segunda-feira, 30 de abril de 2012

Finito - ANA CASANOVA


Quando te abraço
quero dar-te vida
quando me olhas
sinto o teu grito no silêncio
quando te beijo
queria que fosse eterno...

Deixei criar o sonho no meu peito
inventei risos de alegria
construí pontes de harmonia
criei laços de ternura
bordados de desejo...
E tudo isto sabendo
que a realidade
é o finito.

IN - NÓS ETERNOS - ANA CASANOVA - TEMAS ORIGINAIS

domingo, 29 de abril de 2012

Já de ti meus olhos partem - NATÁLIA CANAIS NUNO


Na hora de acordar não estás comigo
Sombrios meus olhos coalham de tristeza
Vive meu coração ao acaso sem abrigo
Emparedada minha alma, em teu lugar incerteza.

Triste desígnio, que provoca em mim fronteira
Me faz ameaças me põe algemas nos braços
Perturba minha caminhada, só há já canseira
E a tua ausência Amor? A dádiva dos abraços.

Que ninguém mais, olhe meus olhos feitos rio.
Nem meu rosto onde o sorriso ficou embaciado
A dor gasta, faz moer, trago a vida por um fio.

Quisera que sentisses o sabor do abandono
Agudos espinhos e solidão no peito desolado,
Das rajadas geladas... da partida do Outono.

EM - PESA-ME A ALMA - NATÁLIA CANAIS NUNO - LUA DE MARFIM

sábado, 28 de abril de 2012

Braga - VÍTOR CINTRA


Habitar Brácara Augusta,
No império dos Romanos,
Era nobre, e bem ilustra
Teu valor, de há dois mil anos.

De tão velha a tua Sé,
Como um símbolo, cidade,
Ganhou fama, quer p'la fé
Quer também pela idade.

Capital dos arcebispos,
Sempre grande na Ibéria,
Na riqueza e na miséria;

Dos granitos e dos xistos
És rainha e um tesouro
Para cá do rio Douro.

EM - MEMÓRIA DAS CIDADES - VÍTOR CINTRA - TEMAS ORIGINAIS

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Não aplaudam um poema - CRISTINA PINHEIRO MOITA

Um poema requer silêncio
não façam do poema
um acto banal.
Um poema tem sentimento
tem arte
foi criado.

Fim do poema
momento terminal
não aplaudam o poema
ele requer silêncio
quem entenda
quer o momento
de se encontrar
no final.

IN - FALUA DA SAUDADE - CRISTINA PINHEIRO MOITA - LUA DE MARFIM

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Encontro-me nas palavras - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA

Encontro-me nas palavras
mesmo que não seja eu!

Faço delas novelinhos
Loucuras e desatinos
Desejos e fantasias
Tristezas e alegrias.
Deixo-as voar ao vento
levando meu pensamento
e entre nuvens pousar
e numa estrela me encontrar.
Nesse momento me quedo
sinto em mim tal medo
dessa estrela ser cadente
e o equilibrio perder
e a minha mente demente
transformar para sempre
esse sonho que era viver.

Trago-as de volta à terra
numa folha vão pousar
e sem que façam guerra
logo, logo uma a uma
começam a desfilar.
Por entre o sol e a bruma
entre o lápis e o papel
faço lençóis de espuma
e romances de cordel.

Nas palavras me encontro
mesmo que não seja eu!

IN - ENCONTRO-ME NAS PALAVRAS - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - TEMAS ORIGINAIS

quarta-feira, 25 de abril de 2012

À tua porta - JORGE BICHO

Se ao bater na tua porta,
sentir os teus passos a
chegar;
e na luz que te empurra
para mim,
ouvir esta canção
que é só de ti.
Se eu souber escrever
as melodias
que vestem esta voz
que nunca fala,
direi tudo o que tu és -
sempre som,
da palavra amor -
soletrada.

IN - POR DENTRO DAS PALAVRAS - JORGE BICHO - LUA DE MARFIM

terça-feira, 24 de abril de 2012

O meu condão - FLORBELA ESPANCA

Quis Deus dar-me o condão de ser sensível
Como o diamante à luz que o alumia,
Dar-me uma alma fantástica, impossível:
- Um bailado de cor e fantasia!

Quis Deus fazer de ti a ambrosia
Desta paixão estranha, ardente, incrível!
Erguer em mim o facho inextinguível,
Como um cinzel vincando uma agonia!

Quis Deus fazer-me tua... para nada!
- Vãos, os meus braços de crucificada,
Inúteis, esses beijos que te dei!

Anda! Caminha! Aonde?... Mas por onde?...
Se a um gesto dos teus a sombra esconde
O caminho de estrelas que tracei...

EM - SONETOS - FLORBELA ESPANCA - BERTRAND

segunda-feira, 23 de abril de 2012

O quarto - III - PAULO EDUARDO CAMPOS

as mãos pousadas sobre o peito.
só o silêncio se ouve.
no véu da noite,
o silêncio dos amantes de olhar suspenso
cresce pelos seus corpos
como trepadeiras nas paredes
das casas em ruínas.
o desejo acontece e os olhos,
brilhantes e cúmplices,
aguardam que as mãos escondidas se toquem,
que explorem o corpo,
como pequenos pássaros inquietos.

de mãos pousadas sobre o peito,
só a solidão se sente,
quando no véu da noite
os amantes se entregam num só corpo.

IN - A CASA DE ARCHOTES - PAULO EDUARDO CAMPOS - LUA DE MARFIM

domingo, 22 de abril de 2012

Sentidos... - CECÍLIA VILAS BOAS

Num barco embalo os sentidos,
lanço os desejos ao mar
para na profundidade
o meu sonho vingar.

Mar azul
ondas pujantes
esperança transmitem
aos meus olhos brilhantes

Assim serás, oh mar
senhor do meu ser
envolve-me na tua aura
ao amanhecer.

IN - ÂMBAR E MEL - CECÍLIA VILAS BOAS - CHIADO EDITORA

sábado, 21 de abril de 2012

Nas franjas do silêncio - ANA COELHO

Nos gumes dos solavancos
fica o espanto
em gestos brancos
convergentes e salientes
nas franjas do silêncio...

No ritual do dia esquivo
escuta-se os últimos
prumos das horas
entre rios e desertos
inesperadamente
os momentos são efémeros
em bagos pendurados no leme...

A felicidade é o estado
permanente
dos instantes
tão vagos
como vagas são as horas...

IN - TACTO DAS PALAVRAS - ANA COELHO - EDITA-ME

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Mistério - FLORBELA ESPANCA

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas...

Talvez um dia entenda o teu mistério...
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

EM - SONETOS - FLORBELA ESPANCA - BERTRAND

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Momentos - MARIA JOSÉ LACERDA

Encalhamos na indecisão do ser,
do continuar a querer.

Viver o depois,
dentro de nós,
sonho sonhado a dois.
Mas e o mundo aqui ao lado?
Para onde enviamos o passado?

Na quietude da tarde,
a passar por aqui,
fecho os olhos,
finjo que tudo está bem,
que o caminho aqui ao lado,
traz o ser desejado.

Chegas sem avisar,
sorrindo suavemente,
e,
no mesmo instante,
o meu mundo se enche,
e,
no todo se preenche.

Esqueço tudo na ternura do momento,
acalmo o coração,
aquieto o pensamento.
Presa no teu olhar,
fico serenamente,
a sonhar...

IN - DANÇA DE PALAVRAS - MARIA JOSÉ LACERDA - TEMAS ORIGINAIS

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Nada mais - EMANUEL LOMELINO & VERA SOUSA SILVA

Busco a paz nos teus olhos
e repouso no teu beijo
carente de ternura.
Num abraço há um poema
perfeito
respirado nos corpos.
Vivemos poesia
e nada mais sobra
para além do amor.

Quero a serenidade dos lábios
onde me vejo deitado
vazio de ânsias.
Num beijo há um verbo
intemporal
conjugando vontades.
Somos poesia
e nada mais existe
para além de nós.

IN - LICENÇA POÉTICA - EMANUEL LOMELINO - LUA DE MARFIM

terça-feira, 17 de abril de 2012

1. - ANTÓNIO FERREIRA

Livro, se luz desejas, mal te enganas.
Quanto melhor será dentro em teu muro
quieto, e humilde, estar, inda que escuro,
onde ninguém t'impece, a ninguém danas!

Sujeitas sempre ao tempo obras humanas
coa novidade aprazem; logo em duro
ódio e desprezo ficam: ama o seguro
silêncio, fuge o povo, e mãos profanas.

Ah! não te posso ter! deixa ir comprindo
primeiro tua idade; quem te move
te defenda do tempo, e dos danos.

Dirás que a pesar meu fostes fugindo,
reinando Sebastião, Rei de quatro anos:
ano cinquenta e sete: eu vinte e nove.

IN - CASTRO E POEMAS LUSITANOS - ANTÓNIO FERREIRA - VERBO

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Outono avançado - SOFIA BARROS

Quando dizes que me queres,
sou vulcão. Intrépido, voraz, ardente,
que explode em jorro constante de lava
e te percorre inteiro, amante sobrevivente.

Quando dizes que me esperas,
sou Outono avançado, amarelo exangue
que te deita num leito de folhas e terra
em que nos vindimamos, mosto e sangue.

Quando dizes que me adoras,
sou tesouro naufragado, no fundo do mar,
que te aguarda ansioso, numa valsa lenta
e te ensina o amor assim, a dançar...

IN - ANTES DE SERMOS DIA - SOFIA BARROS - LUA DE MARFIM

domingo, 15 de abril de 2012

Sê digno preceptor, mas com doçura - MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE

Se te adornas de sã filosofia
e pio coração, porque o desmentes,
mantendo contra as lindas inocentes,
perante a séria mãe, tenaz porfia?

Se um carácter ingénuo desafia
tua voz a dizer tudo o que sentes,
considera também que tens presentes
a virtude, a beleza, a fidalguia.

Despindo a magistral severidade,
confessa que de uns olhos a brandura
é carta de favor, que persuade.

Sê digno perceptor, mas com doçura:
mil desculpas merece a tenra idade
e mil adorações a formosura.

IN - CITAÇÕES E PENSAMENTOS - BOCAGE - CASA DAS LETRAS

sábado, 14 de abril de 2012

Voluptuosidade - VERA SOUSA SILVA

Invades-me a alma
num beijo molhado
que me aquece o corpo
e me leva à entrega absoluta.

Já não sei quem sou...

Perco-me nas partículas
que te cobrem, envolvem,
e abarco-te com volúpia
no íntimo de mim.

Já não sei onde estou...

Em ondas uníssonas e ritmadas,
entre gritos e gemidos,
salivamos torrentes de amor
que se quedam eternas.

Já não sei de mim...

O colapso final surge
entre ejaculações e contracções
e palavras de amor
no declínio da tensão.

Já não somos dois...

IN - AMAR-TE EM SILÊNCIO - VERA SOUSA SILVA - EDIUM EDITORES

sexta-feira, 13 de abril de 2012

P- HÁ - ÁLVARO DE CAMPOS



Hoje, que sinto nada a vontade, e não sei que dizer,
Hoje, que tenho a inteligência sem saber o que qu'rer,
Quero escrever o meu epitáfio: Álvaro de Campos jaz
Aqui, o resto a Antologia grega traz...
E a que propósito vem este bocado de rimas?
Nada... Um amigo meu, chamado (suponho) Simas,
Perguntou-me na rua o que é que estava a fazer,
E escrevo estes versos assim em vez de lho não saber dizer.
É raro eu rimar, e é raro alguém rimar com juízo.
Mas às vezes rimar é preciso.
Meu coração faz como um saco de papel socado
Com força, cheio de sopro, contra a parede do lado.
E o transeunte, num sobressalto, volta-se de repente
E eu acabo este poema indeterminadamente.

IN - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM

Álvaro de Campos é um dos pseudónimos do poeta Fernando Pessoa

quinta-feira, 12 de abril de 2012

XXVIII - ALBERTO CAEIRO

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...

Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E as lavadeiras estivessem à minha beira...

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...

EM - POESIA - ALBERTO CAEIRO - ASSÍRIO & ALVIM

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Desencanto - MANUEL BANDEIRA

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim do lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

EM - ANTOLOGIA - MANUEL BANDEIRA - RELÓGIO D'ÁGUA

terça-feira, 10 de abril de 2012

Agonia - VINICIUS DE MORAES

No teu grande corpo branco depois eu fiquei.
Tinhas os olhos lívidos e tive medo.
Já não havia sombra em ti - eras como um grande deserto de areia
Onde eu houvesse tombado após uma longa caminhada sem noites.
Na minha angústia eu buscava a paisagem calma
Que me havias dado tanto tempo
Mas tudo era estéril e monstruoso e sem vida
E teus seios eram dunas desfeitas pelo vendaval que passara.
Eu estremecia agonizando e procurava me erguer
Mas teu ventre era como areia movediça para os meus dedos.
Procurei ficar imóvel e orar, mas fui me afogando em ti mesma
Desaparecendo no teu ser disperso que se contraía como a voragem.

Depois foi o sono, o escuro, a morte.

Quando despertei era claro e eu tinha brotado novamente
Vinha cheio do pavor das tuas entranhas.

EM - ANTOLOGIA POÉTICA - VINICIUS DE MORAES - DOM QUIXOTE

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Poema patético - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Que barulho é esse na escada?
É o amor que está acabando,
é o homem que fechou a porta
e se enforcou na cortina.

Que barulho é esse na escada?
É Guiomar que tapou os olhos
e se assoou com estrondo.
É a lua imóvel sobre os pratos
e os metais que brilham na copa.

Que barulho é esse na escada?
É a torneira pingando água,
É o lamento imperceptível
de alguém que perdeu no jogo
enquanto a banda de música
vai baixando, baixando de tom.

Que barulho é esse na escada?
É a virgem com um trombone,
a criança com um tambor,
o bispo com uma campainha
e alguém abafando o rumor
que salta de meu coração.

EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - RELÓGIO D'ÁGUA

domingo, 8 de abril de 2012

Retrato - CECÍLIA MEIRELES

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calma, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

EM - ANTOLOGIA POÉTICA - CECÍLIA MEIRELES - RELÓGIO D'ÁGUA

sábado, 7 de abril de 2012

Desarrezoado amor...* - SÁ DE MIRANDA

Desarrezoado amor, dentro em meu peito
Tem guerra com a razão, amor que jaz
E já de muitos dias, manda e faz
Tudo o que quer, a torto e a direito.

Não espera razões, tudo é despeito,
Tudo soberba e força, faz, desfaz,
Sem respeito nenhum, e quando em paz
Cuidais que sois, então tudo é desfeito.

Doutra parte a razão tempos espia,
Espia ocasiões de tarde em tarde,
Que ajunta o tempo: enfim vem o dia.

Então não tem lugar certo onde aguarde
Amor; trata traições, que não confia
Nem dos seus. Que farei quando tudo arde?

EM - POEMAS DE AMOR - ANTOLOGIA - DOM QUIXOTE

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Esconderijo - LUÍS FERREIRA

Existe um ponto,
Um espaço qualquer...
No centro do nada,
Onde espero que algo aconteça
Na fonte de pedra que o acolhe.
O rumor apaga o solitário momento
Banhando a praia deserta
Com a brisa exterior,
Que sopra e sopra
Colhendo a aurora do nascer.
O tempo foge dos seus braços
Tão nítido e vazio,
Bebido das lágrimas que rolam
Em caudais de prata
Tingindo a face nua.
Os pés já não temem os passos
As estradas gastas,
já não seguem a sua sombra
E os gestos apagam-se nos montes
Como os versos de um poema rasgado.
Existe um ponto...
E nele fico, esperando...

EM - ROSAS & ESPINHOS - LUÍS FERREIRA - TEMAS ORIGINAIS

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Redondilha - MANUEL ALEGRE

Por baixo da superfície
lisa de cada palavra
por dentro da fenda sísmica
da gramática onde fulgura
o magma (sintaxe mágica)
da Babilónia a Sião.

Entre o étimo e o sintagma
no avesso desse centro
onde há uma estrela caída
para dentro do oculto
relação irrevelada
entre o corpo e a palavra.

Onde o invisível tremor
da terra percorre o sangue
e então de súbito a flauta
onde só Camões é quem
sobre esses rios que vão
entre ninguém e ninguém.

EM - POESIA II - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE

quarta-feira, 4 de abril de 2012

111 - ÁLVARO DE CAMPOS

Ah, no terrível silêncio do quarto
O relógio com o seu som de silêncio!
Monotonia!
Quem me dará outra vez a minha infância perdida?
Que ma encontrará no meio da estrada de Deus -
Perdida definitivamente, como um lenço no comboio.

EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM

terça-feira, 3 de abril de 2012

Soneto - ALEXANDRE O'NEILL

No céu duma tristeza cor de farda,
Uma angústia de nuvens se desenha.
O amor já morreu: que o tempo venha
Desmantelar o que a memória guarda.

Jogai!, jogai! Quem não jogar não ganha
Nem perde. É a última cartada.
Eu aposto na vida, mesmo errada.
Talvez outro destino me sustenha.

Avião de Lisboa para o mundo,
Apaga-me a tristeza com as asas,
Tão nítidas no céu em que me afundo!

Depois desaparece atrás das casas
E deixa-me o azul, o azul profundo,
E duas nuvens de razão tocadas.

EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Primeiros dias de escola - ANTÓNIO MR MARTINS

chegado o tempo da escola
depois da pré no seu lugar
é sair de casa com a sacola
escorreito alegre a caminhar

sentado no banco da sala
pega no lápis e no caderno
ouve o que o professor fala
no início do rude inverno

é o primeiro ano lectivo
que vai durar até ao verão
e mantém-no sempre activo

com enorme dedicação
e com o rigor interactivo
passa o ano com satisfação

EM - POR UM SORRISO - ANTOLOGIA - TEMAS ORIGINAIS

domingo, 1 de abril de 2012

Retrato - RUY CINATTI

Navega-lhe no rosto o gosto da geometria
e, simétrica, compõe os seus braços
tal uma hierática egípcia estátua,
o escriba acocorado ou Nefertitis, a rainha.
Das suas disposições pouco ou nada sei
excepto a daquela assustadora noite
em que mediu o corpo a régua e esquadro.
Temos muito de comum nos tempos que vão correndo:
entretemo-nos com o mesmo tira-linhas
e adoramos paisagens sombrias, enigmáticas...

EM - 56 POEMAS - RUY CINATTI - RELÓGIO D'ÁGUA