domingo, 28 de fevereiro de 2010

Só tu sabes onde o caminho se fechou* - JOÃO LOURENÇO ROQUE



Só tu sabes onde o caminho se fechou
Só tu sabes o rio que procuravas
Só tu sabes quem feriu os teus sonhos de menina
os teus sonhos de mulher
Só tu sabes as rosas que o vento colhia
Só tu sabes a criança que os teus braços embalavam
Só tu sabes a dor que o teu sorriso escondia
Só tu sabes esta saudade infinita
Só tu sabes...

in... Margem inquieta - JOÃO LOURENÇO ROQUE - Palimage

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* Os poemas deste livro não são titulados. Usei o primeiro verso como titulo por uma questão logistica.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Confiança II - EMANUEL LOMELINO



Ter confiança é ter ânimo e poder acreditar
Sem hesitações no nosso próprio valor
É ir mais além, com atrevimento, ousar
E gritar, gritar "Sou o maior", sem pudor

Ter confiança é na vida ter mil certezas
Confiar numa grande e nobre qualidade
É transformar em força todas as fraquezas
É ser-se livre e dar uso à nossa liberdade

Ter confiança é manifestar um segredo
Sem ter de implorar confidencialidade
É enfrentar a vida sem demonstrar medo
É lutar contra a farsa em prol da verdade

Ter confiança é apenas e só um bom ego
Crer que outro alguém está desse lado
Afirmar sem palavras "A ti me entrego"
"Em ti estou seguro, sinto-me amparado"

Ter confiança é dar um crédito pessoal
Não se aplica quando mais nos convém
Confiar deve ser um simples acto natural
Confiar, é descansar nos braços de alguém

in... Amador do verso - EMANUEL LOMELINO - Temas Originais

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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Presença - STELLA DA CÂMARA LOMELINO



Sei que estás
na multidão,
que fala e grita
e ri a praça...
... Que estás
no abraço do adeus.
No relógio da estação.
No comboio que apita,
nas chegadas e partidas.
No cais abandonado
- pelos que foram
e que ficam...
Na bandeira, ao vento,
dos navios...

Sei que estás
na sombra do meu corpo,
na palavra que não digo,
na lágrima que não viste...

in... As palavras do silêncio - STELLA DA CÂMARA LOMELINO - Minerva

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Estar sem estar... - OCTÁVIO DA CUNHA



Aqui estou!
Longe...
Mas estou e não estou.
Porque estou contigo
Longe...
Quero partir daqui!
Para longe...
Para perto de ti!
Quero tocar-te o corpo quente.
Que no afago se sente.
Longe...
Quero beijar-te!
Beijar-te desmesuradamente...
Tonta ou loucamente...

Estou aqui!
Longe...
Mas estou e não estou.
Porque estou contigo!
Longe...

in... A intermitência dos sentidos - OCTÁVIO DA CUNHA - Temas Originais

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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Os riscos* - SEBASTIÃO LIMA REGO



Foi aí que começou tudo
quando um seixo pontiagudo
movido por um pathos primitivo
ultrapassou o mágico crivo
traçando os riscos fetais
que criaram as pessoas integrais
ao proclamarem a recusa da morte
o estigma mais forte
que nos destingue dos restantes animais
repto derrotado de antemão
batalha batoteira
embuste filigranado em ouro latão
miragem farsa bebedeira
mas o certo é que a História inteira
a civilização a cultura
são filhas do tosco primata
que naquela antiquíssima data
inscreveu em rocha dura
tresloucado de cio e de fraqueza
um desafio às leis da natureza.

in... As bandeiras paradas - SEBASTIÃO LIMA REGO - Papiro Editora

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* Cada um dos poemas deste livro tem pelo menos duas páginas. Aqui transcrevi apenas um excerto por questões logísticas.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Espero-te - PAULO AFONSO RAMOS



Espero-te... ao pôr-do-sol para que juntos possamos ver a despedida do calor das nossas vidas, agora que o destino nos transformou em mais um dia, desses que aconteceram sem que ninguém reparasse nele...
Espero-te... na noite escura, para que possas surgir entre o medo e o receio, e assim estejas junto de mim, sem que ninguém olvide que me pertences, para que tu, mesmo que não queiras sabê-lo, para que eternamente sejas feliz...
Espero-te... nesse luar, feito na viagem, que ambos construímos nos nossos íntimos imaginários e nunca confessamos a ninguém...
Espero-te... porque é o nosso destino, porque é o elo que nos faz andar neste caminho feito de sonhos e ilusões, criados entre verdades ocultas e em segredos bem distribuídos...
Espero-te... porque esse foi o teu desejo um dia...
Espero-te... já!

in... Entre as margens da memória - PAULO AFONSO RAMOS - Temas Originais

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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Esfinge, falo - JOÃO MANUEL BRETES



Às vezes oiço-me
todas as palavras dizer:
fogo, céu, anos-sílex, ferro,
aroma, esfinge e falo.

Às vezes oiço o rumor
e tudo o que cria no poema:
ovo, lótus, cana, ilha.

Às vezes oiço vozes
à beira dos desertos,
sob a aridez da terra,
todas as palavras dizer.

in... Poeira - JOÃO MANUEL BRETES - Caminho

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domingo, 21 de fevereiro de 2010

Felina dança - LUISA DEMÉTRIO RAPOSO



A boca,
desfolha-te num beijo...
Gredo,
apelo sensual e mudo,
Corpo vibrante,
solta-se num grito agudo!...
Cerro um pouco o olhar...
Desejo...

Meu corpo moreno,
harmonioso...(põe)
Teu olhos garços,
em alvoroço,
Nódoa de sangue,
que palpita, ó moço!?
Anal será pecado?
(Mas hoje é só nosso)

Tuas mãos meladas,
percorrem-me a tremer...
Labirintos de aroma...
... cheiros de prazer!...
Dentro em mim,
sinto teu corpo esvaecer...
Consumido,
numa fogueira dúbia a arder!...

in... Respiração das coisas - LUISA DEMÉTRIO RAPOSO - Temas Originais

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sábado, 20 de fevereiro de 2010

O grito claro - ANTÓNIO RAMOS ROSA


Prémio Sophia de Mello Breyner Andersen
APE/ Câmara Municipal de São João da Madeira 2005

De escadas insubmissas
de fechaduras alerta
de chaves submersas
e roucos subterrâneos
onde a esperança enlouqueceu
de notas dissonantes
dum grito de loucura
de toda a matéria escura
sufocada e contraída
nasce o grito claro

in...O poeta na rua - ANTÓNIO RAMOS ROSA - Quasi

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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

17* - PEDRO TAMEN



No clandestino recanto
em que sentado labuto
os pespontos do meu canto,

neste perdido reduto
em que as mãos amadurecem
a peça que fugirá
das mãos dos que não merecem
para andar ao deus-dará
num universo de espanto

em que o amor vai curtido,
calado, surdo, tingido
de uma cor que é o sentido
da salvação que acalanto

-aqui me caio e levanto.

in... O livro do sapateiro - PEDRO TAMEN - Dom Quixote

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* Os poemas deste livro são numerados

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

VIII* - EGÉRIA



Leio no teu corpo os sinais do desejo
E desfolho-te como um livro...
Molho a ponta do dedo na minha língua húmida para não te ferir,
Abraço-te com os meus olhos,
E vou sendo algo de leve em teu regaço.
São movimentos vibrados esses teus, desnudos de interesses ou pagãos.
És a magia da vida prometida à minha rica solidão.
Será apagado este infortúnio tão expressivo e grosseiro?
Dou-te aquilo que também é arte,
O meu corpo,
Alheio às rimas dos versos e às cartadas da vida.

in... A espiral do amor - EGÉRIA - Temas Originais

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* Os poemas deste livro são numerados com caracteres romanos

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Percorrer casa a casa* - SOFIA PINTO CORREIA MELO



Percorrer casa a casa
nas sombras projectadas
pela água perto
ruínas
ruínas as casas todas
casas várias da infância
de recordações de infâncias que me precedem
telhado aberto para o céu
chuva no soalho
nem precisaria das imagens para recordar
só os sons, só os sons
e o aroma a abandono
sopro a poeira devagar enquanto ela paira na luz
que trespassa a parede
e vai bater na parede em frente

in... Casa grande - SOFIA PINTO CORREIA MELO - Quasi

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* Os poemas deste livro não são titulados. Usei o primeiro verso como titulo por uma questão logística.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Ramagem - JORGE VICENTE



deixa que a casa se revele
como um véu inacabado o

casamento das paredes com
a respiração da escrivaninha
cerrada.

abre as cartas e limpa as
mãos ao cobertor deixa-me

ser os olhos de quem não vê
o verso exposto na ramagem

do sangue.

in... Ascenção do fogo - JORGE VICENTE - Edium Editores

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

História aberta - MATILDE ROSA ARAÚJO



Era uma vez uma casa
Muito grande
Com um tecto sem fim
Nem sempre azul
Uma casa enorme
Onde habita uma grande família
Uma família tão grande
Que os seus irmãos julgam que se não conhecem
E todos se conhecem
E todos se devem amar
Nesta casa há guerra
E eu choro a um canto desta casa
Inútil choro
É terrível ouvir este próprio chorar

in... Cem poemas portugueses sobre a infância - Antologia - Terramar

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domingo, 14 de fevereiro de 2010

Conversação doméstica afeiçoa* - LUIS VAZ DE CAMÔES



Conversação doméstica afeiçoa,
ora em forma de boa a sã vontade,
ora d'ua amorosa piedade,
sem olhar qualidade de pessoa.

Se despois, porventura, vos magoa
com desamor e pouca lealdade,
logo vos faz mentira da verdade
o brando Amor, que tudo em si perdoa.

Não são isto que falo conjecturas,
que o pensamento julga na aparência,
por fazer delicadas escrituras.

Metido tenho a mão na consciência,
e não falo senão verdades puras
que m'ensinou a vida experiência.

in... Poesia lírica - LUIS DE CAMÕES - Verbo

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* os poemas deste livro não são titulados. Usei o primeiro verso como titulo por uma questão logística.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O poeta é... - EMANUEL LOMELINO



O poeta é filho pródigo da desgraça
mesmo assim, a desdita ele abraça
e anda sempre de sorriso nos lábios
diz-me ó poeta, o que te embaraça
revela o que nessa tua cabeça passa
explica por que são os poetas sábios

O poeta é filho afamado da má sorte
solidão, é a sua arma letal mais forte
nenhuma outra, ele na vida dominou
a infelicidade sempre foi sua consorte
e continuará a sê-lo até à sua morte
mas nem assim a sua poesia se calou

O poeta é servo cativo da má fama
boémio inveterado sem uma cama
onde o possamos encontrar de noite
o poeta é quem mais sangue derrama
quando grita o nome de quem ama
não há quem como o poeta se afoite

in... Amador do verso - EMANUEL LOMELINO - Temas Originais

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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Corredor da morte - JORGE TERRUTA



A "câmara de gás" já se avista
No fundo do túnel, sem luz,
A confiança na justiça, adiada,
O "golpe de misericórdia" da sentença
Definitivamente executada.

Também ele, trémulo e curvado,
Sem amigos e pela família desprezado,
Arrastando-se pelos corredores, desamparado,
À espera do "golpe de misericórdia", aguardado.

"Liberdade, igualdade, fraternidade",
Cânticos românticos, da revolução,
Espinhos cravados no coração,
Símbolo da passagem para a eternidade.

in... Desfolhar as pétalas do meu bem/mal-me-quer - JORGE TERRUTA - Papiro editora

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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

3* - JOSÉ FÉLIX



a vertigem nas mãos
desenha a morte
sobre o corpo que se adivinha frágil
na textura da sombra

há caminhos
feitos de luz ignóbil que incendeiam
as margens alagadas
de outra sede.

e de leve há um rosto
que sai da úmbria
na convicção do gesto que revive.

restos de ausência
a fala, no outro ldo,
é o eco de um sorriso brando e leve.

in... Teoria do esquecimento - JOSÉ FÉLIX - Temas Originais

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* os poemas deste livro são numerados em vez de titulados.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A pão sabem as palavras* - GRAÇA PIRES



A pão sabem as palavras,
quando a brisa do sul nos roça a cara.
Seguro, nas duas mãos, as tuas mãos
e sob o peito (o teu, o meu), alastram ramos
transparentes que sustêm, na casa,
a trave-mestra, como se a raiz
de cada árvore nos amarrasse
as veias ao destino do coração.

in... Cem poemas portugueses no feminino - Antologia - Terramar

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* este poema não é titulado. Usei o primeiro verso como titulo por uma questão logística.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Se as pedras por mim pisadas falassem - ANTÓNIO MR MARTINS


Obra proposta aos prémios literários do P.E.N. Clube Português 2009
na categoria de poesia

Se as pedras do caminho
contassem os passos
que sobre elas dei!...

Se elas falassem
dos traumas e amarguras,
no percurso da vida sentidas!...

Se produzissem
o semblante da alegria,
que também alinhavou
algum do caminho nelas percorrido!...

Se pudessem
os cometidos actos julgar
e a razão de os levar a cabo!...

Se desmotivassem
o comentário daqueles
que caminham por outras paragens!...

Se palpitassem
ao sublimarem uma carícia
quando sobre elas me sentei!...

Se rejubilassem
pela euforia tida,
culminada com pujantes saltos sobre elas!...

Ai pedras do meu caminho...
se não fosseis silenciosas
tanto teríeis para contar!...

in... Quase no feminino - ANTÓNIO MR MARTINS - Temas Originais

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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O das quinas - FERNANDO PESSOA



Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos infelizes, porque são
Só o que passa!

Baste a quem basta o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.

Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.

in... Mensagem - FERNANDO PESSOA - Assírio & Alvim

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Quero dedicar este poema ao meu pai FERNANDO LOMELINO que hoje completaria 69 anos de idade. Trinta anos de saudade.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Cifra vai - JOÃO DE DEUS



Pelo que as contas me dão
E à vista das que me deste
Das edições que fizeste
De Cartilhas Maternais,
Se na tua ordenação,
Reverendo cura d'almas
E abade do coração,
O bispo te ungiu as palmas,
Ungiu-tas, mas com sabão...
Porque escorregam de mais!

in... Cem poemas portugueses do Riso e do Maldizer - Antologia - Terramar

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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Estranho-me - LURDES DIAS (CLEO)



Estranho-me
Quando de negro me visto
E de silêncio me calço...

Nasceram-me ilusões
Nas pontas dos dedos...
Escreveram um castelo
Alto demais
Não lhe chego...

Abraço-me ao cansaço
Que me ampara
Na curva redonda
Do nada...

Invadem-me
Insignificantes sensações
Alma submersa
Em constante desassossego

Rendo-me
Descanso-me...

in... In Pulsos - LURDES DIAS (CLEO) - Temas Originais

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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Mãos - VÍTOR CINTRA



São grandes, pequenas,
Nervosas, serenas,
As mãos que se agitam,
Repousam, meditam.
Transportam magia,
Tristeza, alegria,
Por isso há encanto
Nas mãos que dão tanto.

As mãos que nos calam
Com mimos que embalam,
Trazendo segredos
Na ponta dos dedos,
São mãos que fascinam,
Ao toque, dominam,
E em cada carícia
Despertam malícia.

São mãos que tacteiam
E o corpo incendeiam,
Soltando o desejo
Gerado num beijo.
E a cada momento
Transmitem alento,
Com gestos singelos,
Marcantes, mas belos.

in... Pedaços do meu sentir - VÍTOR CINTRA - Temas Originais

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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Há uma dor peninsular* - JOSÉ FELIX



há uma dor peninsular
nas arestas das casas, nas fissuras
e na palavra de memória feita de chaminés.

a renda pontilhada
de bilros traça a paciência
do cimento que enfeita a açoteia

onde se vê os cornos da lua
a brincar na janela da vizinha
no cenário de mil e uma noites.

o olhar alcança as pequenas luzes
que o mar dispensa na navegação
dos peixes, na cintilação das estrelas
de noites quentes, graves e dolentes.
uma península, estreita passagem.

in... Travessia - JOSÉ FELIX - Edium Editores

* os poemas deste livro não são titulados. Coloquei o primeiro verso como titulo por motivos logísticos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Primeiro a tua mão sobre o meu seio* - ROSA LOBATO FARIA




Primeiro a tua mão sobre o meu seio.
Depois o pé - o meu - sobre o teu pé.
Logo o roçar urgente do joelho
e o ventre mais à frente na maré.

É a onda do ombro que se instala.
É a linha do dorso que se inscreve.
A mão agora impõe, já não embala
mas o beijo é carícia, de tão leve.

O corpo roda: quer mais pele, mais quente.
A boca exige: quer mais sal, mais morno.
Já não há gesto que se não invente,
ímpeto que não ache um abandono.

Então já a maré subiu de vez.
É todo o mar que inunda a nossa cama.
Afogados de amor e de nudez
somos a maré alta de quem ama.

Por fim o sono calmo, que não é
senão ternura, intimidade, enleio:
o meu pé descansando no teu pé,
a tua mão dormindo no meu seio

in... Cem poemas portugueses no feminino - Antologia - Terramar

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Esta é a minha homenagem à nossa ROSA LOBATO FARIA que nos deixou aos 77 anos. Eterna saudade. Descansa em paz ROSA.

*este poema não é titulado. Usei o primeiro verso como titulo por uma questão logística.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Eu, aqui, sempre! - JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO



Eu sempre estive aqui, no meu lugar,
olhando-me de frente, sem negar-me.
Se a minha condição é ser e estar,
que seja, sem receio nem alarme.

Nos astros que lucilam infinitos,
mitigo a minha sede de ansiedade!
Nos medos que exorcizo, vários ritos
à luz que me encandeia divindade.

Nas horas das esperas, tão paradas
procuro antecipar as horas frias
que orvalham de suor as madrugadas
e enrugam de incertezas outros dias.

Em mim, sem desencontros nem ardis,
hei-de encontrar-me, como sempre quis.

in... Da humana condição - JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO - Edium Editores

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O nome da ausência - ALBANO MARTINS



O sotão: era ali
que o mundo começava. Ainda
não sabias, então,
quantas letras te seriam
necessárias para soletrar
o alfabeto dos dias, para encher
a tua caixa
de música, a tua concha
de areia. E ainda
o não sabes hoje. Com cinza
nada se escreve a não ser
as vogais do silêncio. E este
é o nome que se dá à ausência,
quando a noite e a poeira
dos astros pousam
sobre a ranhura dos olhos.

in... Cem poemas portugueses do Adeus e da Saudade - Antologia - Terramar

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