sábado, 4 de julho de 2020

O riozinho que nascia ali mesmo - APARECIDA VINES

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O rio nascia ali mesmo entre pedras, cipós e limos,
sustentando agriões, girinos, lambaris,
sustentando a vida.
Escorria feito um fio cristalino límpido, gelado, puro
tingido do verde escuro da mata, onde cantava livre a sabiá preta.
Cantava livre. Passado.
Nascia livre. Passado.
A liberdade do nascer do rio foi canalizada por um cano azul
mais estreito que a caninana a desfilar de cabeça levantada
caninanando o cano por onde corre a seiva da montanha
e deságua no forçado açude de carpas.
Ainda escorre da pedra inerte nua de árvores,
Nua das perobeiras, dos jacarandás, dos capichinguis,
Nua dos ingazeiros, das embaúbas,
nua das guabirobas,
Nua da sabiá preta e do bem-te-vi.
Resiste.
Onde ia desaguar, onde ia ficar mais encorpado,
juntando-se a outros fios d`água?
Perguntava-me em criança,
perturbando sua quietez com as pontas dos pés,
sentada no tabuadinho.
Sem saber que no futuro distante
desaguaria ali mesmo na ameaça do açude.
E seu curso? Interrompido.
E quem dele dependia “rio abaixo”?
Abaixo do colonial a morte da vida
dos lambaris, dos agriões, dos girinos.
Para onde foram as libélulas beijoqueiras
e as aranhas dançarinas?
Onde o riozinho vai dar?
Perguntava-me na inocência dos anos.
Hoje tenho a resposta:
No pântano de cobras e sanguessugas, de caracóis e lesmas,
no pântano de lama movediça, no pântano de perigos
O que foi feito da vida “rio abaixo”?
O que foi feito do rio de minha infância?

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (POESIA) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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