉNIO

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELA EDITORA

Leio um poema em voz alta virado para o mar. Sim! É verdade, o ar que me sai da boca trina como uma guitarra portuguesa... porque será que as gaivotas estão pousadas? Nunca tinha lido um poema assim em que os versos são palpáveis como a textura da tua pele, como a inquietude do vento na areia. Leio um poema que trouxe nas mãos onde tu deixaste o caminho dos teus dedos. Leio um poema sobre o azul dolente das águas.

EM - CIDADE EMPRESTADA - FRANCISCO VALVERDE ARSÉNIO - UNIVERSUS

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Dia 242 - JOAQUIM PESSOA

Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidão.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.

Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vão.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei, não.

Só sei de mim, coberto de raízes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.

A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.

EM - ANO COMUM - JOAQUIM PESSOA - EDIÇÕES ESGOTADAS

terça-feira, 5 de agosto de 2014

A dura realidade desta vida - JOAQUIM VALE CRUZ

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELA EDITORA

A dura realidade desta vida
é insuportável e por vezes causa ferida
e causa a morte, se há desnorte e causa dor
mata a alma tão aflita, que em nós mora
quando nela o marasmo fúnebre se demora
e quando de nós mais se afasta o próprio amor

Porque estamos inseridos na poesia inclemente
e nos delírios que em sangue escrevemos de forma ingente
que mesmo a contragosto transformamos num sorriso
renunciamos em lágrimas a fomes ocultas que são tantas
e a soluços que abafamos nas gargantas
mas sempre na esperança de ter direito ao paraíso

EM - O GRITO DO SILÊNCIO - ANTOLOGIA - EDIÇÕES OZ

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Deito-me... - HUGO COSTA

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO PELA EDITORA

Na minha cama feita de
Folhas de papel servindo de lençóis
Encosto a cabeça
Num travesseiro forrado a escrita
Na tentativa falhada de adormecer
Pelos sentimentos que vagueiam pelo quarto
Chegam
Palavras de insónias
Iluminadas
Por uma caneta transformada em candeeiro
Solto
Um bocejo de tinta
Borrando o édredon feito de rascunho
Erros cometidos pelo cansaço
De pestanas cerradas numa página
Sinto incómodo
Causado pelas rimas zumbindo como mosquitos
Levanto-me para apagar o livro

EM - BOM DIA AMOR - HUGO COSTA - EDIÇÕES VIEIRA DA SILVA

domingo, 3 de agosto de 2014

Até ao teu céu - DAKINI

Lamento um momento meu
que te roubou
um olhar mortiço
amputando um jeito teu

Invólucro dormente
acrescentando tábuas
no passadiço
invertendo a ordem das coisas

Só terei de galgar
mais um palmo de chão
rir-me desta íngreme subida
palmilhando caminhos
até ao teu céu

EM - UIVAM OS LOBOS - DAKINI - CHIADO EDITORA

sábado, 2 de agosto de 2014

Frente ao mar - MARIA ERMELINDA MORGADO

Não quero ficar aqui
frente ao mar
à tua espera
Quero antes inventar-te
e mergulhar nesse mar
que tens nos olhos
E sorver-te
na água salgada
que escorre dos
nossos corpos
quando fazemos amor...

EM - MAR DE ABRIL - MARIA ERMELINDA MORGADO - LUA DE MARFIM

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Na lua que hoje* - SÓNIA RODRIGUES

Na lua que hoje
não se vê, se prevê
tempos de mudança
a minha herança é
o Amor, solto-o
com fulgor, recebido
com ardor, o retribuído
por vezes é
dor incolor, liberto-a
sem rancor
e na herança vou
buscar esperança
para voltar a Amar

EM - RENASCER - SÓNIA RODRIGUES - UNIVERSUS