sábado, 20 de abril de 2019

Se ele vier, que venha doce - ANGELI ROSE

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Sem vergonha, escrúpulos ou medo
ele se chegou, manso, mas misterioso
sobre meus lençóis sentou-se arrastando chinelos
num olhar oblíquo inclinou o corpo sobre o meu
gritei o mais que pude!
Esperneei o tanto que as forças alcançaram!
Tomei do abajour, do telefone, da garrafa!
Nada fora suficiente para evitar a escuridão
Foi tudo o que vivi depois daquela noite:
Escuridão, silêncios e rezas
Incontáveis orações, destilados sopros de alívio
- Nenhuma a menos! (ouvia nas ruas)
- De mãos dadas, vamos todas juntas!
E nada fora forte o bastante para detê-lo
Nem a minha ira por mim e por ele
Nossos filhos choraram meses a minha ausência
E todas as carpideiras pensaram ter ocupação no sábado
Dia de criação para mim, para todas as sobreviventes
Sobrevivi e cá estou relendo a frase emblemática
“Se Deus vier, que venha armado!”
Ele veio e me salvou.
Veio e me espancou!
Sem vergonha, escrúpulos ou medo
sequer receio de Deus pegar-lhe com o pau.
Aprendi com a colher da vizinha metida na minha vida
Aprendi com a mão estendida de muitas amigas
Desconhecidas amigas
Se ele vier, que venha doce!
Mas não mais o pai das crianças
Nem o homem falante do ponto do ônibus
Nem o gringo abusado e dissimulado
Nem um, nem outro como ele
Porque se vier que venha doce, meigo, sensato
Se vier,que se chegue equilibrado
Meus olhos não querem mais a escuridão
Meus ossos não aceitam mais qualquer puxão
Estou só, mas acompanhada de mim e de outras
mulheres como eu avisadas, encorajadas a gritar
denunciar e a evitar o macho tosco,autor de boas e poucas

Que venha para minha companhia
assim devagar,de fala baixa e olhar direto
um homem parceiro, respeitoso e da alegria
desse jeito, aceito
desse modo, somo
Se ele vier, que venha doce
como um cão de dono
ou passarinho enamorado
porque se Ele vier e encontrá-lo armado
sem tempo de me matar ficará o desalmado

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (POESIA) - ANTOLOGIA - IN-FINITA

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