terça-feira, 2 de julho de 2019

Terceira carta para Hilda Hilst - ROSA MARIA MANO

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o que nos move, poeta, antes do entardecer?
e quando a noite fabrica pássaros de amanhã,
quais resquícios de plêiades, de anjos, de deuses
corroem as pontes, os acessos, os portais,
enquanto o escuro adormece nos santuários?
diz, poeta, onde termina a floreira e começa a lápide?
qual a fronteira que separa sangue e ossos?
onde tua morte se enlaça à minha
e nos aproxima, para além da farpa?
será na gema acesa do ventre
que minha vida apenas contempla, como a tua?

e quantos gomos de azuis ainda tenho
antes que me esqueça a aquarela
e coberta por musgo, mude a memória,
enroscada num horizonte paralisado?

se, das mãos enfartadas, dos olhos ávidos,
da boca que não aceita rendição,
do sangue que esqueceu como é que esfria,
eu arranco essa furiosa espécie de vida
que confronta deus e seus mares,
e desafia a idade, e resiste, ridiculamente,
se não consigo sair dessa vertigem,
do apetite entre vinho e lava,
em que lugar eu ainda posso buscar pouso?

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (POESIA) - ANTOLOGIA - IN-FINITA

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