quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Pela metade - ANA CASANOVA



Não te desejo só em partes.
Não te quero pela metade
Quero partilhar contigo tudo!
Tudo o que tu queiras
tudo o que me possas dar
o que queiras partilhar.
O teu corpo, a tua alma
o teu sorriso, os teus beijos
a tua experiência, e anseios
as tuas loucuras, e brincadeiras,
as tuas dúvidas e temores,

Não te quero só pela metade,
porque metade é tão pouco para mim...

in... Dialectos da memória - ANA CASANOVA - Temas Originais

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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Anima Mea - ANTERO DE QUENTAL


Estava a morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.

Era de ver a fúnebre bacante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»

- «Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).

Eu não busco o teu corpo... Era um troféu
Glorioso de mais... Busco a tua alma.» -
Respondi-lhe: «A minha alma já morreu.»

in... Sonetos - ANTERO DE QUENTAL - Ulmeiro

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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Tenho como destino - EDUARDO ALEIXO


Tento deslizar sem esforço e com atenção ilimitada
Rodeio os penhascos conhecidos e os obstáculos inimaginádos.
Recuso os choques.
Corto, sem tempo, os nós mergulhados nas articulações
Dos ossos do espaço e do tempo.
Caminho nos caminhos invisíveis e silenciosos do silêncio.
Tenho como destino um bosque
de amor harmonioso e perfumado.

in... As palavras são de água - EDUARDO ALEIXO - Chiado editora

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domingo, 17 de outubro de 2010

Felinus - INÊS LOURENÇO


A Maria Tobias era preta
e branca. Na parte branca era
Tobias e era Maria na preta. Morou
connosco cinco anos. No sexto, numa
quinta-feira santa pôs-se a dormir
depois de um longo jejum. Ficaram-nos
nas mãos festas desabitadas e os poucos
haveres: uma malga, uma manta, um bebedouro,
que não lográmos enviar
para a nova morada.

in... Coisas que nunca - INÊS LOURENÇO - &etc

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sábado, 16 de outubro de 2010

Segundo retrato - BOCAGE


De cerúleo gabão, não bem coberto,
Passeia em Santarém chuchado moço,
Mantido às vezes de suscinto almoço.
De ceia casual, jantar incerto:

Dos esburgados peitos quase aberto,
Versos impinge por miúdo e grosso;
E do que em frase vil chamam caroço,
Se o quer, é vox clamantis in deserto:

Pede às moças ternura, e dão-lhe motes!
Que tendo um coração como estalage,
Vão nele acomodando a mil pexotes:

Sabes, leitor, quem sofre tanto ultrage,
Cercado de um tropel de franchinotes?
É o autor do soneto; - é o Bocage!

in... Antologia poética - BOCAGE - Verbo

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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Conselho - MIGUEL TORGA


Renuncia, poeta!
Renuncia!
Sou eu, também poeta, que to digo.
Nenhum verso se deixa encarcerar.
Prender água nas mãos é um jogo antigo,
Que aumenta a sede, em vez de a mitigar.

Temos
O que perdemos
Dia a dia.
O sol da poesia
É lua, em nós.
Sai-nos do peito um canto comovido,
E ouvimos, como um eco arrefecido,
O som da própria voz.

in... Poesia completa vol.2 - MIGUEL TORGA - Dom Quixote

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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Canto de amor no mar - JAIME CORTESÃO


A tarde é o teu berço de criança.
A dar-te rendas fez-se o mar de espuma
E o Céu, como um docel, tecido a bruma,
Prende-se em cima ao Arco da Aliança.

Vê com que jeito o vento te balança
E d'aragens salinas te perfuma;
Conta-me agora as mágoas uma a uma,
Como se eu fora tua Mãe, descansa...

Não vês?... o nosso barco mal balouça:
Deita-te e vamos para o largo à vela,
Onde ninguém nos veja, nem nos ouça.

Conta as mágoas na mágoa da Tardinha.
Oh! Mar, arrenda a espuma, tem cautela...
Oh! Vento, embala-me esta criancinha!...

in... Poesia - JAIME CORTESÃO - Imprensa nacional-casa da moeda

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Fim - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO


Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!

in... Poesias - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO - Verbo

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terça-feira, 12 de outubro de 2010

Pátria desamada - DINIS H. G. NUNES


vês o teu país
como um filho
que passa mal
e tu passas por ele
e não fazes nada?

uma pátria perdida
louca varrida
violada
um povo humilde humilhado
a pedir mendigo justiça
uma terra de ninguém
onde diseurs da mentira
proclamam grandes verdades
e tomam posse da minha amada pátria
como se fosse uma junta de freguesia
ajeitam a gravata
acertam o preço com os fregueses
e trespassam-na no mercado:
rápido que é para acabar

in... AvRYl - DINIS H. G. NUNES - Popsul

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Volume de livros - TERESA M. G. JARDIM


Bati com a porta atrás do poema.
Os dedos trilhados pela segunda vez
num só dia, inspiram alguma cautela.

Foram-se os dedos, ficaram os anéis,
a sensação de não conseguir passar
com o corpo todo, o volume de livros
debaixo do braço.

E o peso que os livros ganham
quando arrumados num saco, numa caixa
na memória?

in... Jogos radicais - TERESA M. G. JARDIM - Assírio & Alvim

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domingo, 10 de outubro de 2010

Espanto - RUI LAGE


Os pardais dispararam das heras
a coberto da noite
que tacteava na lenha.

Primeiro o rufar das pequenas asas,
um estertor, uma arritmia, depois
as salvas secas
enquanto rodei sobre mim
o tempo de pressentir a sombra
que partiu com eles em busca de longe

(de bosque em bosque
de fonte em fonte
e de prado em prado).

in... Berçário - RUI LAGE - Quasi

sábado, 9 de outubro de 2010

As bruxas...* - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO


Sem ser supersticioso,
nem ter medo de "mésinhas"...
Talvez seja receoso!!!
De quê?... Vê lá se adivinhas?

Em "bruxas" acreditar?!!!
Se existem, eu não sei bem...
Mas prefiro evitar
os seus olhares de desdém...

É vê-las à meia-noite,
numa noite de luar...
Não há ninguém que se afoite,
para as mesmas enfrentar...

Em caldeirões, na fogueira,
fervilham as "maldições"...,
numa sopa "mixordeira",
de "unhas", "sapos" e "tritões"...

E depois de muitos gritos,
blasfemas, discussões...,
nos caldeirões vão ser fritos
"entranhas" e "corações"...

E, antes do sol raiar,
com seus chapéus de "cartuxas",
em vassouras vão voar,
em "magotes", essas Bruxas...

in...Poemas ao correr da pena... - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO - Temas Originais

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*Este poema tem o diploma com o titulo «Magnum Opus», no Concurso Literário «Prémio Alquimia das Letras» - Sorocaba - Brasil, 2009.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Poema para Ana - NATÁLIA CORREIA


Às vezes eu sei que não há deus
Outras, reparo nos teus olhos, Ana.
São realmente olhos? São realmente teus?
São o mistério de outra raça mais humana?

Serão assim os mortos que aparecem
E nos afagam com mãos de seda preta?
Os teus olhos, Ana, são coisas que acontecem
A quem esteve fechada séculos numa gaveta.

Se não tivesse vindo o Príncipe estrangeiro
Enchendo a nossa casa de ramos de giesta
Estariam ainda dragões de nevoeiro
A guardar os teus olhos perdidos na floresta.

Nunca mais haveria crianças de mãos dadas
No modo singular como agora te sentas
E estaríamos ainda as duas separadas
Pela cortina velha de andorinhas cinzentas.

O mundo não seria uma coisa tão grande
A noite voltaria a tirar-nos a calma.
Ah, foi o telescópio do Príncipe Alexandre
Que me salvou a alma!

in... Poesia completa - NATÁLIA CORREIA - Dom Quixote

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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

IGNIS FATUUS - MIGUEL MARTINS


Vem a lume uma ideia luminosa
um chá de lúcia-lima fumegante
inalação de folhagem capitosa
num bule de feldspato crepitante

Disfarçada de paz fortificante
de miasma benigno, inspirativo
é a estultícia que naquele instante
rebrilha num fogacho trasitivo

É o futuro que pede, apreensivo
um cisma com as crenças abaladas
uma balada ao coração cativo
dos sismos e dos contos-de-fadas

que são suas madrastas desveladas
numa fumigação protelatória
da descoberta das portas encerradas
em chaleiras sem mago, sem memória

do aprisionamento nessa história
em que um afago acendia um fogo
que num segundo alcandorava à glória
uma vitória assegurada ao jogo

Mas na derrogatória a nosso rogo
restolha uma seara, seca a fonte
por se encontrar, apenas, muro e mogo
onde tanto aguardou o horizonte.

in... O Taberneiro - MIGUEL MARTINS - Poesia incompleta

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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Se alguém me pudesse amar - JOSÉ JORGE LETRIA


Se alguém me pudesse amar
tanto como eu gostava de ser amado,
se alguém me pudesse amar
e eu consentisse em ser amado,
talvez com a intensidade animal e ferina
das entregas incondicionais,
talvez o mundo se vestisse de azul
e pusesse uma camélia na lapela,
como o Cesário quando ainda tinha saúde,
talvez as cidades não fossem tão hostis
e os medos não fossem tão devastadores,
talvez as noites tivessem o perfume
das paixões primordiais e únicas
e os dias não acabassem sempre
com o som de sirenes e insultos.
Se alguém me pudesse amar
tanto como eu gostava de ser amado,
talvez este livro não chegasse a existir
e eu fechasse dentro de uma lágrima,
ampola de orvalho e sal,
só para a transformar em gota de riso
deslizando pelo rosto da alegria junto a mim.

in... Não há poetas felizes - JOSÉ JORGE LETRIA - Indícios de oiro

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ah, um soneto - ÁLVARO DE CAMPOS*


Meu coração é um almirante louco
Que abandonou a profissão do mar
E que a vai relembrando pouco a pouco
Em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
Nesta cadeira, só de o imaginar)
O mar abandonado fica em foco
No músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas - esta é boa! - era do coração
Que eu falava... e onde diabo estou eu agora
Com almirante em vez de sensação?...

in... Poesia - ÁLVARO DE CAMPOS - Assírio &Alvim

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* Álvaro de Campos é um dos heterónimos de Fernando Pessoa

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Salve Regina - MANUEL DE FREITAS



- para a Inês -
«Isto já não tem melhoras» - acabou
por nos dizer Zulmira, referindo-se
à sua perna atropelada, à vida,
ao filho que há três anos lhe mataram,
embora se chamasse Epifânio.

E ficou assim, completamente sozinha,
deusa rude e resignada que veio
dos campos servir vinhos e cervejas
a uma «freguesia» que foi, em tempos,
tão imensa como é agora a sua solidão.

Uma quase mansa solidão, se virmos bem,
uma tristeza sem lágrimas, uma sabedoria
que se volta a confundir com o azul forte das paredes,
com o seu nome último e inquebrantável,
a «passar o tempo» entre os muros deste reino.

Tem agora a mesma idade que Maria,
abre só para ti uma garrafa de ginja
e assiste calmamente ao fim do mundo.

in... A nova poesia portuguesa - MANUEL DE FREITAS - Poesia incompleta*

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* A editora Poesia incompleta é um projecto do Changuito, dono da livraria com o mesmo nome.

domingo, 3 de outubro de 2010

Uma prece do povo - ANTÓNIO BOTTO


Meu rico «Santantoninho»,
Meu santo, meu ai-jesus,
Minha flor de laranjeira!
- As raparigas são tolas,
Insensatas, retraídas,
E o amor, presentemente,
Lembra, sem tirar nem pôr,
O jogo das escondidas.

Intervém! Mete o bedelho,
E traz também o menino,
- Meu cravo d'oiro adorado!
Meu pão de ló do mais fino!

Andam ariscas de todo
As cachopas de hoje em dia;
Por qualquer coisa nos trocam
E zombam da simpatia
Com que pedimos um beijo
Nas voltas de um bailarico...

Isto, assim, não pode ser:
- Intervém, «Santantoninho»!

in... Canções e outros poemas - ANTÓNIO BOTTO - Quasi

sábado, 2 de outubro de 2010

15 - Amor - SANTA CRUZ


Para mim a tua amizade...
É um precioso bem;
És o meu alento minha alegria,
Que me traz muita paz também.

Esse teu olhar;
Essa tua face macia...
És a noite do meu luar:
És o meu sorriso de um dia.

Esse teu charme meu amor;
Esse teu cabelo lindo e macio,
Faz de ti um lindo sorriso...
És a minha visão sobre um rio.

in... Silêncio dos meus sonhos - SANTA CRUZ - Temas Originais

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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Mais além - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO



Galopei sempre veloz no meu corcel,
Como se a estrada da vida não findasse.
Sonhar ir mais além... e ao sonho ser fiel,
Como se o limite final não chegasse.

Fazer-me ao mar, zarpar no meu batel,
Retesar velas, deixar que navegasse
Até bem longe, onde verte o doce mel,
E que a mãe natureza nos afogasse...

Nas asas dum tufão, como um açor,
Voar tão alto, que já ninguém nos visse.
Sentir no peito arfar um tal ardor

Pois nada, nem ninguém nos detivera,
Em chegar junto a Deus e ali pedisse,
Perdão de todo o mal que cometera...

in... Cem poemas... diversos - ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO

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ATENÇÃO
O autor António Boavida Pinheiro e a Temas Originais têm o prazer de o(a) convidar a estar presente na sessão de lançamento do livro "POEMAS AO CORRER DA PENA..." a ter lugar no Auditório do Campo Grande, 56, em Lisboa, no próximo Sábado dia 2 de Outubro, pelas 19.00

Obra e autor serão apresentados pelo poeta Xavier Zarco

A entrada é livre. APAREÇA