segunda-feira, 14 de maio de 2018

Os que ficaram - ALBANO SOUSA JORGE


LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR ADRIANA MAYRINCK

Já o barco desaparecia na linha do horizonte
e, no cais de Alcântara, 
teimavam em bailar como folhas
lenços brancos e outros de mil cores,
suportados, por braços tidos como ramos
de troncos que ali perdiam as raízes.
Pouco a pouco... 
o cais ganhava o silêncio do vazio
entrecortado pelo grasnar das gaivotas
que picavam numa ou noutra folha ali perdida...
Depois...
Tudo era diferente
para quem, daquele cais, se arrastava até ao seu lugar.
-As noites passaram a ser maiores que os dias.
-As entrelinhas das cartas denunciavam verdades.
-As perguntas não eram ouvidas.
E nas mesas os pratos continuavam vazios
e os leitos... não respondiam :
                                               - Porquê?
                                               - Para quê?
A esta amargura amordaçada,
respondia a retórica lambuzada
da política e do sermão.


EM - VOZES IMPRESSAS - ANTOLOGIA - EDIÇÕES VIEIRA DA SILVA

1 comentário:

  1. AS alterações sofridas pela emigração forçada, causada "pela política e pelo sermão, dentro de uma família e até do país.
    Lembro-me de relatos que li sobre a ida para a Flandres do C.E.P. durante a Iª G. Mundial .

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