sexta-feira, 11 de maio de 2018

Cálice e lâmina, a viagem - ISABEL ESPERANÇA

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR ADRIANA MAYRINCK

A todo o vapor locomotivas rompem no meio do fumo,
E do sorriso das crianças que se desvanece com a partida.
Destino incerto repleto de buliçosos passageiros,
Olhares apreensivos e suspensos, atirados à fogagem da vida.

Cálice sente-se observada pela paisagem que começa a
Percorrer velozmente,
Na timidez disfarçada de seu chapéu de abas largas e,
De seu porte elegante,
Deixa esboçar um Sorriso e sente-se abruptamente a mudar de Cor e de intensidade.

Aquela viagem marca inequivocamente o seu coração,
Que atinge agora o ritmo acelerado da velocidade desenfreada
Com que o cenário se move ao seu lado.
Ela sente-se em perfeita harmonia e estado de prefloração.   

Lâmina é seu nome.
Desenrolam em monotonia uma conversa demorada, e
Cálice vê-se ruborizar a cada olhar interessado nas palavras
Magentas de seus lábios carnudos e graciosos.

Embriagados pela atmosfera daquela luxuosa diligência,
Lâmina penetra profundamente o olhar de Cálice.
De natureza bela, seus olhares se fundem,
E procuram abertura ao amor.

Seus corpos absortos pelo curto espaço que os separa,
Numa flor de desejo ardente que se abre, e
Cálice sente-se desabrochar, pelo que há muito anseia.

A pele rubra de Lâmina procura a pele rosada de Cálice.
Tomando-a, vigorosamente, seus corpos se fundem, e
Seus corações impetuosos clamam ao amor que não renegará.
«Cálice...ignoras a extensão da tua influência sobre mim...»

Cálice acorda assutada em puro estado de delírio,
Num rasgo de loucura percebe que existe
Que não é produto de um devaneio
Que na sua forma frágil e singela de ser, coexiste.
Que Lâmina também existe e foge ao amor e à entrega
Plena que com Cálice encerraria.  

Já não vê esse rosto está informe e,
Na carruagem segue vazia tomada pela dor,
E profunda tristeza que a consomem na vastidão do nada que é,
E do tudo que há-de ser quando um rosto de nova forma tomar.

Somos o todo, somos o nada,
E somos aquilo que quisermos ser.
Num futuro que sustentamos e num presente que ausentamos.
Feliz, Cálice, se funde com a natureza, pura e bela,
Que um dia lhe deu forma.
«Lâmina, sinto no teu toque a leveza de um sonho que não termina.»

EM - VOZES IMPRESSAS - ANTOLOGIA - EDIÇÕES VIEIRA DA SILVA

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