domingo, 17 de fevereiro de 2019

Mulher depois do naufrágio - CLEVANE PESSOA

Livro gentilmente cedido por Adriana Mayrinck

Ela se afogava, descendo ao mar abissal
de seus piores medos
depois de dourar-se ao sol da ilusão fugaz,
ardentemente a crer na cura da amorosidade
Arranhou-se nos corais, engoliu plâncton,
sufocou-se na esmeralda liquida das águas
completamente encantada, no entanto
com tudo que via em cada canto, num mar sem cantos.
Não temeu a moreia, a arraia, nada a assustava mais.
Flutuara ao lado dos tubarões, enquanto esperava
ser salva pelo golfinho ágil e forte
que escolhera dias antes.
Ele já se afastara e ela não percebera.
Vestida de água, entregou-se à deiade
da fortaleza feminina.
Parou de resistir e relaxou...

Deixou gelar-se o sangue onde nadavam
pequenos peixes de fé, desde a infância.
Quando estava inerte, olhos de pálpebras pesadas,
sem idade, sem sonhos,
o grave peso arrastando-a pela gravidade,
ouviu o som milenar salvador
e foi sendo levada por invisíveis  peixinhos
etéreos, determinados, salvadores
seus seios plectóricos flutuavam,
seus braços e pernas foram sustentados
não sabiam como nem por que.

Então, chegou à superfície.
Abriu bem os olhos para a luz solar.
Respirou profundamente,
expeliu detritos e algas.
Estava salva...
Outra vez, escutou e reconheceu o som
do golfinho brincalhão
e soltou uma risada.

Livre, enfim,
para re/viver.

EM - ELAS E AS LETRAS - ANTOLOGIA - EDIÇÃO DE AUTOR

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