sábado, 30 de junho de 2012

Confissões de uma vítima de violência doméstica - VERA SOUSA SILVA


Sou um corpo que deambula ao acaso
que vive com medo todo o dia.
Amostra de ser mal amado
sem conhecer felicidade e alegria.

Uma mulher constantemente criticada
que chora apenas escondida
consciente que não vale nada
e a imagem totalmente denegrida.

Escondo os hematomas como sei.
Habituei-me há muito a mentir...
Vivo uma vida como nunca pensei
com a maior parte do tempo a fingir.

Esta mão, assim queimada, e a doer,
é porque sou tão distraída...
Meti-a numa panela a ferver
e fiquei tão arrependida.

Tapo as nódoas negras com roupa
de Inverno, mesmo no Verão.
Apenas porque sou meia louca
passo a vida a cair ao chão.

A boca, assim cortada,
foi apenas porque sorri...
Não sei estar calada!
Apanhei porque mereci.

Quando parti o braço direito
foi porque me maquilhei nesse dia.
Mas afinal, foi bem feito,
porque parecia uma vadia.

O meu corpo está tão cansado
não aprendo a me comportar
para viver bem com meu amado,
que tudo faz por me amar.

Farta dos meus erros e maldade
subo até ao vigésimo andar!
Salto, enfim, para a liberdade,
e já sou feliz... a voar!

EM - BIPOLARIDADES - VERA SOUSA SILVA - LUA DE MARFIM

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Pobres crianças - VERA SOUSA SILVA


Pobres crianças que sofrem
À margem das leis, egoístas,
Com o tronco preso ao chicote
E a alma aos predadores.

Meninos despidos de alimento
E fome de carinho
Que trazem o olhar rasgado
E a boca ensanguentada
Desconhecendo a paz.

Crianças violentadas
Sem noção da realidade atroz
E espancadas pela vida...

Perdoai-lhes Senhor, terem nascido!
Perdoai-nos Senhor, pela cegueira!

EM - AMAR-TE EM SILÊNCIO - VERA SOUSA SILVA - EDIUM

ATENÇÃO ATENÇÃO ATENÇÃO ATENÇÃO
A autora VERA SOUSA SILVA e a editora LUA DE MARFIM, têm a honra de vos convidar para a sessão de lançamento do livro BIPOLARIDADES que acontecerá amanhã dia 30 de Junho 2012, pelas 16 horas no HOTEL REAL PALÁCIO, sito na rua Tomás Ribeiro 115 em Lisboa.
Obra e autora serão apresentadas pelo poeta Emanuel Lomelino.
APAREÇAM! A ENTRADA É LIVRE!


quinta-feira, 28 de junho de 2012

O vestido verde - MANUELA FONSECA


Aquele vestido verde
Suave ao toque do veludo
Deslizou no seu corpo
Em soluços confidentes

Rosto branco
Isento de cor malte
Caíam sorrisos apressados
Que se desmanchavam
Em brilhos pardos

O andar provocava o homem
Que o inventou
Quando o amor era presente

O olhar voltava-se
Apagando a dor
Da paixão

EM - POESIA SEM REMETENTE - MANUELA FONSECA - TEMAS ORIGINAIS

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Recolhimento - DOMINGOS MONTEIRO


Às estrelas ergui o olhar em prece,
Como um pastor que o seu rebanho pasce,
Já tão fora de si que, quando o erguesse,
Também aos céus a alma alevantasse.

- Sombra que à luz doirada se esvaece,
E à sua própria sombra outra voz nasce...
Ou sonho que em tua alma adormecesse,
E em tua boca aos beijos despertasse -

Ó noite, ó treva iluminada e ardente,
Alta flor que em alma se desfolhe,
Perfume - reza dum jardim aos céus...

Porque será que uma alma virgem sente,
Quanto mais em si mesma se recolhe,
A presença santíssima de Deus?

EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM

terça-feira, 26 de junho de 2012

Linda - JORGE BICHO


Linda
como todas as mulheres devem ser,
o olhar distraído, enfrenta-me depois
penetrante
no entanto...
doce,
no suave perfil
de dois seios maduros
e dos teus gestos, gostos
onde me adivinho abraçado
onde me quero teu homem
e te devolvo na força
masculina - viril
essa tua essência
de mulher inteira.

EM - POR DENTRO DAS PALAVRAS - JORGE BICHO - LUA DE MARFIM

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Cega-rega - TOMAZ KIM


Os continentes são as cinco chagas
A ferro e fogo escritas no meu peito
Como pétalas murchas de sangue e

O meu sangue é todo o sangue
Escorrendo dos quatro pontos cardeais
Como lava abafando a minha voz e

A minha voz é una e legião
Rasgando a treva em que nos afundámos
Como ave liberta subindo o céu e

O meu céu será a alegria
Dos que vivem e morrem e sabem.

EM - OBRA POÉTICA - TOMAZ KIM - INCM

domingo, 24 de junho de 2012

Descanso - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA


Descanso
neste cansaço que me consome.
Descanso
no dormir de quem não dorme.
Descanso
neste dia que já é noite.
Descanso
no limiar de um açoite.
Descanso
neste cansaço descansado.
Descanso
no ter-te, sem ti a meu lado.
Descanso!
Aqui, agora e sempre!

EM - ENCONTRO-ME NAS PALAVRAS - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - TEMAS ORIGINAIS

sábado, 23 de junho de 2012

Versos mortos - LÍDIA BORGES



Estou exausta!
Tenho andado a arrancar pela raiz
como ervas daninhas
os esquissos de poemas
que me afloram ao coração.

E são tantos!

Tenho o peito dilacerado,
cheio de versos mortos.
Poemas em pedaços que rasguei
antes que pudesse escrevê-los.

Não resistiram
à luz incerta deste sol
sempre avariado.

EM - NO ESPANTO DAS MÃOS - O VERBO - LÍDIA BORGES - LUA DE MARFIM

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Mar português - FERNANDO PESSOA


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

EM - MENSAGEM - FERNANDO PESSOA - ASSÍRIO & ALVIM

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Amizade - LITA LISBOA


Na amplitude dum abraço,
Se recolhe o sal da vida,
O carinho é um enorme cacho de uvas,
Que em cada bago traz uma flor,
Que cresce, se enraíza,
E as folhas são amor,
São carícias,
Que em silêncio se sustentam,
Num diálogo, que não precisa de palavras,
Mas de sílabas
Que aumentam o rio da ternura,
Que cresce até ao mar,
Onde se navega numa onda
Sem parar,
E à qual se deve chamar
AMIZADE!

EM - ONDE OS PÁSSAROS FAZEM SILÊNCIOS - LITA LISBOA - TEMAS ORIGINAIS

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Álcool - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO


Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de rouxidão.

Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo p'ra além...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eterizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante -
Manhã tão forte que me anoiteceu.

EM - POESIAS - MÁRIO DE SÁ CARNEIRO - VERBO

terça-feira, 19 de junho de 2012

Roubaram a palavra pela calada - JOSÉ ILÍDIO TORRES


Roubaram a palavra pela calada
Meteram-na num saco de juta
Venderam-na quase d'enfiada
A um qualquer filho da puta

Vestiram-se de pantomineiros
Havia gente de política disfarçada
Todos queriam trinta dinheiros
Pela liberdade que nos foi roubada

Os dias ficaram sem ela banais
Não podiam agora ser escritos
Os começos órfãos dos finais

Que por não poderem ser ditos
E lhes sobrerem dias iguais
Andavam os deuses quase aflitos

EM - OS POEMAS NÃO SE SERVEM FRIOS - JOSÉ ILÍDIO TORRES - TEMAS ORIGINAIS

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Trazias de Lisboa - MANUEL ALEGRE


Trazias de Lisboa o que em Lisboa
é um apelo do mar: um mais além.
Trazias índias e naufrágios. Fado e Madragoa.
E o cheiro a sul que só Lisboa tem.

Trazias de Lisboa a velha nau
que nos fez e desfez (em Lisboa por fazer).
Trazias a saudade e o escravo Jau
pedindo por Camões (em Lisboa a morrer).

Trazias de Lisboa a nossa vida
parada no Rossio: nau partida
em Lisboa a partir. (Ó glória vã
não mais não mais que uma bandeira rota).

Trazias de Lisboa uma gaivota.
E era manhã.

EM - POESIA VOL I - MANUEL ALEGRE - DOM QUIXOTE

domingo, 17 de junho de 2012

8 - ANTÓNIO FERREIRA


Aqueles olhos que eu deixei chorando,
Cujas fermosas lágrimas bebia
Amor, com as suas tendo companhia,
Ante os meus se me vão representando.

Os saudosos suspiros, que arrancando
Duas almas, em que ua troca Amor fazia,
Que a que ficava, era a que partia,
E a que ía, a ficava acompanhando.

Aquelas brandas, mal pronunciadas
Palavras da saudosa despedida
Entre lágrimas rotas, e quebradas,

E aquelas alegrias esperadas
Da boa tornada, já antes da partida,
Vivas as trago, não representadas.

EM - CASTRO E POEMAS LUSITANOS - ANTÓNIO FERREIRA - VERBO

sábado, 16 de junho de 2012

Caminhos e Atalhos - LUÍS FERREIRA


Chegou o momento,
Das mãos se abrirem
E delas jorrarem, rios entre os dedos
Desenhando rostos em silêncio
No silêncio de um beijo.
Chegou o momento,
De acordares do sono profundo
E venceres os fantasmas mesquinhos
Combateres a chama fúnebre
Que baloiça num solitário sorriso.
Chegou o momento,
De declarares o que sentes,
De te libertares da tua escravidão
Tirares a máscara do silêncio
Dando voz ao coração.
Chegou o momento,
Do sangue não ter rasto
Nem a rosa espinhos
Vive o tempo, apaixonado
Sente a tua liberdade
Segue o teu próprio caminho.

EM - ROSAS & ESPINHOS - LUÍS FERREIRA - TEMAS ORIGINAIS

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Bocas roxas de vinho* - RICARDO REIS**


Bocas roxas de vinho,
testas brancas sob rosas,
nus, brancos antebraços
deixados sobre a mesa:

Tal seja, Lídia, o quadro
em que fiquemos, mudos,
eternamente inscritos
na consciência dos deuses.

Antes isto que a vida
como os homens a vivem,
cheia da negra poeira
que erguem das estradas.

Só os deuses socorrem
com o seu exemplo aqueles
que nada mais pretendem
que ir no rio das cousas.

EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM

* Usei o 1º verso como titulo por questões logísticas
** Ricardo Reis é um dos heterónimos de Fernando Pessoa

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Amar-te querendo-te, desejando-te - VERA SOUSA SILVA


Amar-te é pura loucura
Feita de silêncios
E desejos,
Em poemas disformes
E sem nexo.

Querer-te é meramente carnal
Sem gestos palpáveis,
Invisíveis, ardentes,
Em versos desconexos
Talhados com o impudor
Das mãos esfomeadas
Manifestamente de ti.

E desejar-te, amado,
É entregar o corpo
À exaltação das fogueiras,
Em labaredas que se ateiam
E consomem a alma.

Amar-te
É querer-te e desejar-te,
É muito mais que física,
Ou estrofes de amor.

EM - AMAR-TE EM SILÊNCIO - VERA SOUSA SILVA - EDIUM

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Renúncia - FLORBELA ESPANCA


A minha mocidade outrora eu pus
no tranquilo convento da Tristeza;
lá passa dias, noites, sempre presa,
olhos fechados, magras mãos em cruz...

Lá fora, a lua, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza...
é como um beijo ardente a Natureza...
a minha cela é como um raio de luz...

Fecha os teus olhos bem! Não vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
prende os teus braços a uma cruz maior!

Gela ainda a mortalha que te encerra!
Enche a boca de cinzas e de terra,
ó minha mocidade toda em flor!

EM - SONETOS - FLORBELA ESPANCA - BERTRAND

terça-feira, 12 de junho de 2012

Zoologia: o porco - NUNO JÚDICE


O porco vive como os homens
na caverna de Platão: o seu mundo
é o mundo das sombras.

Quando olha para o chão,
vê o paraíso; quando olha para o céu, está
com a faca na garganta.

Mas o porco também sonha que
tem asas como um anjo, e que a sua pocilga
fica nas nuvens.

Nos seus sonhos, deus guincha
como um porco, e a árvore do paraíso
está cheia de bolotas.

Por isso o porco não tira o focinho
da terra, em busca de uma abertura
para o céu.

EM - A MATÉRIA DO POEMA - NUNO JÚDICE - DOM QUIXOTE

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Não assumir é matreirice - ANTÓNIO MR MARTINS


Quem não se envolve
No preconceito dum deslize

Não tendo nada
Que o amenize

Sentindo que nada há
Que o realize

Supondo
Que seus sonhos não concretize

Retalhando
Suas acções
Em actos que sintetize

Por vezes
A fuga
É algo que suavize

Mesmo que simulada

Ou
Da forma que idealize

EM - MÁSCARA DA LUZ - ANTÓNIO MR MARTINS - TEMAS ORIGINAIS

domingo, 10 de junho de 2012

Do passado só ficou - TELMA ESTEVÃO


A saudade de ti,
que guardo num recanto do meu corpo
e o teu retrato preso numa moldura,
preso no tempo,
dentro de uma gaveta
no meu quarto.

EM - PALAVRAS - TELMA ESTEVÃO - LUA DE MARFIM

sábado, 9 de junho de 2012

As cadeiras - JOÃO LUÍS BARRETO GUIMARÃES


À aula de
quarta-feira assistiram 13 alunos e
27 cadeiras. Em resumo: a sala cheia.
Quando a
lição terminou os 13 alunos partiram e
acto contínuo contei 20 casais de cadeiras.
Às aulas que tenho dado nunca faltam
as cadeiras
ficam a ouvir-me caladas
(as costas muito direitas).
É bom de ver que as cadeiras entendem
tudo à primeira
parecem bem mais maduras (mais
pés
assentes na terra).

EM - POESIA REUNIDA - JOÃO LUÍS BARRETO GUIMARÃES - QUETZAL

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A vida cansada partiu para parte incerta - LURDES DIAS


A caminho do nada
onde o tempo parou
a vida cansada
para ali mudou
desfez-se de tudo
nada levou...
diz quem viu!

Nem riquezas
nem certezas
nem grandezas
nem fraquezas
virou costas ao mundo
nua partiu
nua chegou
a vida cansada
por ali se quedou
e por fim... descansou!

EM - IN PULSOS - LURDES DIAS - TEMAS ORIGINAIS

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Libertação - ROBERTO DURÃO


Como um cedro ao morrer,
que envelheceu feliz,
sente fracos seus ramos
mas mais forte a raiz...

... Também tem de assim ser
quando o fim antevejo:
sentir fraco o prazer
mas mais forte o desejo!

Sentir libertação
no último segundo:
no morrer da razão,
ser a razão do mundo!

EM - TROVAS DO MEU PENSAR E DO MEU SENTIR - ROBERTO DURÃO - MINERVA




quarta-feira, 6 de junho de 2012

Este povo... que nós somos - EUCLIDES CAVACO


Nós somos de Viriato o Lusitano
descendentes de heróis e heroínas.
Nós somos de Afonso o soberano
Herdeiros da Pátria das cinco quinas.

Nós somos dinastias duma história
que encerra oito séculos de epopeias.
Nós somos das batalhas a glória
e "Homeros" de outras tantas odisseias.

Nós somos oceanos e as marés
onde ousado navegou o nosso Gama.
Nós somos marinheiros e as galés
que deram ao Império a grande fama.

Nós somos os heróis de mil facetas
descobridores do mar a majestade.
Nós somos inspiração dos poetas
que rimaram génio Luso com saudade.

Nós somos as estrofes de Camões
orgulhosos do presente e do passado.
Nós somos o eco das gerações
que com alma deram vida e berço ao fado.

Nós somos as memórias do Infante
de Eanes, Magalhães e de Cabral.
Nós somos este Povo fascinante...
da Pátria que se chama Portugal!...

EM - 1ªANTOLOGIA - VÁRIOS - UNIVERSUS

terça-feira, 5 de junho de 2012

Leiria - VÍTOR CINTRA


Desdobra-se a teus pés o rio Liz,
As águas murmurantes, no seu pranto,
Relembram que é passado certo encanto
Do tempo em que reinava Dom Dinis.

Cresceste e alindastes-te, Leiria,
E vê-se que pões nisso mui desvelo,
Mas, postos os teus olhos no castelo,
Recordas quem, dali, te viu um dia.

Tu foste dote, paço moradia,
Da tal princesa, vinda de Aragão,
Que foi rainha por obrigação;

Refúgio grato, quase uma abadia,
Da Santa, que a pobreza protegia,
Regaço, quer de rosas, quer de pão.

EM - MEMÓRIA DAS CIDADES - VÍTOR CINTRA - TEMAS ORIGINAIS

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Basta-me - HELENA ISABEL


Hoje basta-me um pouco de mar
Um pouco do céu,
Um pouco de ti a olhar,
Olhar-me sem véu.
Basta-me um pouco de nada
Sem dimensões, sem prudências
Conteúdo das nossas ausências.
Hoje basta-me um pouco de sossego
Basta-me ler o teu silêncio
Escrito em metáforas.
Imagens reflectidas na natureza.
Paisagens de beleza.
Hoje basta-me um pouco de ti
Reflectido no céu!

EM - ENTRE O SONO E O SONHO VOL. III - ANTOLOGIA POESIA CONTEMPORÂNEA - CHIADO EDITORA



domingo, 3 de junho de 2012

Pequenina - ANTERO DE QUENTAL


Eu bem sei que te chamam pequenina
E ténue como o véu solto na dança,
Que és no juízo apenas a criança,
Pouco mais, nos vestidos, que a menina...

Que és o regato de água mansa e fina,
A folhinha do til que se balança,
O peito que em correndo logo cansa,
A fronte que ao sofrer logo se inclina...

Mas, filha, lá nos montes onde andei,
Tanto me enchi de angústia e de receio
Ouvindo do infinito os fundos ecos,

Que não quero imperar nem já ser rei
Senão tendo meus reinos em teu seio
E súbditos, criança, em teus bonecos!

EM - SONETOS - ANTERO DE QUENTAL - ULMEIRO

sábado, 2 de junho de 2012

O lugar é ali - AGRIPINA COSTA MARQUES


O lugar é ali
onde irrompeu a fonte
de onde mana e se renova
não obstante a nuvem
que por vezes a emudece.

Virá como surtos
sustidos nas raízes
profundas que se geram
de tudo o que o Real
traduz de irreversível.

Raízes a firmar-nos
em recantos cimeiros
da identificação.

EM - MORADA RECÔNDITA - AGRIPINA COSTA MARQUES - LUA DE MARFIM

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Amor é fogo que arde... - LUÍS VAZ DE CAMÕES


Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É ter, com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode ser favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

EM - POESIA LÍRICA - LUÍS VAZ DE CAMÕES - VERBO